1- Sem que eu saiba explicar bem porque razão, o Vitória de Guimarães sempre foi um dos meus clubes preferidos: talvez pela cidade, talvez pelas tradições do clube no futebol português, talvez pela sua apaixonada legião de fiéis. Para além disso, o Vitória Sport Clube era tradicionalmente um clube amigo do FC Porto. Mas um amigo no bom sentido: sem subserviência de um lado e sem abuso de posição dominante, do outro. Eram dois clubes com uma identidade e matriz própria que, apesar das diferentes dimensões clubísticas, sempre se respeitaram mutuamente. Tudo isso terminou há uns anos atrás, quando a direcção de então do Vitória tomou a decisão estratégica de se aliar à coligação Ministério Público/Benfica/ Comissão Disciplinar da Liga para, com os fanados e falhados pretextos do Apito Dourado, tentarem ambos, Benfica e Vitória, conquistar por baixo da mesa o lugar que o FC Porto havia ganho na Champions de pleno e brilhante direito no terreno de jogo. Arrastado pelo Benfica, seduzido por uma fácil conquista de secretaria, o Vitória colocou assim em jogo grande parte do prestígio ganho em décadas de esforço e mérito. E o apoio que o arrogante Platini, de tudo desinformado, veio dar aos dois clubes portugueses mancomunados pelo interesse e pela inveja, mais fez crer à direcção do Vitória que aquela era uma disputa destinada ao sucesso e, para mais, em nome de um louvável propósito.
Mas os sucessos rápidos e fora do campo do mérito raramente se consumam. Aconteceu que o Apito Dourado foi cilindrado nos tribunais, para extrema humilhação do Ministério Público; o FC Porto continuou a ganhar regularmente e o senhor Platini ainda teve de se submeter ao sacrifício de entregar pessoalmente uma taça da Liga Europa ao tal clube que só ganhava com batota; o Benfica continuou a marchar atrás do FC Porto, em Portugal e além fronteiras; e agora Michel Platini tem de se defender das graves acusações da France Football de que foi corrompido para atribuir o Mundial ao Catar. Quanto ao Vitória de Guimarães, passada a euforia de se julgar associado aos futuros êxitos do Benfica, com direito a duas ou três edições de uma fantochada já extinta chamada Troféu Amizade, a dita amizade em nada se traduziu de útil: teve até de descer ao inferno da 2ª Divisão, antes de regressar ao lugar que é seu e conquistar uma presença no Jamor para disputar uma final da Taça, em que, pese a uma arbitragem amiga, foi esmagado por 6-2... pelo FC Porto. Não há dúvida que, existindo Deus, uma das suas características certas é a de que não dorme em serviço.
Estranhamente, porém, o que resultou para os vitorianos dessa inútil e humilhante vassalagem ao Benfica foi um remanescente ódio ao FC Porto - que, nessa triste história, foi sempre o atacado e nunca o agressor. Se o Vitória não retirou a mais pequena vantagem, antes pelo contrário, da sua submissão ao grande clube de Lisboa (ou ao clube grande de Lisboa), a reacção foi a de se virar contra o mensageiro e não contra a mensagem. E assim, na noite de sábado passado, o FC Porto lá voltou a ser recebido em Guimarães com um ódio que, extravasando das bancadas para o campo, mais uma vez apenas conseguiu produzir o efeito contrário ao pretendido. Porque Deus continua sem dormir, o Vitória sofreu, este sábado e às mãos dos portistas, uma tareia de futebol que só não atingiu o ponto da humilhação porque naquele balneário azul também se transmitem memórias de amizades antigas. Um Vitória em clara ascensão, que vinha de uma série de jogos sem derrota e que só não tinha ganho em Alvalade na última jornada porque o árbitro fez vista grossa a um descarado penalty ao cair do pano (obviamente silenciado pela legião de sportinguistas que, ao menor pretexto, saltam em cima dos árbitros), foi literalmente cilindrado pelo FC Porto e a única oportunidade de golo de que dispôs em 90 minutos resultou de uma daquelas tremedeiras à Helton (de quem o jornal espanhol As dizia esta semana ser o único ponto vulnerável do FC Porto).
