quarta-feira, junho 12, 2013

NA HORA DA VERDADE PETER NÃO FALHA (19 MARÇO 2013)

1- O Principio de Peter estabelece uma regra cristalina: todos nós temos o nosso patamar de competência, acima do qual as coisas ainda podem correr bem durante uns tempos, mas fatalmente hão-de correr mal na hora da verdade. Em Málaga, Vítor Pereira deu uma eloquente demonstração práctica da actualidade do Princípio de Peter, mostrando que não é impunemente que se salta do banco do Santa Clara, da 2ª Liga, para o de um clube que é crónico candidato ao título e passageiro habitual da Liga dos Campeões. Como escrevi quando ele foi escolhido, compreendi a escolha à luz da deserção de Villas Boas e da urgência em encontrar treinador, já com a equipa a iniciar o estágio de pré-época, no Verão de 2011. Mas não compreendi a extensão do vínculo para o ano em curso. Durante estas duas épocas, Vítor Pereira deu a quem quis ver variadíssimas demonstrações da sua insuficiente competência técnica para estar à frente de uma equipa de luxo, como é a do FC Porto. Repito que, pessoalmente, não tenho dúvidas de que se trata de uma pessoa séria, trabalhadora e bem intencionada — mas isso não chega, como não chegou ao Papa Francisco para treinar o San Lourenzo de Almagro.

Nestes dois anos, vi Vítor Pereira andar à toa, primeiro limitando-se a deixar que fosse a equipa e a categoria dos seus jogadores a carrega-lo às costas para o que contou muito a superior capacidade de Hulk de resolver jogos sozinho e o famigerado espírito do balneário portista. Foram eles que lhe deram o título do ano passado, mas não podiam dar-lhe o que ele não tem, por si mesmo: uma competência técnica que seja capaz de retirar o melhor de cada um e o melhor da equipa. Como não me canso de escrever, duvido que perceba alguma coisa de futebol um treinador que deve ser o único apreciador do jogo em todo o planeta que não entende que James Rodriguez e Cristian Atsu são infinitamente melhores do que Silvestre Varela. Mas isso é apenas um exemplo, embora extremo e elucidativo. Nestes dois anos, Vítor Pereira também se revelou incapaz de potenciar quase todos os novos jogadores que despontaram no clube, desprezando-os ou abrindo mão deles: Atsu, Iturbe, Sérgio Oliveira, Djalma, Souza, Delatorre. Agarrou-se a um núcleo duro de jogadores, que explorou até à exaustão, porque são os que lhe garantem o tal jogo de «posse de bola», triste imitação de um Barcelona, sem escola nem Messi, e que ele, à falta de melhor, resolveu apresentar como resultado do seu ano de aprendizagem. Ele acha que, enquanto tiver a bola, a equipa não corre riscos e, por isso, detesta jogadores que arriscam, que rompem com aquele colete de forças inócuo, e prefere outros que lhe dão uma falsa sensação de segurança e controlo do jogo: Defour, Fernando, Varela, Castro, ou um Lucho rebentado ou em fim de ciclo. Toda a gente saudou a refundação táctica que Vítor Pereira tinha engendrado para um FC Porto sem Hulk. Mas todos fingiram não ver que o esquema dependia de três nomes e não existia sem eles: Moutinho, como pivot de tudo; James (que ele não entende), como criador de desequilíbrios; e Jackson Martinez, como finalizador.

Em Málaga, como qualquer aprendiz de futebol sabe, a melhor, a única forma, de defender a vantagem de 1-0 era garantir pelo menos a marcação de um golo — tarefa não muito complicada, face a uma defesa sabidamente frágil. Na véspera do jogo, aliás, Vítor Pereira não se dispensou de dizer que a equipa não se iria descaracterizar nem mudar de processo de jogo. Mas, na hora da verdade, o que fez foi exactamente o contrário: borrou-se de medo e montou uma estratégia e uma equipa para defender o 1-0. Já vi este filme inúmeras vezes, posto em exibição por treinadores portugueses sem estaleca para os grandes jogos europeus. Pensam, pensam, dormem a sonhar com tácticas que surpreendam o adversário e, no momento da decisão, mudam a equipa e a sua estratégia de jogo. Invariávelmente, mudam-na para defender e, invariavelmente também, o resultado dessa mudança traduz-se num desastre. Foi o que fez Vítor Pereira em Málaga, com o resultado de ter perdido não apenas uma eliminatória totalmente ao alcance do FC Porto, de ter desperidiçado uma oportunidade caída do céu e do sorteio para seguir para os quartos da Champions, mas também caindo com tamanho estrondo e falta de classe que deixou a equipa destroçada, física, emocional e psiquicamente, como se viu este domingo no Funchal. Ao ponto de, mais do que provavelmente, ter também entregue o título nacional ao Benfica.

