quinta-feira, dezembro 22, 2005

«Offside» ( 6 Dezembro 2005)

Esta noite, em Bratislava, Adriaanse vai ter mais uma oportunidade para provar que não é um looser crónico, incapaz de ganhar um jogo decisivo, de não cometer erros indesculpáveis na formação da equipa, nas substituições feitas, na estratégia e na atitude durante o jogo.

1- Com erros de palmatória e golpes de sorte se escreveu a história desta 13.ª jornada da Liga. Um passe displicente e suicida de Pepe ofereceu o golo ao Sporting, no jogo do Dragão (pena que um jogador com tanto potencial reincida em deslizes fatais como este!). Um pontapé falhado do Jorginho, chutando no ar, proporcionou dois ressaltos consecutivos em jogadores do Sporting e o autogolo de Polga (e o Jorginho, à míngua de serviço para mostrar, ainda se permitiu festejar o golo como sendo seu...). No Funchal um falhanço de Mantorras a cabecear a bola, seguido de tremendo erro do defesa Valnei, proporcionou o único golo da sofrida vitória do Benfica sobre o Marítimo. No Restelo o primeiro golo consentido pelo Nacional em sete jogos fora resultou de um bambúrrio irrepetível e significou a vitória do Belenenses. Enfim, em Braga, onde se jogava o primeiro lugar, uma oferta do defesa local Nunes deu ao Vitória de Setúbal a possibilidade do seu único remate à baliza em todo o jogo e da conquista dos três pontos. Convenhamos que não há tácticas, nem estratégias, nem moral do jogo que resistam a factores aleatórios como estes. Quanto muito poderá dizer-se que as grandes equipas são aquelas que já contam com eles.

2- FC Porto-Benfica: Lucílio Baptista. FC Porto-Sporting: Lucílio Baptista. Últimos seis jogos FC Porto- Sporting ou vice-versa: cinco vezes Lucílio Baptista. Sendo que ele é hoje, provavelmente, o pior dos árbitros de primeira categoria e criou uma lenda, alicerçada em factos reais, de prejudicar sempre o FC Porto, convenhamos que há coincidências de um raio!
Apesar de tudo, sábado passado, no Dragão, Lucílio Baptista conteve-se — não nos erros cometidos mas na sua distribuição, mais ou menos equitativa. Perdoou um penalty a cada uma das equipas e anulou um golo a cada. Mas com subtis diferenças: o golo anulado ao Sporting é offside claro, embora por muito pouco e embora a jogada merecesse golo; o golo anulado ao FC Porto tem de merecer o benefício da dúvida, embora a pretensa falta só ele a tenha visto. O penalty perdoado ao Sporting é bem mais flagrante que o perdoado ao FC Porto e, sobretudo, aquele de que beneficiaria o FC Porto foi muito anterior, o que é sempre susceptível de ter mais influência no decurso do jogo.
Tudo isto foi consensual: houve um penalty perdoado a cada um, um golo anulado a cada um — o do Sporting por offside incontestado, o do FC Porto por falta que se admite que possa ter existido mas a televisão não demonstrou. Nem Adriaanse nem Paulo Bento vieram reclamar do árbitro e nenhum dirigente portista se pronunciou sobre a arbitragem ou até sobre a nova coincidência da escolha do árbitro. Toda a gente coincidiu nesta análise aos lances polémicos, assim como coincidiu na leitura de que o resultado foi bem mais lisonjeiro para o Sporting que para o FC Porto ( a estatística de A BOLA registou 13 remates à baliza por parte do FC Porto contra um do Sporting).
Mas há sempre gente que vê os jogos de outra maneira. O dirigente sportinguista Rui Meireles confessou-se «decepcionado », pois o Sporting «merecia mais que o empate». E isso só não aconteceu porque Lucílio Baptista «falhou num lance crucial: o golo de Deivid é mal anulado. Mas é o futebol que temos e já estamos habituados». Já o vice-presidente leonino, Meneses Rodrigues, resolveu puxar pela tradicional memória selectiva dos sportinguistas e concluiu que, «pela primeira vez, este senhor árbitro não prejudicou o Sporting». Se os dois me derem o prazer de vir a minha casa tomar um café, uma noite destas, eu passo-lhes uma prolongada sessão vídeo sobre as arbitragens deste árbitro nos últimos FC Porto-Sporting, arquivadas justamente para documentarem o futebol que temos e a que já estamos habituados. Seria um prazer.

