domingo, junho 03, 2012

MOURINHO NA HORA DA DERROTA (03 MAIO 2011)

1- Caríssimo Eduardo Barroso: a vida, às vezes, tem mesmo coisas estranhas! Quarta-feira passada, a bordo de um avião para Madrid, comecei a ler A BOLA e deparei-me com o teu texto em que a primeira metade me era dedicada e a segunda ao Marcelo Rebelo de Sousa. Li até ao fim e depois passei-o ao passageiro na coxia ao lado, que era...o Marcelo Rebelo de Sousa! Juntos, estávamos a caminho do Chamartin, para assistir ao que iria ser a desgraça de Mourinho e Pepe, correspondendo a um simpático convite do muito simpático António Nieto, do Turismo de Espanha em Lisboa, mais a Prefeitura de Madrid e o Real Madrid - um programa que meteu também um almoço de "cocido madrileno" no "Lúcio", uma visita à exposição do Ribera, no Prado, e uma ceia nocturna no jardim do hotel a seguir ao jogo, ouvindo o Marcelo dissertar sobre o PSD e a cena política e vendo passar a Sharapova e os árbitros alemães a quem José Mourinho atribuíra todas as razões do descalabro real.

Acontece que o Marcelo me ficou com o jornal e, por via disso, tenho de me referir ao teu texto de cor. Primeiro que tudo, agradeço as tuas mais do que generosas palavras, que, vindas de quem vem, de alguém que muito admiro e há muito tempo, melhor ainda me souberam. Como tu, acredito que, por maior que seja a fé, a paixão ou até a irracionalidade entre dois seres amantes de futebol e doentes do seu clube, o essencial das coisas há-de sempre prevalecer sobre tudo o resto. Indo aos factos, eu escrevi que te tinha ouvido dizer que o árbitro que, em lugar de um canto a favor do Sporting, marcou um livre a favor do Porto, deveria, por esse facto, ser internado por razões psiquiátricas. Tu vens dizer que não falaste em razões psiquiátricas, mas sim psicoló gicas, e é possível que eu, leigo, tenha confundido umas e outras - embora desconheça que pudessem existir internamentos por razões psicológicas. Mas lá que te ouvi preconizar o internamento do árbitro, isso ouvi. E foi isso que referi como exemplo da facilidade com que os sportinguistas se atiram aos árbitros sem nenhuma frieza de análise e de como eles lhes servem sempre de desculpas para os fracassos.

Este sábado, por exemplo, caí no Sporting-Portimonense quando faltavam 20 minutos para o fim e o Sporting ganhava por 2-1. Para meu grande espanto, só o Portimonense é que jogava: atacava sem parar, enquanto o Sporting defendia com dez atrás da bola e o Postiga sozinho lá na frente. O empate parecia-me iminente, mas eis que, subitamente, três decisões sucessivas do árbitro pegaram fogo ao Estádio, incendiando os ânimos e conseguindo desconcentrar o Portimonense que, mesmo com um, e depois, dois jogadores a mais, não conseguiu voltar ao jogo. Impressionaram-me os grandes planos dos adeptos do Sporting- jovens, pais, mães e avôs - todos unidos por uma fúria irracional contra o árbitro, as caras desfiguradas de ódio, gestos obscenos, gritos de uma raiva incompreensível. E, afinal, que fez o árbitro? Isto: mostrou um amarelo (que por azar era o segundo) ao André Santos, quando ele, numa das tais faltas chamadas "inteligentes", agarrou o Ivanildo, que se ia a isolar para a baliza - incontestável; mostrou o vermelho directo ao João Pereira, que, excitado pela multidão ululante e depois de não ter conseguido que o árbitro fosse numa simulação dele, o mandou para aquele sítio que se confunde com o órgão genital masculino: não era preciso ser especialista em leitura de lábios para descodificar facilmente a frase do João Pereira: "vai pró c..., pá!". E, não fosse o árbitro não ter ouvido bem, repetiu a amabilidade mais duas vezes e, claro, foi expulso. Enfim, o pobre Duarte Gomes ainda se lembrou, vejam lá, de mostrar apenas um amarelo ao Saleiro, quando ele entrou muito feio e sem bola aos pés de um adversário. E eis mais um "escândalo" de arbitragem, em Alvalade! Eis quanto bastou para que Godinho Lopes tenha vindo também declarar-se arregimentado para o combale pela "verdade desportiva'.

(A propósito: também escreveste que os benfiquistas nem protestaram com o facto de o segundo golo do Porto na Luz, no jogo da Taça, ter nascido de um off-side. Assim como quem diz "acharam que já não vale a pena”. Mas não, caro Eduardo, não foi por isso. Foi porque: primeiro, o off side, ao contrário do que escreveste, só se tomou evidente na televisão e nem sequer foi razão directa do golo, porque quando o Hulk recebeu a bola já tinha dois adversários à frente, os quais contornou; segundo, porque te esqueceste de acrescentar que a seguir o Benfica chegou ao golo num penalty imaginado pelo árbitro (o segundo consecutivo na Luz}, e que, depois ainda, o abalroamento do Jardel ao Hulk, que ia para o golo, foi transformado de penalty em simulação do Hulk; e, finalmente, porque os benfiquistas perceberam que, depois de tudo isso e da tareia de futebol que levaram, virem desculpar se com o árbitro mais pareceria coisa de sportinguistas).

