1- Nas palavras de Vítor Pereira, o FC Porto fez um jogo «consistente» contra o Paços de Ferreira. O Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora ajuda-nos a perceber exactamente o que quis dizer o treinador portista: por «consistente» entende-se aquilo que é sólido, credível, estável. De facto e olhando o jogo, vencer por 2-0 é credível, sem que o adversário crie uma ocasião de golo é sólido e sem grandes sobressaltos é estável. E, todavia... E, todavia, essa consistência tão cara a Vítor Pereira é uma moeda de duas faces. Na face vista na Luz, ela resultou na melhor estratégia aplicável ao adversário e na melhor tendo em conta os condicionalismos próprios (ausências de James e Atsu). A estratégia de posse de bola, domínio do meio-campo e solidez defensiva, manietou o futebol de cavalgada do Benfica e produziu um jogo em que o empate foi o me- nor dos benefícios colhidos. Mas é forçoso reconhecer que, como dizia um benfiquista, o FC Porto de meia oportunidade fez dois golos embora o Benfica, recheado de soluções ofensivas alternativas, só tenha tido mais uma oportunidade.
Mas, para receber em casa um Paços de Ferreira, que de antemão se sabia que iria jogar fechado e organizado atrás, é óbvio que a mesma estratégia de «consistência» arriscava-se a produzir o que se viu: um jogo tão lento, tão aborrecido, tão falho de interesse que às tantas a câmara da televisão até surpreendeu um jogador do Paços bocejando de sono. E um jogo que o FC Porto só desatou e venceu graças a um pontapé feliz e à total ausência de capacidade ofensiva do adversário.
Acho que, apesar de qualquer um perspectivar um jogo em tudo diferente do da Luz, também cada um de nós, conhecendo o treinador portista, era capaz de adivinhar que ele nada iria mudar em relação ao jogo com o Benfica nem a estratégia nem os seus intervenientes. E assim foi: reincidiu na aposta, já provadamente falhada, de Defour a extremo-direito e, claro, reincidiu na aposta eternamente falhada de Varela. Não por acaso, foi quando os tirou que os seus substitutos mataram o jogo um na assistência, outro no remate.
De uma semana para a outra, Vítor Pereira mostrou o seu melhor e as suas limitações. É bom a dar a tal «consistência» à equipa; é mau a dar-lhe criatividade, a correr riscos necessários, a apostar e a desamarrar os jogadores de desequilíbrio. Com ele à frente, James teve de esperar meia época para conquistar a titularidade a Varela e a Cristian Rodriguez, apesar de ter vindo de uma época, com Vilas Boas, em que fora já o melhor ou um dos melhores da equipa. Com ele, Atsu, Kelvin, Iturbe, Sebá e Tozé esperam e esperarão indefinidamente que o treinador lhes dê um décimo das oportunidades que têm jogadores «consistentes» como, por exemplo, Defour e Varela. Ao contrário de Jorge Jesus no Benfica, Vítor Pereira é um destruidor de talentos no berço.
2- Ao FC Porto chegou agora um reforço que, pelo que já se viu, deve também fazer parte da categoria dos «jogadores consistentes», tão do agrado de Vítor Pereira: Izmailov. O golo que marcou ao Paços de Ferreira é uma certidão de vida que lhe vai valer grande protagonismo sem grande esforço. Eu confesso que não percebo os elogios que choveram: o golo é de oportunidade e boa execução técnica, que é uma qualidade que todos lhe reconhecem. Mas é também um golo à Varela, isto é, resultante de um momento de sorte e de indisciplina táctica, abandonando o lugar e as funções no jogo que lhe cabiam para vir vaguear dentro da área, à espera de uma bola sobrante que lhe permita, facturando, disfarçar tudo o resto. E o resto, no caso de Izmailov, foi um quarto de hora contra o Benfica e uma meia hora contra o Paços em que se mostrou absolutamente fora do jogo e sem a mais pequena possibilidade de dispor da velocidade e do arranque para uma função de extremo. Mas marcou, está desculpado.
