sábado, janeiro 26, 2008

O NATAL FAZ-LHES MAL? (08 JANEIRO 2008)

Pessoalmente, nunca fui adepto do estilo de jogo a que se costuma chamar «futebol inglês» — uma coisa desenchabida e sem virtuosidade, onde o pontapé de baliza do guarda-redes parece, por vezes, ser a jogada-chave de toda a estratégia. Mas a verdade é que, quando olhamos para o futebol inglês de clubes, e quando pensamos em equipas como o Liverpool ou o Arsenal, já há muito pouco de inglês nesse futebol. Quando a Liga inglesa estava orgulhosamente fechada a estrangeiros, o futebol inglês começou a decair, a perder força e espectadores. As coisas começaram a mudar quando, há vinte anos atrás, Villa e Ardilles, dois internacionais argentinos, chegaram a Inglaterra para jogar no Tottenham. Fronteiras abertas, o público inglês começou a ver chegar verdadeiros artistas da bola, deixando de ficar limitado ao tipo de jogador estereotipado, como o tão badalado David Beckham — um jogador absolutamente banal em qualquer lugar do mundo, inclusive Los Angeles. Chegaram os artistas estrangeiros, chegaram os investidores, regressou o público.

Hoje, a Liga inglesa é, a par da espanhola, o campeonato mais bem disputado, com mais espectáculo assegurado e com mais espectadores nos estádios. Uma parte fundamental da receita dos clubes ingleses (e que lhes permite, depois, comprar os tais artistas mundiais) está na exportação semanal desse espectáculo para os quatro cantos do mundo, via televisão. Não há hoje jogador de talento que não tenha acrescentado a Inglaterra aos seus destinos de sonho. Mas, atenção: o espectáculo é intenso, a fama corre mundo, os ordenados são fabulosos, mas ali trabalha-se a sério. O campeonato tem 38 jornadas, a Taça da Liga e a Taça de Inglaterra são disputadas em eliminatórias a duas mãos e todos os clubes de topo estão cronicamente envolvidos em jogos europeus e em digressões asiáticas ou americanas. Em Inglaterra, um profissional da primeira Liga de uma equipa da metade de cima da tabela joga, em média, mais do dobro dos jogos disputados anualmente por um profissional da primeira Liga portuguesa. É sempre com um sorriso irónico que eu vejo os treinadores dos nossos clubes de «dimensão Taça UEFA» queixarem-se que a «equipa está cansada», depois de disputar um jogo europeu a meio da semana. Sem dúvida que, mesmo aqui, a vida de futobolista profissional exige sacrifícios, sobretudo na parte pessoal. Mas não deixa de ser um emprego em part-time: o ciclo normal de um jogador da primeira Liga, entre nós, consta de um dia de jogo por semana, outro de folga, um e meio de estágio e três ou quatro de treino umas duas horas da parte da manhã — à hora de almoço já estão livres. Comparado com o que se passa em Inglaterra, são uns privilegiados.

Uma das diferenças tradicionais do futebol em Inglaterra é aquilo a que se convencionou chamar o «boxing day». De facto, não é um dia, mas sim vários. Enquanto parte da Europa goza férias de Natal (e, em Portugal, toda a imensa legião sul-americana parte para casa), em Inglaterra, em vez de parar, o campeonato acelera: joga-se no dia de Natal, no dia 28 de Dezembro e no dia de Ano Novo. E os estádios continuam cheios e não passa pela cabeça de ninguém que os jogadores se apresentem a jogar cansados, contrariados ou em regime de poupança de energias.

Eu, enquanto adepto, devo confessar que até aprecio e agradeço esta paragem natalícia, porque tudo na vida precisa de tréguas, sobretudo as emoções. Mas acho que a contrapartida dessas férias natalícias de que gozam os jogadores em Portugal é que, no regresso, eles não se apresentem cansados das férias ou das viagens, em ritmo de passeio, como se estivessem a regressar ao activo depois do «defeso». Este ano, mesmo depois de prudentemente reduzido o generosíssimo período de férias concedido no ano anterior, parece que os resultados não foram diferentes. A avaliar pelo desempenho daqueles que maiores responsabilidades têm — os chamados «grandes» — parece que o Natal lhes faz muito mal.

