quarta-feira, junho 06, 2012

PARA A ETERNIDADE (24 MAIO 2011)

1- Agora, que vem aí o defeso (que, conforme se sabe, é a época em que só se fala do Benfica e o Benfica é o crónico campeão), eu proponho não deixar que tal aconteça pacificamente. Antes que se escrevam páginas apologéticas sobre o Troféu Guadiana ou a Taça Amizade (também conhecido como Troféu Platini), irei escrever antes sobre coisas verdadeiramente grandes e marcantes como o facto de — com ou sem a anedota de uma coisa chamada Taça Latina, oportunamente desenterrada do baú onde estão também a Taça Eslava, a Taça Escandinava ou a Taça dos Balcãs — o FC Porto ter ultrapassado o SL Benfica como o clube português de futebol que mais títulos conquistou ao longo da sua história. Alô, seis milhões, ouviram bem? Somos o maior clube português em número de títulos conquistados. Parabéns, JNPC!

Proponho-me massacrar os meus leitores as vezes que forem adequadas para que ninguém esqueça que esta época do FC Porto ficará para sempre marcada a ouro como a mais extraordinária época de um clube português, desde mil novecentos e troca o passo até aos dias de hoje. Proponho-me revisitar aqui e analisar detalhadamente aquilo que foram os passos decisivos deste ano do Dragão, os seus jogos mais importantes, os seus jogadores um por um, o seu futebol de luxo, as suas vitórias, os seus títulos. Mas, porque não caberia neste texto, por ora fico-me pelo que foi o resto desta semana que eu tinha escrito que poderia ficar para a eternidade. E ficou.


2- Começou em Dublin, e não começou como todos nós desejaríamos. A grande montra do futebol português montada em Dublin acabou por ser... uma grande oportunidade perdida. Milhões de espectadores no mundo inteiro, ainda perplexos com uma final entre duas equipas portuguesas, entre as mais de cem que disputaram a Liga Europa, esperavam para perceber o segredo dessa proeza. E o que viram foi nada ou quase nada, ao ponto de, justificadamente, se poderem perguntar «mas como é que estas duas equipas chegaram à final?». Pergunta mais do que injusta, porque nós sabemos bem o mérito que, tanto Braga como FC Porto, tiveram em marcar presença em Dublin.

Porém, na hora da verdade, na hora de mostrar ao mundo a razão dos seus méritos, Braga e Porto serviram à plateia mundial um jogo fraco de mais, com um total de quatro remates acertados na baliza, e duas oportunidades de golo para cada lado. Um jogo lento, medroso, quezilento, sem emoção nem grandes jogadas. Eu sei que. como gostam de dizer os treinadores, «as finais são para ganhar», mas, quando uma final é vista planetariamente por dezenas ou centenas de milhões de adeptos do futebol, é preciso começar por justificar porque se mereceu estar ali.

O Braga é o menos culpado: jogou o que sabe e pode. com as armas que tem e, como habitualmente, o seu jogo (para 0-0 ou 1 -0), foi chato, defensivo, sem rasgo algum - estrategicamente adequado, cenicamente feio. As culpas maiores vão para o FC Porto, que terá realizado um dos piores jogos da época, o pior de toda a Liga Europa, com bastante falta de inspiração e demasiada falta de coragem para assaltar a fortaleza defensiva do Braga, como sabe e pode. Esteve toda a primeira parte a fazer cerimónia, deixando-se contagiar pelo engodo do jogo bracarense, não se atrevendo a enfrentar uma equipa que defendeu sempre com dez atrás da linha da bola, inexistente no ataque e sem pudor algum de mostrar que assim poderia continuar eternamente. Mas o grande golo de Falcão ao terminar a primeira parte, fazia prever um segundo tempo menos cauteloso de ambos os lados e, sobretudo, um FC Porto decidido a procurar rapidamente o segundo golo e matar a história do jogo. Porém, tenho para mim que aquela inacreditável oferta de Fernando, salva por Helton, logo a abrir a segunda parte, teve o condão de deixar a equipa assustada: não com o Braga, mas consigo própria e, sobretudo, com a facilidade com que, num abrir e fechar de olhos, o perigo público que é Fernando deitasse tudo a perder.

