terça-feira, junho 25, 2013

PASSADEIRA VERMELHA (09 ABRIL 2013)

1- Em termos ofensivos, há dois tipos de jogadores: os que desequilibram e os que engasgam. Os segundos não correm riscos, mas também não abrem defesas fechadas; os primeiros perdem várias bolas, mas resolvem jogos. É próprio dos treinadores fracos preferirem os segundos. Vítor Pereira é um desses treinadores: prefere um Varela, um Defour ou um Lucho a arrastar-se, pois eles dão-lhe aquele futebol mastigado, ruminante, (circulado, como gosta de dizer), que ele confunde com superioridade táctica. Ontem, contra o Braga, mais uma vez se repetiu a história: sem Varela ao dispor, voltou a insistir num quarteto a meio-campo, incluindo Lucho e Defour, e foi só na iminência do desastre que acabou por se decidir a meter Atsu e Kelvin. Ganhou, mas só então convenceu. E é certo e sabido que, na próxima oportunidade, regressam Varela ou Defour, ou ambos. E é por isso que eu acho que a época já está decidida e perdida.

Em Olhão, o Benfica ganhou quando quis, como quis e por quantos quis. Mais uma vez ficou à vista a tremenda diferença de capacidade entre Benfica e Porto, por um lado, e todos os restantes 14 clubes, por outro: mesmo em relvados sem dimensão e sem a qualidade mínima aceitável para jogos de uma primeira liga, mesmo gerindo o cansaço de jogar em várias frentes simultaneamente, enquanto os outros descansam uma semana inteira, o Benfica e o Porto (agora em menos frentes) passeiam-se a seu bel prazer neste campeonato — que, para acrescentar ainda mais à sua patética competitividade, se prepara para satisfazer os sonhos do actual presidente da Liga e dos que o apoiam e alargar-se para mais dois clubes e dois quintais.

Felizmente e graças à intervenção de um amigo, que cobriu a incapacidade do seu presidente, evitou-se o mal maior e chocante que teria sido a falta de comparência do Olhanense ao jogo com o Benfica. Os habituais adeptos da conspiração e que vêem a mão de Pinto da Costa em tudo o que contrarie os desígnios benfiquistas (até mesmo numa tempestade que se abate sobre Setúbal e faz adiar o jogo do FC Porto) não deixaram de ver aqui também a mão de Pinto da Costa: o amigo que pagou o dinheiro para que os jogadores do Olhanense fossem a jogo seria ele. E que fosse, pergunto eu? Onde está o grande escândalo? O escândalo, do meu ponto de vista, é que o Benfica estivesse à espera de ganhar em Olhão sem ter de jogar. Escândalo seria uma vitória de secretaria num momento decisivo do campeonato, perante a indiferença da Liga. Se o amigo era, de facto, ligado ao FC Porto, então a Liga bem pode agradecer-lhe ter evitado a barracada e os benfiquistas bem podem agradecer-lhe a possibilidade de terem ganho em campo e não na secretaria, o que é mais bonito e mais sério. Até porque, como se viu, o jogo era de risco nulo. E, agora, atenção benfiquistas, porque vou dizer uma coisa que, em circunstâncias inversas, vocês nunca viram nem verão dito por um benfiquista: eu acho que o campeonato já está entregue ao Benfica e, em minha opinião, com todo o mérito e toda a justiça. Claro que eu podia questionar aqueles dois jogos, quase consecutivos, no período recente em que Benfica e Porto seguiam par-a-par, e que terminaram ambos com a vitória encarnada por 1-0 resultante de penalties mais do que duvidosos - em especial, o penalty que deu a vitória contra a Académica, aos 96 minutos. Esses quatro pontos foram decisivos e evitaram que o Porto descolasse numa altura crucial do campeonato. Mas também foram decisivos os quatro pontos que o FC Porto desperdiçou em dois penalties falhados por Jackson Martinez — pelo que até se poderia dizer que o campeonato ficou decidido pela capacidade de converter penalties. Mas o penalty é, cada vez mais, um lance corrente dos jogos: treina-se e tem regras técnicas que, se bem executadas, o tornam quase sempre indefensável; e, no limite, cabe a um treinador perceber quem são os seus jogadores que têm competência técnica para tal. Quando um jogador falha um penalty por evidente falta de capacidade técnica, a seguir falha segundo de forma idêntica, e o treinador ainda insiste nele para falhar terceiro, a culpa já não é do jogador até porque há excelentes jogadores que não cobram penalties.

Mas seria de todo injusto resumir a razão do mais que provável título do Benfica a uma questão de penalties. Até porque, como todos constatam, vivemos esta época num anormal clima de paz em relação às arbitragens, no que diz respeito à disputa do título. Nem Benfica nem FC Porto andaram em cruzadas ao melhor estilo sportinguista contra os árbitros, nem os seus presidentes e dirigentes andaram a fomentar ódios e incêndios. Dirão que ambos estão de parabéns por isso, mas não é verdade: quem está de parabéns é o FC Porto e a sua gente. Porque, se fosse ao contrário, se se tivesse começado a perceber, aí por alturas da 20ª jornada, que era o FC Porto que marchava tranquilamente para o título, o clima seria diferente. Pois que, como disse, salvo erro, Artur Jorge, ano em que o Benfica vai à frente é ano em que, subitamente, a arbitragem vive num mar de rosas. Ou seja: o FC Porto sabe perder, o Benfica não.

E, porque isto é mesmo verdade, quero reafirmar que acho que o Benfica foi claramente a melhor equipa desta época: a mais versátil, a mais imaginativa, a mais ofensiva, a de futebol mais atraente e eficaz, simultaneamente. Jorge Jesus fez uma gestão perfeita dos jogadores ao seu dispor, conseguindo que eles entrassem e saíssem da equipa sem se notar as alterações no futebol exibido. Ao contrário de Vítor Pereira que, avesso a qualquer novidade ou risco, apostou de princípio a fim num núcleo duro, por mais desgastados ou desinspirados que alguns dos seus componentes estivessem, Jesus conseguiu, de facto, ter uma equipa formada por 20 jogadores — e, por isso, não só vai à frente, como está excelentemente colocado para conseguir o triplete que Villas Boas conseguiu há dois anos: campeonato, taça, Liga Europa. E isso é tanto mais notável quanto o Benfica não tem, em minha opinião, melhor equipa que o FC Porto — e viu-se isso no jogo da Luz, o único em que o Benfica abanou de alto a baixo entre-portas. Mas Jorge Jesus não apenas soube rodar muito melhor o espólio que tinha, soube adaptar muito melhor jogadores a novas posições e funções, como também, dando-se conta da imensa superioridade interna face aos outros 14 adversários, introduziu um estilo de jogo de cavalgada para a vitória, que contrasta, de forma gritante com o estilo de jogo adoptado por Vítor Pereira: posse, posse e mais posse, até que o golo apareça.

Diz-se que no futebol tudo pode acontecer — o que não é bem verdade. Mas pode acontecer que, contra toda a lógica e todas as minhas expectativas» o Benfica perca na Luz com o Sporting e no Dragão e que o FC Porto leve tudo de arrasto até final, recorrendo àquele quid de vitória e de coragem que hoje está adormecido, mas que eu sei que ainda lá mora. Pode ser que sim. Mas, não só não acho nada provável, como também não sei se acharia justo (o que para o caso, confesso, pouco me incomodaria, se a reviravolta fosse sem espinhas).

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