domingo, junho 02, 2013

CONTAGEM CRESCENTE (8 JANEIRO 2013)

1- Estava a escutar as notícias de domingo de manhã na rádio, quando fiquei a saber que se tinham registado incidentes no Pavilhão da Luz na véspera, na sequência do jogo de hóquei em patins entre Benfica e Porto. Percebi imediatamente que o FC Porto tinha ganho o jogo. A fórmula para tal é fácil: jogo na Luz+incidentes=derrota do Benfica. Os benfiquistas não sabem perder, nem ao berlinde: não sabem os dirigen- tes, os técnicos, por vezes os atletas. E já é uma sorte quando sabem ganhar e não se comportam como o seu treinador de basquetebol a celebrar o título no Dragão de forma vergonhosa e, aliás, ainda impune.

Com a aproximação do Benfica Porto em futebol, neste domingo, é claro e evidente o avolumar de um ambiente de tensão e de provocação, a que se soma um permanente clima de levantamento de suspeitas por tudo e por nada que visa intimidar, condicionar e, em última análise, justificar as derrotas desportivas. A propósito do adiamento do jogo do Porto em Setúbal, por exemplo, a quantidade de suspeitas e desconfianças lançadas para o ar por gente que já tinha idade para ter juízo, chegou ao ponto do ridículo: foi a data marcada para o jogo que se tornou suspeita, o estado do relvado do Bonfim, as razões do árbitro para adiar o jogo e mesmo a verdade da tempestade que nessa noite desabou sobre Setúbal. Tudo lhes pareceu altamente suspeito. Para os benfiquistas — não todos, mas parte significativa e exposta deles — o próprio facto de o Benfica não ganhar sempre é altamente suspeito. Como já o escrevi, jamais os ouviremos reconhecer mérito a uma vitória do adversário, reconhecer-lhe valor ou superioridade, elogiar o que quer que seja que os adversários façam. No limite, chego a pensar por vezes que os benfiquistas não se importariam de jogar sozinhos para terem a certeza de que seriam sempre campeões.

2- Também não deve ter sido, pois, por coincidência, que recentemente, e pela vigésima quinta vez, ressuscitaram as memórias do falhado Apito Dourado para, apostando sempre na falta de memória que tanto caracteriza os portugueses, tentar fixar para a eternidade a sua doutrina: o Apito Dourado terá feito prova de um imenso esquema de corrupção da arbitragem em favor do FC Porto, que só uma estranha permissividade da justiça comum não sancionou. Esta é, por exemplo, a tese recorrente do presidente do Benfica, ainda há dias aqui retomada. Não vale a pena perder tempo a responder a quem não quer saber de factos, mas apenas de conveniências. Todavia, vou apenas relembrar ai gumas coisas a alguém que há muitos anos aprendi a ler com respeito e interesse: o jornalista desta casa Santos Neves.

A propósito do caso Pereira Cristóvão/ José Cardinal, escreveu aqui Santos Neves, há dias: «Nunca poderá cair no esquecimento aquilo que o famigerado Apito Dourado pôs a nu: a visita do árbitro a casa de presidente de clube na semana em que estava nomeado para jogo desse clube; o que milhares ou milhões ouvimos nas célebres escutas que vieram a não ter validade judicial..» Ora, sobre a visita do árbitro: a) ao longo de todo o processo, Pinto da Costa afirmou sempre que a visita do árbitro foi inesperada e o deixou incomodado. Como nunca se fez prova de que ele mentia, assumir o contrário é apenas um acto de vontade, b) o jogo em questão (Beira-Mar-FC Porto) foi disputado quase no final do campeonato quando o FC Porto tinha o título de tal forma seguro que mandou a reserva a Aveiro, pois daí a dias jogava a final de Gelsenkirchen; c) o jogo terminou com um empate e, nas crónicas sobre a arbitragem, ficou registado que o árbitro tinha cometido dois erros com influência no resultado, sendo que o primeiro deles em prejuízo do FC Porto.

Quanto às célebres escutas não validadas, recordo a Santos Neves que as escutas são um meio de prova apenas admitido em processo-crime, para determinado tipo de crimes e mediante prévio consentimento e posterior validação de um juiz. Algumas das escutas do Apito Dourado não foram validadas exactamente porque não obedeceram aos requisitos legais e outras não foram valoradas como prova porque nenhuma outra prova apa- receu que confirmasse a interpretação que delas se quis fazer e que os seus autores negaram — e acontece que raríssimos são os casos em que, em processo crime, as escutas, isoladas de qualquer outro meio de prova, servem para alguma coisa. Pode-se sempre defender outro tipo de regime jurídico, mas este é o que vigora num Estado de Direito. Quem preferir escutas sem controlo judicial e a servirem por si só para incriminar alguém, independentemente de contraditório, pode sempre defender o regresso ao regime político anterior. Não pode é defender o Estado de Direito, mas com excepções ad hominem. Não há democracias grátis.

Adiante, escreve Santos Neves ainda o seguinte: «Imperioso não se repetir a incompetência processual que levou ao absurdo arquivamento do Apito Dourado». Começo por recordar os factos: Pinto da Costa foi acusado em três processos diferentes: em dois deles, a instrução concluiu pelo arquivamento por entender que não havia elementos para o levar a julgamento; no terceiro, foi acusado e julgado no tribunal de Aveiro, tendo sido absolvido, na instância e no recurso. Suponho que seja exigir muito ir consultar a sentença que o absolveu, mas se Santos Neves o fizesse ficaria impressionado por constatar como os juízes desmontaram de alto a baixo todo o Apito Dourado, reduzindo-o a uma total leviandade ou má-fé do Ministério Público. E, nisto sim, reside a tal «incompetência processual» de que fala Santos Neves: não nos arquivamentos ou absolvição, mas sim no papel desempenhado por alguns magistrados do Ministério Público, comandados a partir de Lisboa. Alguns, mas apenas um com intervenção directa no processo: porque todos os restantes magistrados do MP ou magistrados judiciais que se ocuparam do caso — e foram para aí uns vinte — concluíram da mesma forma. Seriam todos incompetentes, como afirma Santos Neves, ou estariam todos comprados, como parece sugerir o presidente do Benfica?

A terminar, deixo três questões a Santos Neves: não lhe parece estranho que num mega-processo destinado a apurar eventuais promiscuidades entre os clubes e os árbitros, apenas tenham sido escutados e investigados os presidentes do Boavista e do FC Porto? Não lhe parece, vá lá, suspeito que a testemunha chave do MP, a D. Carolina Salgado, fosse alguém que tinha evidentes e recentes motivos de despeito e vingança contra o presidente do FC Porto, que a substituíra no cargo de primeira-dama do clube? E que essa testemunha, a quem o MP colocou sob protecção de seguranças, dois anos a fio, para sugerir que ela era tão importante que corria perigo, tenha sido apanhada nos autos a mentir várias vezes, acabando por ser processada por crime de perjúrio? E não acha rocambolesco que a sua irmã, a principal contra-testemunha da defesa, tenha estado até às duas da manhã da véspera de ir depor no tribunal de Aveiro, à conversa com o MP em Lisboa, acabando por não aparecer no tribunal e enviando em seu lugar um documento, apresentado pelo MP, no qual desdizia tudo o que dissera durante anos, nos autos?

3- Quanto ao Benfica-Porto, propriamente dito, é evidente que as circunstâncias estão todas contra um FC Porto desfalcado de James Rodriguez, desfalcado de Atsu, desfalcado ate de Iturbe, sem nenhum ponta-de-lança de reserva e com flanqueadores reduzidos ao inconsequente Kelvin e ao absolutamente inútil Silvestre Varela. Só falta mesmo que Jackson Martinez se lesione também e o ataque do FC Porto desaparece. Como é que se geriu o plantel, em termos clínicos e técnicos, com tantos negócios sul americanos e tantos empréstimos de jogadores com valor (Fucile, Souza e Walter encostados à procura de um destino!) para chegar nestas condições a um período decisivo do campeonato e da Champions é matéria de profunda reflexão, que só pode deixar alguns com as orelhas a arder.

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