André Vilas Boas deveria ter tido a coragem de o tirar logo de jogo (como o fez no Jamor), para sossegar a equipa. Aliás, em minha opinião, deveria tê-lo tirado da equipa há muito mais tempo, aí por Outubro ou Novembro, assim que se percebeu que dali jamais viriam melhoras e só calafrios. Mas não teve essa coragem e eu creio que esse facto foi decisivo para que o FC Porto nunca tivesse ousado, depois desse lance, ir à procura do segundo golo, em vez de acabar, como era previsível, a defender-se dos dez minutos finais de chuveirinho inconsequente do Braga — que a mais também não aspirava. No final, a vitória foi justa, graças essencialmente à jogada do golo, mas, ou foi impressão minha ou ficou a sensação que nem jogadores nem adeptos estavam com grande espírito para festejos, de tal forma a vitória e mais um título europeu conquistados tinham deixado um sabor insípido, após tão pálida exibição. Isso mostra, aliás, a grandeza deste clube: enquanto o Braga se lamentava da injustiça da derrota (vá se lá saber porque) ou do árbitro que não tinha mostrado um segundo amarelo ao Sapunaru (absolutamente injustificado, assim como o primeiro), e alguém, além do triste Coroado, viu o umbigo ou a madeixa do Falcão adiantados no golo, os adeptos do FC Porto lamentavam-se que não tivesse sido mais um jogo de mão cheia, como o foi contra o Villarreal ou o Spartak, o CSKA, etc. Quem viveu Sevilha e Geselkirchen, saiu meio frustrado de Dublin. Mas foi mais uma taça europeia conquistada, o sétimo título internacional acumulado, a sétima final internacional vencida em dez já disputadas: sozinhos, temos mais do dobro do que todos os outros clubes portugueses (Benfica e Sporting) juntos. E em Agosto lá estaremos, a disputar mais uma Supertaça Europeia, frente a Barcelona ou Manchester United. Isso é o que fica. Parabéns a todos, jogadores e equipa técnica, for a job well done, por uma competição onde muito cedo fomos apontados como o grande favorito — por mérito próprio, demonstrado em campo, passo a passo, e não por fanfarronice de quem acha que os títulos se conquistam por anúncio prévio.

Mas não foi só a pobreza do futebol exibido por ambas as equipas na Arena de Dublin que se traduziu numa oportunidade perdida para o futebol português afirmar os seus créditos. Doeu-me a alma e o orgulho pátrio ver que, no final, nos festejos da vitória, todos os jogadores estrangeiros do FC Porto tinham à sua disposição uma bandeira nacional do respectivo país, na qual se embrulhavam, e os jogadores portugueses não tinham nada! Vi bandeiras da Argentina, do Uruguai, da Colômbia, do Brasil, da Polónia, da Roménia, e até uma bandeira de Cabo Verde a embrulhar Rolando que, todavia, é internacional português. Só de Portugal não vi bandeira alguma (e vi escrito, mas não vi com os meus olhos, que o Ruben Micael tinha uma bandeira... da Madeira!). E, embora seja tristemente verdade que, tanto o FC Porto como o Braga (e o Benfica e quase todos os clubes portugueses) sejam hoje multinacionais de tendência sul americana, também existe, caramba, ainda alguns portugueses no plantel do FC Porto: Beto, Sereno, Rolando (?), Micael, Moutinho, Varela. Não percebo como é que a sempre infalível organização do FC Porto tinha à mão uma bandeira nacional para cada jogador estrangeiro da equipa, e não tinha nenhuma bandeira nacional para os jogadores portugueses! Dá que pensar!

3- No Jamor, foi uma final espectacular, num relvado seco e pesado, que muito prejudicou a velocidade de jogo do FC Porto. O Vitória teve uma semana de estágio para preparar o jogo, sem baixas, nem desgaste, nem cansaço. O FC Porto teve uma viagem a Dublin no meio da semana, uma final europeia para disputar, dois dias e duas noites de festejos, as baixas de Fucile, Otamendi e Falcão, e, mesmo assim e apesar de nova tentativa de Fernando de entregar a taça ao adversário, o resultado foi o que se viu. Mesmo num relvado lento, entregue o jogo ao contra-ataque dos portistas, à velocidade de Hulk e ao génio cada dia mais aceso de James, o FC Porto desbaratou o Vitória e o jogo bem podia ter acabado 9-3 ou 11-4.

Cheguei a ter pena do Vitória e dos seus fantásticos adeptos - um clube pelo qual tive sempre mais do que simpatia, quase militância - até ao dia em que, aliciado pela Instituição, protagonizou um dos mais feios episódios do nosso futebol, tentando entrar na Liga dos Campeões pela porta do cavalo, à custa do FC Porto e da mais rasca interpretação do que chamavam a verdade desportiva. Bem que devem ter rezado para que o Benfica afastasse o FC Porto da final do Jamor, mas não tiveram sorte nenhuma. O nosso destino é este e o castigo ainda não cessou.

Parem, escutem e olhem: talvez nunca tenha havido, no futebol português, uma equipa com a categoria desta. Nem o Benfica de 63, nem o Porto de 87 ou 2004. André Villas Boas pediu aos portistas que não se esqueçam e que não tenham a memória curta. Tem toda a razão no pedido, mas nenhuma razão para se preocupar: esta foi uma época para a eternidade. E todos o sabemos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Já tinha saudades destes textos. Caro, continue a publicá-los, por favor.

Um abraço,
AS