De facto, o que eu não percebo, Eduardo, é que vocês, sportinguistas, em lugar de montarem um escabeche de todo o tamanho contra um árbitro que fez apenas o que tinha a fazer - como se tivessem direito a leis especiais para vos julgar - não achem antes um escândalo que a vossa equipa, depois de quinze dias de descanso, a jogar em casa contra o último e a precisar de lutar pelo terceiro lugar, estivesse, a 20 minutos do fim, a defender uma vitória tangencial, com dez jogadores atrás da linha da bola! Percebo, sim, como é tão mais fácil mandar sempre as culpas para os árbitros! Mas, sinceramente, achas que, além de vocês mesmos, alguém ainda vai nessa conversa?

2- O mesmo fez José Mourinho, no final da derrota contra o Barcelona e na linha do que vem sendo a sua estratégia de há já largos tempos para cá. Eu fui, como se sabe, um grande admirador de Mourinho, nos seus gloriosos tempos do FC Porto e no primeiro ano no Chelsea. Mas, de então para cá, fui constatando como aos poucos ele foi privilegiando sempre os resultados e os títulos sobre a qualidade do futebol das suas equipas - como muito bem notou Cruyff (aqui ridicularizado pelos patrioteiros de serviço, como se fosse um qualquer pateta a falar de futebol). Não desvalorizo, por um momento, a importância dos triunfos que obteve e, dos quais, ter conseguido ser campeão europeu com essa fraca equipa do Inter, terá sido mesmo o maior. E também acredito que ainda iremos voltar a ver o grande Mourinho do FC Porto, com a sua paixão por um futebol de ataque e aventura. Mas o facto é que, de há uns anos para cá e fosse em Inglaterra, em Itália ou agora em Espa nha, o futebol das equipas de Mourinho faz-me adormecer e invariavelmente dar o tempo por mal empregue, de tal forma tudo aquilo é táctico, aborrecido, sem chama de fulgor nem risco. E, tal como se perguntavam os adeptos do Real à saída de Chamartin, quarta-feira passada, também eu me pergunto se o maior clube do mundo, com a mais cara equipa do mundo, não tem estrita obrigação de jogar mais do que aquilo que vamos vendo? Como é que se avança para uma primeira mão de uma meia final da Champions em casa, com os três pontas-de-lança sentados no banco, substituídos por três trincos e um fora-de-série como o Kaká substituído na posição dez por um defesa central, o Pepe, cuja missão era tentar interromper o tiki-taka do Barça, se necessário com violência e correndo o risco de expulsão, como sucedeu? Mourinho entrou em campo borrado de medo do Barça e sem vergonha de o esconder. Por isso, Cristiano Ronaldo desesperava em campo e confessava no final que não gosta de jogar assim. Por isso, o Real teve 28% de posse de bola contra 72% do Barça (!). Por isso, Mourinho se descaiu no final, dizendo que, não fora a expulsão de Pepe e poderiam ter jogado três horas, que o resultado não passaria de 0-0 (pelos vistos, o seu grande objectivo!).

Como se tornou evidente aos olhos de todos, Mourinho não perdeu por causa do poder do Barcelona, da UN1CEF ou da UEFA ou por causa do árbitro: estava na cara, que, com dez ou com onze, mais cedo ou mais tarde, quando Leonel Messi quisesse, o Real ia perder. Perdeu porque levou uma lição de futebol da melhor equipa do mundo e do melhor jogador do mundo de todos os tempos. A derrota nem seria de espantar: o que espantou foi a atitude de auto-humilhação, de falta de respeito pelo púbico e pelo nome do Real. A verdade é que não sei como é que este Real Madrid de José Mourinho conseguiu ir tão longe na Champions. Conheço várias equipas bem melhores por essa Europa fora - a começar por uma, chamada FC Porto, frente à qual este Real não tinha hipótese alguma, nem que jogasse com cinco trincos! Resta a Mourinho fazer o mesmo o que o FC Porto fez há quinze dias para a Taça de Portugal: virar um 0-2 caseiro num 3-1 fora de casa.

3- Também, como já escrevi, esgotaram-se os adjectivos para qualificar esta fulgurante equipa do FC Porto e esta temporada para sempre inesquecível. As vitórias e os títulos já conquistados justificam-se por uma equipa de vários talentos confirmados e outros a despontarem e um treinador que tem a imensa virtude de não complicar, não se pôr em bicos de pés, não se imaginar superior a tudo e todos. Mas as recordes sucessivamente derrubados, a sede insaciável de vitórias, golos e espectáculo, isso é o carácter de um conjunto de jogadores que são profissionais como já não se vê, que não encostam a defender resultados tangenciais a 20 minutos do fim, que não se lamentam da sobrecarga de jogos nem dos penaltis que os árbitros inventam contra eles (mais um em Setúbal!), que não se acomodam, não se saciam, não deixam nunca de acreditar.

Assim foi outra vez contra o Vilarreal, quando virar o jogo de 0-1 para 2-1 e 3-1 não foi suficiente para eles se acomodarem: continuaram a cavalgada até ao 5-1 final e alé sentirem a eliminatória resolvida. Eis o que jamais conseguiriam os que só vivem a queixar-se dos árbitros.

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