Em Guimarães, o FC Porto, mesmo sem James e sem Atsu, fez o jogo perfeito, do primeiro ao último minuto. Não foi apenas o melhor jogo do FC Porto neste campeonato - foi, apesar do seu sentido único, o melhor jogo deste campeonato. Mais do que aquilo não é possível ver por aqui. Como equipa, como futebol encadeado e pensado, jogado com imaginação e velocidade, foi topo de gama, aqui e em qualquer lugar. E com exibições individuais superlativas, como as de Mangala, Danilo, Alex Sandro, Moutinho, Martinez. Até Izmailov mostrou utilidade prometedora e até, caramba, até Varela conseguiu jogar bem e fazer aquilo que há 17 jornadas se esperava que um dia fizesse: um cruzamento que resultou em assistência para golo! E inacreditável pensar como Mangala, aproveitando a lesão de Maicon, conseguiu roubar-lhe o lugar, coisa absolutamente impensável há dois meses atrás. Fantástico como Alex Sandro consegue fazer esquecer Alvaro Pereira (só não é melhor que ele nos cruzamentos). Inacreditável como é que Jackson Martinez (de cuja compra desconfiei, não por ele, que não conhecia, mas pelo preço pago por um quase desconhecido de um desconhecido clube mexicano), consegue entrar melhor na equipa do que Falcão. Jackson é um jogador de área completo — na técnica individual, na capacidade de jogo lateral com a equipa, no poder de elevação e qualidade do jogo de cabeça, na imaginação a finalizar e na humildade que demonstra. Eu tiro o chapéu à equipa de scouting do FC Porto que conseguiu, em cinco anos anos, reunir no clube toda a frente de ataque da Selecção da Colômbia: Jackson, Falcão, James.
Depois de Guimarães, fiquei bem mais confiante e entusiasmado. Nos últimos anos, o jogo de Guimarães tem calhado quase sempre na segunda volta do campeonato e, sempre que lá ganhamos, somos campeões. Mas, apesar de tudo, desespero e sofro para que o departamento médico do Porto nos devolva rapidamente o James, igual ao que sempre foi. Porque, quanto ao Atsu, só resta ir esperando: o Gana segue em frente na CAN e com a sua ajuda, que tanta falta também nos faz.
2- Antes de enfrentar o Paços de Ferreira na meia final da Taça, a meio da semana, o Benfica fez saber do seu interesse em dois centro-campistas do Paços, em especial Vítor. E uma jogada psicológica que se vai tornando um clássico no clube que tanto amor à verdade desportiva derrama. Há dois anos atrás, no próprio dia em que recebia o Olhanense, também para um jogo da Taça, estes desportistas chegaram ao desplante de lhes comprar de manhã o melhor central dos algarvios, Jardel - cujo contrato de compra, celebrado de manhã, implicou que ele já não jogasse à noite pelo Olhanense, apesar de ter mais uns meses de contrato a cumprir com os algarvios. Desta vez, a coisa não foi tão longe — por falta de tempo ou porque era bluff. Mas o rapaz, talvez motivado para se despedir em grande do Paços ou para convencer de vez o seu eventual futuro patrão, tanto entusiasmo pôs numa disputa de bola, que recebeu o vermelho directo e assim, involuntariamente é claro, tornou as coisas mais fáceis para o grande clube de Lisboa ou clube grande de Lisboa. E claro que, fosse ele já benfiquista, como André Gomes, e o árbitro perdoar-lhe-ia, sem sequer lhe mostrar um amarelo, não uma, mas duas entradas semelhantes -como se viu no jogo de domingo, entre Benfica e Vitória de Setúbal. Não joga à Maxi Pereira quem quer, mas quem pode. Uma lição para o jovem Vítor.
Sem comentários:
Enviar um comentário