quinta-feira, fevereiro 17, 2005

O naufrágio ( 1 Fevereiro 2005)

Seria uma completa distorção da verdade querer resumir os problemas ao desempenho de Fernandez e fazer dele o único ou principal culpado da destruição científica de uma grande equipa, consumada em apenas seis meses

1- Quando este texto sair para a rua é possível até que Victor Fernandez já não seja treinador do FC Porto. A derrota de anteontem com o Braga significou uma espécie de ponto de não retorno na confiança dos adeptos. !Basta ya! Já estamos fartos de ver cair recordes sobre recordes dos adversários do FC Porto, à custa desta patética equipa de Fernandez: o último foi obtido pelo Braga, que há 45 anos que não ganhava no Porto. Mas, hoje em dia, ir ao Dragão e ganhar tornou- se a coisa mais simples e mais banal do mundo. Eu sei que, mais uma vez Fernandez não teve sorte, mas ele também nunca tem sorte, talvez porque a não sabe procurar: o primeiro golo do Braga, aos 22 minutos, surgiu no primeiro remate feito à baliza do Porto (mas, mesmo isso já é um clássico); o segundo é marcado em off-side; e o terceiro, depois de 35 minutos em que o Braga não rematava à baliza do Porto e não ultrapassava, sequer, o meio campo, deveu-se a uma jogada de sorte ridícula e irrepetível. Isso é certo, mas também é certo que já antes do primeiro golo o Braga estava mais perigoso e que, a seguir ao terceiro, perdeu três oportunidades sucessivas de fechar com goleada o pesadelo azul. E, sobretudo, o que o silêncio reinante no Dragão ilustrava exuberantemente é que todos perceberam que o Sp. Braga tinha uma estratégia de jogo e jogadores para a servirem, enquanto o FC Porto, ensaiando mais uma vez um onze novo, entrou sem saber o que fazer e saiu à deriva. Jesualdo Ferreira mostrou conhecer bem o adversário; Fernandez, como habitualmente, pareceu desconhecer por completo o que iria enfrentar e apresentou uma equipa sem jogo, sem táctica, totalmente permeável pelo centro da defesa, com um meio-campo sem qualquer sentido de jogo e onde até começa a ser penoso ver jogar o Costinha, em crise gritante de forma, e um ataque absolutamente incapaz de construir jogadas de golo e em que o «Fabuloso » Fabiano (eu avisei antes para este grande barrete...) conseguiu a fabulosa proeza de estar 90 minutos em campo sem fazer um passe, um cruzamento, um drible, sem ganhar uma bola de cabeça e sem fazer um remate à baliza. E, para compor ainda mais o desnorte total desta caricatura de equipa, uma vezmais se assistiu à indisciplina dos jogadores, com cartões amarelos gratuitos, expulsões absurdas e as inevitáveis cotoveladas, que se tornaram uma imagem de marca desta equipa (será que Fernandez não lhes consegue ao menos explicar que os jogos são televisionados?). Nesta altura do campeonato, já todos percebemos que o simpático treinador aragonês, um verdadeiro gentleman no futebol, não faz a mínima ideia do que anda a fazer. No verdadeiro apeadeiro em que se transformou o clube nas últimas semanas, entre entradas e saídas constantes de jogadores, o facto é que o FC Porto joga em Fevereiro bem pior do que jogava em Outubro ouNovembro. Teve uma segunda parte de inspiração contra o Chelsea, que quase salvou a época, mas só por verdadeiro milagre é que escapará à eliminação frente ao Inter. E só outro milagre evitará que o Sporting vença tranquilamente este campeonato. De modo que, a continuar tudo na mesma, omais provável é que em Março o FC Porto esteja a lutar por um único objectivo: ficar entre os três primeiros do campeonato, para que não lhe aconteça a suprema ironia de não tirar partido da entrada de três clubes portugueses na Liga dos Campeões—uma conquista que se deve exclusivamente ao mérito portista. A saída de Victor Fernandez é assim a solução mais óbvia, mais fácil e mais popular. Mas seria uma completa distorção da verdade querer resumir os problemas ao desempenho de Fernandez e fazer dele o único ou principal culpado da destruição científica de uma grande equipa, consumada em apenas seis meses. É preciso dizer a outra parte da verdade. Primeiro que tudo, foi evidente que Pinto da Costa não soube prevenir e reagir à saída de Mourinho. Ninguém, de boafé, poderia esperar que, depois de Mourinho e depois de ter chegado ao topo do mundo, face a adversários infinitamente mais ricos e poderosos, o FC Porto lá se conseguisse manter. Mas, uma coisa é a descida natural e inevitável, outra a descida aos trambolhões e a destruição, em poucos meses, de umtrabalho de três anos. Regressou-se directamente de Mourinho a Octávio. A contratação de Del Neri foi um desastre, que logo deixou antever uma época de mal-entendidos sucessivos. Fernandez foi um remendo de emergência, que só por sorte poderia ter corrido bem: um treinador que nunca tinha ganho nada à frente da equipa campeã do Mundo. Sucedendo-se ao falhanço na escolha dos treinadores, veio a política de contratações. Como aqui escrevi na altura, as vendas foram compreensíveis e inatacáveis, em termos de gestão do clube. Com os milhões encaixados, Pinto da Costa tinha uma de três soluções: ou aproveitava uma contingência irrepetível e usava o dinheiro para pôr o passivo do clube a zero, o que seria um facto histórico no futebol português, apostando nos jogadores das escolas e em duas ou três contratações cirúrgicas e baratas; ou gastava o grosso do dinheiro a tentar reconstituir uma equipa de campeões, encontrando substitutos à altura para um Deco ou um Ricardo Carvalho; ou—solução intermédia— encaixava a maior parte dos lucros e investia o resto em três ou quatro grandes jogadores que dessem garantias de poder manter a equipa num padrão de qualidade europeu. Pinto da Costa pareceu, de início, privilegiar esta última solução, mas rapidamente se descontrolou nas compras e foi seguindo uma estratégia de sucessivas fugas em frente. ComMourinho, o FC Porto comprou pouco e escolhidos a dedo pelo treinador. Sem Mourinho, comprou muito, sem critério e escolhidos pelo presidente e pelos empresários que volteiam à sua roda. Resumindo uma longa e penosa história, foi assim: o FC Porto comprou, de Agosto até agora, 16 novos jogadores; depois da época iniciada, já se desfez, por venda ou por empréstimo, de 12—dos quais cinco dos que adquiriu para o plant e l p r i n c i p a l e que nem chegaram a tocar na bola; só brasileiros comprou quase uma equipa inteira — dez; defesasesquerdos comprou três, tendo dispensado o melhor deles sem sequer o experimentar; gastou uma fortuna em três grandes apostas, todas elas rotundamente falhadas, até ver: Diego, Luís Fabiano e Hélder Postiga; desfez-se do Carlos Alberto para mandar vir o Leo Lima, desfez-se do Derlei para mandar vir o Cláudio P., desfez-se do Hugo Almeida para ficar com o Postiga; e, depois de 16 compras, tem uma defesa vulnerável por todos os lados, um meio-campo inexistente e um ataque com umúnico extremo de raiz. Fernandez não tem culpa de tudo isto: ele já só suplica que não lhemandem mais ninguém e não lhe tirem mais ninguém. Pelo caminho ficou, entretanto, a parte substancial dos milhões ganhos com o Chelsea e com a Liga dos Campeões. E Pinto da Costa corre o risco de que venha a concluir-se, apressadamente, que os êxitos dos últimos anos se ficaram a dever exclusivamente a José Mourinho. O que não é verdade e seria profundamente injusto. O que é verdade é que, ao contrário de Mourinho, Pinto da Costa não soube, até agora, gerir o êxito.