Quando optou por entrar em campo em Málaga com um ataque reduzido a Jackson Martinez (visto que Defour nunca foi, nem sabe ser, extremo, e Varela não conta), Vítor Pereira fez o três em um:
- transmitiu aos seus jogadores uma mensagem clara de que estava com medo do adversário e era preciso defender desde o primeiro minuto; reduziu as hipóteses de marcar um golo a factores de pura sorte do jogo;
- rebentou com Jackson Martinez (com consequências que pagaria mais tarde), ao forçá-lo a passar metade do jogo a correr, sem apoio algum, a impossíveis passes de 30 e 40 metros — única estratégia de ataque engendrada.

É certo que depois contou com as traições dc Defour e do departamento médico do FC Porto que, tal como já sucedera com James, demorou muito mais tempo do que o razoável a recuperar João Moutinho e, afinal, entregou-lho sem estar em condições. Mas a traição de Defour é uma história diferente e que um treinador avisado teria evitado. Para começar, é a própria inclusão de Defour que está em causa: trata-se de um jogador absolutamente banal, de equipa do fim da tabela. Tem a seu favor ser esforçado e generoso, mas é tecnicamente limitado, nada esclarecido e precipitado em todas as acções, seja a rematar à baliza ou a entrar ao desarme. A conjugação destas características torna-o um jogador perigoso num jogo daquela importância, para mais se já levou um amarelo e continua de cabeça quente. Sem desculpar minimamente a indesculpável atitude de Defour (três meses sem ordenado seria o mínimo que ele devia pagar ao clube pelos danos causados), é indesculpável também que Vítor Pereira não tenha lido o cuidado elementar de o retirar após o primeiro amarelo. Tanto mais que, já no ano passado contra o Apoel e também na Champions, o FC Porto vivera episódio semelhante com Fucile, que terminou com a sua expulsão, derrota no jogo e eliminação da competição. Ora, um treinador está no banco para aprender com os erros cometidos, para conhecer o temparamento dos seus jogadores e defender a equipa dos seus excessos previsíveis. Não para estar a tirar apontamentos enquanto o jogo decorre ou ficar de mãos nos bolsos, estático e silencioso, a assistir a tudo, como se, bom ou mau, nada houvesse a fazer contra o destino.

Espanta-me que Pinto da Costa - que percebe muito mais de futebol a dormir que Vítor Pereira acordado
não lhe tivesse pedido antes do jogo a equipa que ele ia fazer alinhar em Málaga. E que, se o fez, não lhe tenha logo dito: «esse onze e essa estratégia de medo estão condena-dos ao desastre. Acredite em mim, que já vi isso acontecer antes».

2- Uma única nota para o empate do FC Porto no Funchal. Quando finalmente íamos jogar onze contra onze — isto é, com o Varela no banco — Atsu vai contra a bancada em construção e sai lesionado aos 5 minutos. Depois, quando ia afastar uma bola fácil, Mangala tropeça no relvado, em estilo de chapa ondulada, e permite o golo do empate. Ou seja: o campo foi determinante no resultado. E é extraordinário que o Marítimo e o Governo Regional da Madeira, olhando para o Estádio dos Barreiros — que jamais enchia na sua dimensão anterior e que tem um campo curto, estreito e com um relvado impraticável —, em lugar de fazer obras que o tornassem aceitável para uma primeira divisão, tenham antes optado por uma despesa imensa para aumentar bancadas condenadas às moscas e que, ainda para mais, na ganância de chegarem mesmo em cima do campo, são uma ameaça à integridade física dos jogadores. Assim se percebe porque se joga mal futebol por cá e porque está a Madeira falida.

Sem comentários: