sábado, março 27, 2004

O orgulho da Nação( 2 Março 2004)

1. É nestas alturas que eu chego a ter dó de todos os arautos do «sistema», dos que vivem uma vida inteira a insinuar, a dizer, a repetir até à náusea, que são eles a melhor equipa, é deles o melhor futebol e só não são campeões crónicos porque o malfadado «sistema» está deturpado para desvirtuar a verdade e fazer do FC Porto um eterno «campeão de secretaria» - sem valor, nem mérito, nem categoria que o justifique. E tenho pena deles, porque em teoria podemos sempre continuar a discutir, sem jamais chegar a consenso algum, questões subjectivas como a de saber quem é habitualmente mais prejudicado pelas arbitragens e quem é mais beneficiado. Por absurdo, entre nós, até se conseguem discutir os factos estatísticos, como o de saber quem foi contemplado com mais penalties a favor, mais expulsões dos adversários, mais e mais longos castigos decretados pelo CD da Liga. Mas, quando chega a altura em que o FC Porto mostra que é capaz de jogar a um nível igual ou superior a uma Lazio, um Milan, um Celtic, um Marselha, um Real Madrid ou um Manchester United, quando mostra que é capaz de regularmente ultrapassar a primeira fase da Liga dos Campeões ou levar até ao fime até à glória a maratona da Taça UEFA, quando vemos os outros a baterem-se desesperadamente pelo segundo lugar no Campeonato porque ele, graças aos pontos conquistados pelo FC Porto, pode dar acesso à Liga dos Campeões, nessas alturas o que resta de argumentos às carpideiras de sempre? O que resta do «sistema», quando vemos o F C Porto reagir a um golo injusto do Manchester, resultante de um livre inexistente e, mesmo assim, continuar, como se nada fosse, a lutar com «coragem e alegria» pela vitória, como nenhuma outra equipa portuguesa seria capaz de fazer (este fim-de-semana, o «despudorado sistema» também fabricou um livre inexistente que permitiu ao Sporting vencer o Marítimo, mas isso é outra conversa...). Quem viu a exibição do FC Porto contra o Manchester e, mesmo assim, continua a insistir na nauseante explicação do sistema para justificar a superioridade interna do Porto, ou é desonesto intelectualmente ou é um caso patológico de inveja incurável. Quarta-feira passada, como tantas outras vezes ao longo dos últimos anos, o FC Porto foi o orgulho da nação futobolística e só os medíocres e os cegos de inveja é que o não reconhecem. Estamos a falar de um futebol a outro nível, ao nível mais alto, um futebol de uma galáxia que não tem nada a ver com as maledicências, as questiúnculas e as mediocridades armadas em grandes senhorias que por cá vegetam.

2. Há oito dias atrás, eu desejei e previ que, face à hecatombe de indisponíveis para o sector atacante, José Mourinho se atrevesse a romper com os cânones habituais da «escola táctica» portuguesa e ousasse apostar no «miúdo» Carlos Alberto. Felizmente, ele pensou o mesmo que eu e o resultado ficou à vista para todos, excepto para os comentadores da RTP, que não se cansaram de dizer que o Carlos Alberto estava a «emperrar todo o jogo ofensivo do FC Porto». Lá fora, porém, não se enganaram na análise: os ingleses escreveram que o Carlos Alberto pôs a cabeça em água à defesa do Manchester, o L’Équipe chamou-lhe «o prodígio brasileiro» e a Marca escreveu que ele «empurrou todo o jogo de ataque do FC Porto».Há coisas tão evidentes que até custa a compreender como é que «especialistas » as não vêem.

3. Outra coisa evidente, para mim, foi o empenho, o desejo, a esperança, que a nossa comunicação social pôs em que Mourinho castigasse «exemplarmente » o McCarthy pela sua noitada em Vigo. Queriam, porventura, um novo caso Jorge Costa, com o qual Octávio acabou de liquidar a então equipa do FC Porto. Tanta insistência no castigo interno a McCarthy não era inocente, mas Mourinho não se deixou ir na conversa, soube resolver o problema internamente e McCarthy mostrou contra o Manchester que valeu a pena não ceder ao canto das sereias. Com um simples jogo, mas visto por uns 200 milhões de pessoas no Mundo inteiro, ele e Carlos Alberto passaram de ilustres desconhecidos a apetecíveis troféus de caça dos tubarões mundiais.

4. O FC Porto-Manchester United, na RTP, fez 32,2 de audiência, 49,6 de share, esmagando tudo à volta. Durante a época em curso, aliás, dos seis jogos mais vistos na televisão portuguesa, cinco tiveram a participação do FC Porto. Dois tiveram a participação do Benfica - a inauguração do novo estádio e o jogo contra o FC Porto. E um, entre os vinte primeiros, teve a participação do Sporting - o jogo das Antas, contra o FC Porto... Aqui fica uma lição para quem, como a RTP ou a Sport TV, entendeu que a transmissão dos jogos caseiros do FC Porto durante a campanha empolgante da Taça UEFA (incluindo a meia-final contra a Lazio), não era serviço público ou não merecia o interesse do público... Pois, uns têm seis milhões de adeptos e outros são os Grandes Senhores do futebol português. Mas, quando chega a altura de ver futebol a sério, as audiências preferem o tal clube do «sistema». Seremos todos estúpidos?

5. Talvez um dia me ocupe a comentar o texto que, sem me nomear, Miguel Ribeiro Teles me dedicou no penúltimo número da revista Doze e que, francamente, me entristeceu. Por ora, limitar-me-ei a dizer que o «fanatismo » de que ele me acusa é sempre fatalmente fanático aos olhos de outro fanático. Quando, por exemplo, ele me lança a gravíssima acusação de usar esta coluna para «degradar ainda mais o ambiente no futebol português», eu - que tenho apenas responsabilidades de adepto, nem de jornalista, nem de dirigente-pergunto-lhe se ele acha que as declarações incontinentes do presidente do seu clube contribuem para dignificar o ambiente? E dou-lhe outro exemplo sobre a bilateralidade das coisas e o «fanatismo» encapotado: no mesmo número da revista em que ele escreve, topei com nada menos do que três textos quase a lamentar que o Benfica-FC Porto tinha sido «um jogo sem casos nem polémicas». Pois não: o único caso que houve, e que as imagens televisivas mostraram claramente, foi o Argel a agarrar o Jorge Costa dentro da área, impedindo-o de cabeçearà baliza - ou seja, um estúpido penaltizinho por marcar. Mas como o prejudicado foi o FC Porto, a coisa passou à categoria de fait-divers, não-notícia, de facto menor destinado ao desaparecimento definitivo dos arquivos da história. Portanto, de facto, não houve caso e não houve polémica, apenas porque o Benfica não tinha caso e o FC Porto, que o tinha, prescindiu da polémica e ainda bem. Mas, pergunto: e se tem sido ao contrário? (Ainda esta semana vi, no Benfica-Moreirense, duas jogadas eloquentes, dentro da área do Benfica: na primeira, o Argel- que, pelos vistos já se acha impune - a agarrar descaradamente pela cintura um avançado contrário, até que o Moreira segurasse a bola; na outra, o Manuel a fintar o Ricardo Rocha para ficar isolado e a ser rasteirado por ele. Comentários do comentador de serviço: «Empate na disputa entre Argel e Manuel» e «temos aqui um lance em que o pé de Ricardo Rocha prende o pé de Manuel». E nada mais, nem mais uma palavra sobre o assunto. Dois penaltizinhos por marcar, dois fait-divers. Fanatismo? Não, o jornalismo desportivo lisboeta na sua versão habitual. Mas quando são os portistas a chamar a atenção para estas coisas é fanatismo. Porque será, pergunto ainda, que todos, todos sem excepção - jogadores ou treinadores- que chegaram ao FC Porto depois de terem passado pelos grandes de Lisboa, afirmam unanimemente três coisas: que no FC Porto se trabalha mais e melhor; que a organização é incomparávelmente melhor; e que, apesar disso, é muito mais difícil ganhar campeonatos no FC Porto do que no Sporting e no Benfica?

6. Pela segunda vez, vejo uma excelente entrevista do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira - agora nas páginas deste jornal, a longa entrevista de sábado passado. Muitos falam e não cumprem, nomeadamente, quando apregoam a vontade de «dignificar» o futebol português. Ele mostra verdadeira vontade e cultura de cumprir. É impossível não acreditar na sua sinceridade, quando diz que o futebol tem de ser, e apenas, um espectáculo, um prazer, uma competição em que se perde e ganha e um local onde se pode levar a mulher e os filhos sem medo de se ser anavalhado. Em relação ao Benfica, a sua tarefa é gigantesca, imensa e longa. Mas não se vê outro caminho possível que não o da política dos pequenos passos. Sendo o futebol a chave de tudo, Vieira tem uma equipa profissional que, peço desculpa. mas volto a dizer que, excepção feita a Moreira e Simão, não tem categoria. Miguel ataca bem mas defende mal, o Tiago tem uns fogachos de vez em quando, o João Pereira é uma grande promessa mas que, por enquanto, ainda não é capaz de assegurar dois jogos bons de seguida, e o Mantorras é uma incógnita. Pelas minhas contas, para poder jogar a um nível verdadeiramente elevado, o Benfica precisa de outro guarda-redes que salvaguarde qualquer impedimento de Moreira, de três laterais, de um naipe completo de centrais - quatro -, de quatro médios, de um ala e de dois pontas-de-lança. Quinze jogadores. E quinze jogadores, muito bem prospectados (que é coisa que o Benfica, surpreendentemente, não tem sido capaz de fazer), custam, no mínimo uns seis milhões de euros ou doze milhões de contos. Dinheiro que o Benfica não tem, como não o tem qualquer outro clube português. Simplesmente, Porto e Sporting foram formando um núcleo duro de qualidade, gerindo as saídas e as entradas, alternando a idade com a juventude e as compras exteriores com o resultado das escolas de formação. E, enquanto o faziam, o Benfica perdia tempo e recursos a comprar jogadores de segundo plano ou em fim de carreira, esperando o milagre de conseguir fazer omeletas com ovos fora de prazo. Mas, como o mostra a entrevista de Vieira, ele sabe que os milagres não existem. Custam tempo, planeamento, organização, trabalho e dinheiro.

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