3- Cada vez mais me convenço de que o futebol é feito de acasos e de evidências. Nada a fazer contra os primeiros: nenhum treinador pode planear um jogo partindo do princípio, por exemplo, de que o Pepe vai fazer um passe de morte ao Carlos Martins. Mas, já quanto às evidências, constato que há treinadores cuja carta de alforria parece consistir apenas ou principalmente em tornarem obscuro o que é claro e verem só mais tarde o que já todos viram. À 13.ª jornada Co Adriaanse pôs em campo, finalmente, uma equipa praticamente consensual, porque escolhida segundo razões evidentes do mérito de cada um. Ah, mas tinha de haver uma excepção! A insistência em continuar a jogar com Jorginho, isto é, com 10 jogadores na prática, é coisa que já ninguém consegue entender nem ele próprio explicar. Fala na «velocidade» do Jorginho mas o Jorginho nem se mexe, não corre, não se desmarca, não luta, não fura, não faz pela vida. Fala na falta de extremos mas tem o Alan, o Ivanildo ou o Lisandro para jogar descaído sobre o flanco.
Esta noite, em Bratislava, Adriaanse vai ter mais uma oportunidade para provar que não é um looser crónico, incapaz de ganhar um jogo decisivo, de não cometer erros indesculpáveis na formação da equipa, nas substituições feitas, na estratégia e na atitude durante o jogo. Pelo menos desta vez deu-se ao incómodo de ir pessoalmente espiar o adversário. Espero que não tenha voltado a concluir que o Jorginho é indispensável ou que a melhor maneira de vencer o jogo é alinhar sem ponta-de-lança de raiz.
O mínimo que lhe é exigível, neste momento, é colocar o FC Porto na Taça UEFA, o que será um cometimento pior que medíocre face ao plantel de que dispõe e ao grupo que lhe saiu em sorte na Champions. Um milagre colocá-lo-á nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Uma derrota ou um empate selarão definitivamente o divórcio entre as bancadas do Dragão e mister Adriaanse.

4- O terceiro lugar do Vitória de Setúbal e os três golos sofridos, sobretudo nas circunstâncias de trabalho indignas que se conhecem, são, de facto, uma proeza notável. Mas também não é preciso mitificar as coisas para realçar um mérito que ninguém contesta: o Vitória tem um grande guarda-redes e uma defesa em grande forma e com uma imensa capacidade de sofrimento e concentração. Mas tem tido também uma grande dose de sorte.
Honra lhe seja feita, Luís Norton de Matos não se furta a admitir essa sorte, ao contrário de muitos outros que, no lugar dele, estariam há muito em bicos de pés com medo que não lhes reconhecessem a devida estatura. Estreante na Liga, tem tido, na equipa e no jogo, a sorte que lhe faltou com os pobres dirigentes do Vitória. Só por isso, quanto mais não fosse, ele e a equipa bem merecem essa sorte. Mas de certeza que Luís Norton é o primeiro a saber as limitações que tem e que a sorte não dura para sempre. Os resultados têm sido o estimulante, o Prozac que mantém a equipa de pé e unida. Mas um dia o remate para golo vai bater na trave, o Moretto vai estar distraído ou o árbitro vai permitir o golo do adversário em offside. E tudo pode começar a desabar de repente. A grande proeza de Luís Norton é conseguir que esse momento só chegue quando o Vitória já estiver a salvo da despromoção. Mais que isso só podem prever e exigir-lhe aqueles que acham que é possível esperar resultados sem a contrapartida mínima, que é a de pagar o ordenado a quem trabalha.

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