2- Três antigos árbitros internacionais vão colaborar directamente com os investigadores do Apito Dourado, analisando 40 jogos considerados de arbitragem «suspeita». Do ponto de vista da investigação criminal, a notícia é verdadeiramente de estarrecer: quer dizer que a acusação depende de opiniões subjectivas de terceiros para confirmar ou arquivar suspeitas. Temos, por exemplo, um penalty duvidoso, marcado por um árbitro: um dos «especialistas » acha que o penalty, de facto, existiu, mas os outros dois acham que não: o Ministério Público avança com a acusação de corrupção contra o árbitro. Mas se, ao contrário, dois são de opinião que o penalty existiu e só um acha que não, arquiva-se a acusação. Se é a este nível que se recolhem «provas» no Apito Dourado, estamos conversados... Põe-se ainda uma outra questão pertinente: qual o critério de escolha destes «especialistas»? Se é o de nunca terem, eles próprios errado, não serve, porque não há árbitro algum que nunca tenha errado. Peguemos no exemplo do Vítor Pereira, um dos «especialistas» nomeados e um árbitro que foi, de facto, o melhor da sua geração e de honestidade nunca questionada. Mas foi também autor de uma das arbitragens mais negativas e decisivas dos últimos anos. Sucedeu no Boavista-FC Porto de há quatro anos, quando consentiu que o Boavista cobrasse um livre enquanto ele estava de costas para a bola falando com os jogadores do Porto, sem que ele tivesse apitado e sem poder ver que o livre foi cobrado muito mais à frente e com a bola em andamento e os jogadores do Porto distraídos com o próprio árbitro — até porque, dez minutos antes, ele tinha ameaçado com um amarelo um jogador do Porto que cobrara um livre sem ele apitar. Acontece que do livre do Boavista nasceu o único golo do jogo, que valeu uma vitória —não apenas no jogo, mas no campeonato. Esse simples lance, somado a uma igual dualidade de critérios disciplinares que conduziu à expulsão do Deco ainda na primeira parte, seria suficiente, à luz do método adoptado pelos investigadores do Apito Dourado, para transformar o Vítor Pereira, de juiz dos erros alheios, em suspeito, ele próprio.

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