É recorrente dizer-se e escrever-se que os portistas olham com desconfiança para Jesualdo Ferreira. Que desconfiam das suas capacidades para levar a nau a bom porto ou, na melhor das hipóteses, que se limitam a dar-lhe o benefício da dúvida. Ora, eu não faço parte dessa facção e acho, honestamente, que, mais de um ano decorrido, já é tempo de terminar com o benefício da dúvida.
Eu saudei a chegada de Jesualdo Ferreira ao FC Porto logo desde o início (embora, deva confessar, em grande parte por ver partir esse «louco» inaturável do Co Adriaanse). Saudei a chegada de alguém com senso-comum, sabendo, como sabia, que qualquer treinador com senso-comum é capaz de triunfar no FC Porto — onde a cultura do clube e o espírito do balneário estão, de há muito, vocacionados para uma atitude de conquista e de vitória como não há paralelo em Portugal. O que se pedia a Jesualdo Ferreira, em Agosto de 2006, é que ele não complicasse o que era simples, que tomasse as escolhas e fizesse as opções óbvias e que não tivesse tiques de autoridade ou de personalidade que quisesse impor a uma máquina de há muito mentalmente afinada e sabendo o que tinha a fazer.
E, com este caderno de encargos, só posso dizer que Jesualdo Ferreira tem cumprido, não apenas bem, mas muito além das expectativas. Em matéria de resultados, leva conquistados um campeonato e uma supertaça, vai a caminho de outro campeonato, tem a equipa nos oitavos-finais da Liga dos Campeões este ano e com o primeiro lugar no grupo e, no ano passado, fez o mesmo e só morreu nos oitavos, em Stanford Bridge, porque o Helton resolveu dar o «frango» do século. Quem teria feito melhor, com os meios e a equipa ao seu dispor?
A desfavor de Jesualdo Ferreira só tenho, como repetidamente venho escrevendo, a incompreensível lista de reforços para esta época. Se foi ele que os escolheu, errou por completo e errou de tal maneira que fica a dúvida se saberá distinguir um bom jogador de um mau; mas se, como eu penso que terá acontecido, se limitou a aceitar os negócios cozinhados acima dele, pecou por falta de coragem de se opor e impor, num domínio que é do treinador. Em contrapartida, são do seu mandato a transformação radical do Bruno Alves, a impensável ressurreição do Tarik Sektioui ou a notável adaptação do Lisandro López a ponta-de-lança.
E, sobre isto, que já não é pouco, Jesualdo Ferreira tem ainda a seu crédito uma atitude louvável, perante o jogo e os acontecimentos. Apenas uma vez, neste quase ano e meio, se queixou de um árbitro — quando, muito antes e depois, teve bastas razões para o fazer. Nunca pretendeu que a equipa tinha jogado bem, quando ela não o fez. Nunca adoptou uma atitude de «cagaço» ancestral antes dos grandes jogos (tão comum aos treinadores portugueses, que, nessas alturas, só pensam é em «reforçar o meio-campo»). Nunca se pôs em bicos-de-pés, como tantos outros, a pedir elogios para si próprio. Nunca se mostrou descrente, crispado, inchado ou vaidoso. Numa palavra, soube sempre ganhar e sempre soube perder, nas poucas vezes que isso lhe aconteceu.
Na semana finda, Jesualdo Ferreira viu a sua equipa ultrapassar, com grande autoridade e inteligência, dois obstáculos que não eram terríveis, mas que facilmente se poderiam tornar complicados: o Besiktas e o Vitória de Guimarães. Contra os turcos, o FC Porto jogava, sobretudo, contra si próprio e contra os nervos que o desenrolar do jogo poderia ocasionar: a equipa soube ir à procura do primeiro golo e depois matar o jogo no momento ideal. Contra o Vitória de Guimarães, que joga do melhor futebol da primeira Liga, o FC Porto foi prudente quanto baste e eficaz quanto necessário, num jogo jogado a um ritmo e com uma abertura raras de ver na nossa Liga. Agora, em pousio da Europa até Março, com dez pontos de avanço no campeonato, o FC Porto está na posição ideal para poder garantir um 2008 feliz. Gerir este avanço interno e poupar os mais desgastados para tê-los em forma quando regressar a Liga dos Campeões, são as tarefas principais que Jesualdo Ferreira vai ter pela frente, no futuro próximo.
