quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Entre perdidos e achados ( 8 Fevereiro 2005)

O que acontece quando se fica com a ideia de que um jogador, por exemplo, dá uma cotovelada noutro mas não se pode ter a certeza porque o realizador não repetiu a jogada? Já se imaginou o extraordinário poder que passa a recair sobre os realizadores de TV— o de castigarem um jogador ou deixá-lo impune?

1-Como disse José Mourinho, parece que a liderança desta SuperLiga queima.Com tanta incapacidade de fixação no topo, é de prever que quem consiga lá se aguentar durante três jornadas a fio fique embalado de vez para o título. Mas quem será? Este fim-de-semana começámos por assistir à queda do Sp. Braga, incapaz de segurar a liderança mais de uma simples semana mas já capaz de revelar tiques de grande, ao atribuir ao árbitro as culpas da sua derrota em Guimarães. Tenho as maiores dúvidas de que tenha mesmo existido penalty aos 94 minutos—pareceu-me, sim, que o jogador do Braga se desviou subtilmente para ir chocar com o seu adversário. Mas, com ou sem penalty, a verdade é que o Braga nunca demonstrou uma atitude de querer assumir os riscos que a continuação da liderança exigia. Quem quer ser campeão não pode jogar a contar com a sorte.

No dia seguinte foi a vez de o Sporting desabar, com estrondo, no Funchal. Sem desculpas nem atenuantes e revelando tamanha incapacidade que me começo a interrogar sobre o meu próprio diagnóstico de que o Sporting é (era?) o principal candidato à vitória final. Começa a instalar-se a ideia de que,tirando a táctica do «Liedson resolve» ou «Rochemback resolve », não há muito mais ideias, confiança ou estratégias de jogo por ali.

Não sabendo ainda o que terá feito ontem à noite o Boavista em Setúbal (estava capaz de apostar numa vitória...), temos que a sempre provisória liderança do campeonato está, para já e pelo menos, confiada a Benfica e FC Porto. Quem diria — a pior das cinco equipas da frente e a mais esfrangalhada delas todas!

2- Jogando num campo de que todos os portistas têm terror e enfrentando um árbitro que quase tornava impossível a vitória, José Couceiro conseguiu estrear-se com um imenso, um inimaginável, suspiro de alívio. Para quem conhece bem a química psicológica daquela equipa —mesmo descaracterizada, como está — um novo tropeção, nesta altura,teria provavelmente significado o fim de todas as ilusões. Couceiro conseguiu sobreviver a esta roleta russa, mesmo lançando mão (talvez
as circunstâncias ou diplomacia interna a isso o tenham obrigado...) a munições completamente ineficientes, como Costinha, Diego ou Hélder Postiga— este com a agravante de remeter McCarthy para outras zonas do campo, privando a equipa do único homem capaz de fazer golos lá na frente. Couceiro ficou a saber, caso ainda tivesse dúvidas, que esta equipa, todas as semanas acrescentada, só tem um extremo de raiz e só tem um ponta- de-lança digno desse nome. Muito samba e pouco
rock'n'roll.

3- Já há semanas aqui levantei a dúvida metafísica de saber como se resolve a desigualdade penal de castigar através do vídeo jogadores que não foram devidamente castigados em campo, quando uns têm todos os seus jogos televisionados e outros apenas alguns. Como é óbvio, não há solução para tal e daí as dúvidas que tal princípio levanta, aqui e lá fora. Mas, durante o jogo Guimarães- Braga, ao observar um lance concreto do jogo que o realizador televisivo não repetiu, ocorreu-me
também a dúvida sobre o que sucede em tais casos. O que acontece quando se fica com a ideia de que um jogador, por exemplo, dá uma cotovelada noutro mas não se pode ter a certeza porque o realizador não repetiu a jogada? Já se imaginou o extraordinário poder que passa a recair sobre os realizadores de TV —o de castigarem um jogador ou deixá-lo impune? E a nova fonte de suspeitas que daí pode surgir?