O Benfica em Setúbal, o Sporting no Bessa e o FC Porto no Dragão, todos entraram o ano com pernas que pareciam pesar chumbo, a inspiração a zero e um interesse e vontade que pareciam longe, muito longe, dos jogos que disputavam. Os adeptos ficaram com razões sobejas para lamentarem os espectáculos que os seus clubes lhes proporcionaram. Benfica e Sporting entregaram de vez o campeonato ao FC Porto, de nada lhes tendo servido a suposta moralização que o tropeção dos azuis no Funchal, mesmo antes das férias, lhes teria proporcionado. E o FC Porto, jogando já depois dos desaires dos dois principais rivais e sabendo que uma vitória significaria praticamente o fim das dúvidas por esta época, só lá chegou quase por acaso.

Em, Setúbal viu-se um Benfica completamente à toa, sem futebol nem ideias e uma vez mais à espera de uma vitória caída do céu sem esforço nem mérito. Por uma vez, os planos sairam-lhe furados à beira do fim e a única coisa coerente que se lhe viu foi o gesto de Camacho a mandar para os balneários duas vedetas mal-dispostas. Agora, anunciam aos benfiquistas, à laia de compensação, que «Vieira vai dar um murro na mesa». Mais valia dar um na cabeça, tantos e tão gritantes têm sido os erros por ele acumulados na gestão do futebol benfiquista - de que, não sei se se lembram, se proclamou ufanamente o único responsável, há mais de um ano. Depois do jogo de Setúbal, ouvi pela primeira vez adeptos benfiquistas a defenderem abertamente o fim da era-Vieira. Agora, que já não há Veigas, nem Fernando Santos, nem Apitos Dourados que possa usar como bodes expiatórios, Luís Filipe Viera vai inevitavelmente fazer o que melhor sabe: lançar-se numa campanha de promoção pessoal, a par de uma cruzada de ameaças e insinuações dirigida a inimigos ocultos e a moinhos de vento que a sua espada tarda em vergar. Um filme já visto e gasto.

Do lado do Sporting, o silêncio das tragédias sem remédio abateu-se sobre a paupérrima prestação do Bessa. Ninguém sabe a resposta à pergunta «o que fazer e com que meios?». A equipa tem alguns bons jogadores e alguns bons momentos. Mas daí não passa nem mostra capacidade ou categoria para passar e o choradinho habitual com as arbitragens já não convence ninguém, nem os próprios adeptos. O problema do Sporting é mais dramático, porque, ao contrário do do Benfica, não se resolve simplesmente com uma boa gestão do futebol. O problema é de fundo e parece inexorável: lentamente, o Sporting foi decaindo, decaindo, enquanto o FC Porto ia subindo, subindo. E hoje, sob qualquer prisma que se compare — resultados, assistências, receitas, adeptos, notoriedade e prestígio interno e externo — o Sporting instalou-se solidamente na posição de terceiro clube português. O que significa que, para ser campeão, precisa de, além de fazer uma grande época, que os outros dois falhem simultâneamente nessa mesma época. Pelo que a grande questão não é esta época nem sequer a próxima. É esta: conseguirá o Sporting voltar a ser campeão nos próximos dez anos?

Quanto ao FC Porto, como se sabe, as coisas vão bem e recomendam-se. Pelo menos, internamente e, até ver, na Europa. Mas é muito difícil ir mais além, pois como se viu no Funchal e mesmo agora contra a Naval, o problema da equipa está mais do que diagnosticado: tem seis bons jogadores e mais dois razoáveis. E nada mais — o que é pouco para acorrer às várias frentes. Se o Quaresma, o Bosingwa, o Bruno Alves, o Lisandro ou o Lucho se magoam, se são castigados ou se estão cansados ou em dia de desinspiração (o que é mais do que legítimo), não há ali ninguém que os possa subsituir com um mínimo de qualidade. Sem eles, e com os maravilhosos reforços desta época, o FC Porto estaria a lutar para não descer de divisão.

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