Quanto ao primeiro aspecto, há coisas no comportamento da equipa que precisam e podem ser melhoradas. O Helton tem de aprender a dominar o jogo aéreo, percebendo quais são as bolas a que tem de sair e qual é o tempo exacto de saída — porque nem todos têm a sorte do Ricardo, que sai sempre em falso e nunca lhe acontece nada. E tem de aprender também a jogar com os pés, deixando de causar os calafrios que causa na bancada e tentando dar um destino útil às bolas que manda a pontapé para a frente (contra o Besiktas, numa dúzia de reposições a pontapé, nem uma vez acertou com um colega de equipa…). O Raul Meireles tem de aprender a acertar de vez em quando com a baliza, o Lucho (que até remata bem), tem de perder o medo de rematar à baliza quando está em posição de o fazer, e o Quaresma tem de deixar de cobrar quase todos os livres e cantos a meia-altura, tornando inevitável o corte da primeira linha defensiva dos adversários. São pormenores a trabalhar e que se trabalham nos treinos.
Quanto ao segundo problema — o da gestão da equipa — e para alguém que acha, como eu, que não é com o Stepanov, o Mariano, o Farías, o Edgar ou o Lino que lá vamos, Jesualdo deveria meditar um pouco, por exemplo, nas lições deste fim-de-semana. Segundo as crónicas, o melhor jogador do Vitória de Setúbal foi, uma vez mais, o Cláudio Pittbull, o melhor do Vitória de Guimarães foi a Alan, o melhor da Académica foi o Helder Barbosa e o melhor do Leixões foi o Diogo Valente. Têm em comum serem todos avançados, poderem jogar todos nas alas e serem todos jogadores emprestados pelo FC Porto. Qualquer um deles poderia dar bastante jeito, agora, que uma invenção de Olegário Benquerença veio pôr o Ricardo Quaresma de fora no próximo jogo (é curioso como o mais criativo e espectacular jogador do campeonato e o que mais faltas sofre, continua, ano após ano, a ser considerado pelos nossos árbitros como um dos mais indisciplinados, numa equipa que é a segunda mais disciplinada…). Qualquer um deles, ou o Ibson — emprestado ao Flamengo e considerado um dos cinco melhores do campeonato brasileiro — seria um valor mais seguro no mercado de Inverno do que mais um qualquer sul-americano de ocasião, comprado por súbita inspiração da SAD.
PS: Um dos muitos jogadores que o FC Porto mantém emprestados é o jovem Rabiola, ao serviço do Vitória de Guimarães. Tendo jogado apenas 80 minutos neste campeonato, o FC Porto achou por bem mandá-lo apresentar-se em Dezembro no Dragão, na expectativa de que ele possa aí evoluir mais do que em Guimarães. Conhecida a notícia na semana passada, foi quanto bastou para que Sílvio Cervan tenha aproveitado para mais uma das suas manifestações habituais de desconfiança relativamente a tudo o que mexe. Segundo ele, o simples facto de Rabiola juntar-se a quem lhe paga, a partir do ano que vem, tornava desde logo fácil o jogo do FC Porto contra o Vitória de Guimarães — mesmo que ele, como habitualmente, não fizesse parte dos planos de Cajuda para o jogo no Dragão. E se o Alan não tem sido considerado o melhor em campo por parte do Guimarães, o que diria o dirigente benfiquista e colunista/«senador» Sílvio Cervan? Ai, senador, senador!
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