Porém há coisas, neste reforço que me dão que pensar e baixar as expectativas. Não falando já do seu longo historial de indisponibilidade ao serviço do Sporting, faz-me confusão, por exemplo, que, ao fim de cinco anos em Portugal, não seja capaz de pronunciar uma palavra em português e se exprima por uns vagos sussurros em suposto inglês. Depois, custa-me aceitar que um atleta de alta competição, que deve ganhar uns 75 a 100 mil euros/mês (25 a 30 vezes o ordenado médio em Portugal), ao fim de duas semanas de treino e apenas meia hora de jogo, disputado a passo, não tenha pudor em queixar-se, uma, duas, três vezes, do grande cansaço que sente, como se fosse suposto termos pena dele. Que o FC Porto precisava de um reforço no meio campo ofensivo, concordo; que tenha vindo a custo zero é excelente; que seja este, já tenho bem maiores dúvidas.
3- Por razões profissionais, escrevo antes do jogo do Benfica em Moreira de Cónegos. Gostaria de pensar que há uma hipótese de o Benfica perder pontos, mas não acredito nela. Apenas espero do Moreirense que não entregue o jogo tão rapidamente e tão displicentemente como o fez a Académica, na quinta-feira. Há muito que não via uma equipa entregar-se tão galhardamente, para mais quando defendia um título e jogando perante o seu público. Depois admirem-se se ele não comparece à chamada, como sucedeu quinta-feira.
4- Provisoriamente reduzido a dois centrais disponíveis antes de receber o Benfica, no domingo que vem, o Sporting de Braga viu um deles ser expulso, já nos descontos e por falta duvidosa e que, reza toda a critica, a existir, jamais daria direito a um vermelho directo. Segundo o presidente do Braga, que classificou a arbitragem como «dos tempos de Calabole», o «árbitro andou todo o jogo a tentar expulsar quem tinha de expulsar». É uma acusação muito grave que, na parte substancial, vai acabar diluída na atmosfera e, na parte formal, vai acabar com suspensão de trinta dias e multa de mil euros a António Salvador.
5- Espicaçado pelas abundantes notícias acerca da ressurreição súbita do Sporting, lá me dei ao trabalho de ver o jogo contra o Beira Mar. E o que vi serviu-me para confirmar que há uma profunda divergência de opinião entre mim e os sportinguistas: onde eles acham que a crise é inexplicável face ao grande grupo de futebolistas de qualidade de que dispõem, eu acho justamente o contrário que a crise, tendo várias origens e razões, se explica sobretudo pela absoluta falta de qualidade da equipa. Tirando Rui Patrício e a promessa mal aproveitada de Carrillo, não há ali um jogador verdadeiramente de qualidade. Evidente e constante. É só uma opinião, que espero que não me levem a mal.
6- Como tantos outros que já fo escreveram, tambem eu assisti à morte de um dos meus ídolos, com as con-fissões de Armstrong a Oprah. Mas, de facto, não sei por que razão criámos ilusões: de há muito que é sabido que o ciclismo é um desporto quimicamente viciado, de alto a baixo. Pessoalmente, perdi as ilusões há muitos anos, quando li aqui uma entrevista de Carlos Miranda a Joaquim Agostinho, em que este, sempre negando a justiça dos dois controlos positivos em que fora apanhado, acabava, contudo, por se descair: «Mas não esperam, com certeza, que um homem suba o Alpe d'Huez só com eau d´Évian e bife grelhado!».
Armstrong foi um mito que a imprensa alimentou e deixou que crescesse, mesmo sabendo que, como ele diz, fez o mesmo que todo o pelotão do Tom de France fazia e faz. E tanto assim é que se os sete triunfos de Armstrong no Tour ficaram agora desertos de titular é porque todos sabem que os segundos, terceiros ou quartos classificados estavam tão limpos como ele. O ciclismo profissional, pese ao espectáculo que é, à tradição que carrega ou às espectaculares coberturas televisivas do Tour, está morto e enterrado. Podemos é continuar a fingir que aquilo é coisa séria.
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