4- Uma das principais críticas que faço à arbitragem portuguesa é a da ausência de um critério disciplinar uniforme e lógico. Há, por exemplo, aqueles árbitros que acham que as entradas violentas e os respectivos cartões amarelos só são para levar em conta após meia hora de jogo e há equipas que se habituaram a fazer grande uso desse absurdo critério. Agora, nesta onda justiçeira — embora mais para uns que para outros—a que se assiste, é comum ver árbitros sacarem do amarelo por dá-cá-aquela- palha, muitas vezes parecendo que a exibição do cartão serve para acalmar os sobressaltos da própria consciência.
Dois exemplos da jornada: Pedro Proença mostrando o amarelo a César Peixoto, por um simples gesto de inconformismo, nem sequer de protesto,após uma decisão errada do árbitro; e João Ferreira mostrando o amarelo a Quaresma, culpado de nada: de ter sido rasteirado dentro da área pelo guarda- redes do Estoril, sem que o árbitro tivesse marcado o penalty e expulsado o infractor, como reza a lei. O resultado útil disto é que acabam por ser os jogadores a pagar os erros dos árbitros.
E o vídeo não serve para os despenalizar...

5- O Dínamo de Moscovo é o maior mistério do momento... ou talvez não.
Que um clube lá dos antípodas europeus desate, sem mais nem menos, a comprar jogadores portugueses já é coisa estranha.Um ou dois, ainda vá,agora seis ou sete, assim de repente, é esquisito. Que pague, sem discutir, oito milhões de euros pelo Derlei, em fim de carreira e em vazio de forma, é ainda mais estranho. Mas o negócio do Nuno Assis,esse, ultrapassa qualquer capacidade de compreensão: por que raio quererá um clube, russo ou marciano, comprar um jogador estrangeiro
para o emprestar durante quatro anos e meio (toda a duração do contrato) a outro clube do país de origem do jogador? O Dínamo de Moscovo terá algum interesse— comercial, desportivo ou filosófico — em ajudar o Benfica a conseguir ser campeão de Portugal? Constato,todavia, que esta minha ingénua perplexidade não encontra companhia alguma na nossa imprensa desportiva: aparentemente toda a gente acha isto muito normal. Ainda a ninguém ocorreu interrogar-se por que razão o patrão do Dínamo de Moscovo anda tão empenhado ematirar dinheiro à rua. E logo aqui, em Portugal. É mistério que a nossa curiosidade jornalística não acha digno de investigação, nem sequer de interrogação. Pelo contrário, até já vi escrito que é por mistérios destes que pode passar a salvação financeira dos clubes portugueses. Ó
bendita nação, em que o pobre já nem desconfia quando a esmola é grande!

6- As Câmaras Municipais de Loulé e Faro lançaram um apelo ao Governo para que as ajude a pagar os custos de manutenção do Estádio do Algarve — sem utilização alguma depois de um jogo da Selecção e dois do Euro, o que faz dele, até à data, o mais ruinoso estádio do Mundo: quatro milhões de contos por cada jogo lá disputado. O Tribunal de Contas arrasou o acordo de gestão feito entre a câmara de Leiria e o União, concluindo, como já se sabia, que ele consiste em a câmara pagar todas as despesas e o clube ainda receber um subsídio por lá jogar. O mesmo sucede em Aveiro, em Coimbra e em Braga —um estádio que custou duas vezes e meia ou três o orçamentado. Em Guimarães a câmara pagou a renovação e o clube ficou com a ajuda europeia para as obras.
Ou seja, em todos os estádios do Euro que (oficialmente...) foram construídos ou remodelados apenas com dinheiros públicos não há um só cuja manutenção seja assegurada pelos clubes que os utilizam. No Algarve não há sequer um clube utilizador e em Aveiro e Coimbra, para o ano, haverá, muito provavelmente, clubes de II Divisão a utilizá-los. É por estas e por outras que, quando oiço alguém reclamar o Mundial de futebol ou os Jogos Olímpicos para Portugal, já sei que estou perante alguém que foge ao fisco ou vive de cargos ou dinheiros públicos.

7-Não sabia que o Adriano Cerqueira dirigia o Jornal do Benfica. Nem sabia que estava gravemente doente. Imaginava- o retirado no seu monte alentejano, com a mesma discrição com que se retirou do activo e a mando o seu Benfica com esse sereno amor de sempre. Foi dos meus primeiros chefes na RTP. Tivemos algumas desavenças mas nunca por causa de futebol ou por mesquinhas questões. O Adriano era um senhor.

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