sábado, junho 02, 2012

O ANO DO DRAGÃO (26 ABRIL 2011)

1- Há umas semanas atrás, escrevia aqui que o FC Porto tinha acabado de entrar num ciclo infernal de seis jogos em dezoito dias, inaugurado com a memorável vitória que selou a conquista do título em pleno Estádio da Luz. E dizia que, se bem que muito o desejasse, não achava possível completar de forma totalmente vitoriosa todo esse ciclo e vencer as três coisas pelas quais a equipa ainda se batia (e bate): terminar o campeonato in- victo, conseguir vencer a Taça, invertendo uma meia-final já praticamente perdida, e vencer a Liga Europa. Mas o facto é que, saído da noite de euforia da Luz, o FC Porto venceria todos os restantes cinco jogos e todos de forma categórica, juntando às seis vitórias em dezoito dias um total de 21 golos marcados - média de 3,5 por jogo. Depois da Luz, recebemos e limpámos o Spartak de Moscovo com um concludente 5-1, num jogo em que se arriscou e jogou ao mais alto nível; daí, demos um saltinho a Portimão para vencer com categoria por 3-2; novo saltinho a Moscovo e, apesar do sintético, mais uma tareia nos russos por 5-2; seguiu-se, com 48 horas de descanso depois de uma longa viagem, uma concludente vitória sobre um repousado Sporting, que só pecou por ter tido um resultado enganador: não foi jogo de 3-2, mas de 4-1; mais três dias decorridos e a fantástica virada da meia-final da Taça, na Luz, contra um Benfica que apesar de ter andado também a descansar jogadores, foi completamente impotente perante a determinação do dragão.

Ainda não chegámos ao fim, mas esta já é uma das melhores, senão a melhor época de sempre do FC Porto. Parabéns a André Villas Boas, parabéns a um extraordinário conjunto de jogadores, profissionais como raramente tenho visto. Agora, já não digo nada: tudo é possível.

2- Das quatro vitórias, todas elas determinantes, que o FC Porto obteve esta época sobre o Benfica, a de quarta-feira passada foi para mim a mais consistentee aquela em que o conjunto portista melhor exibiu a sua superioridade sobre o rival. Mesmo depois de o Benfica ter reduzido para 1-3 e teoricamente ter reentrado na luta pela eliminatória, só deu Porto até final e as únicas oportunidades de golo voltaram a ser do Porto. A cavalgada do FC Porto na segunda parte, as ondas sucessivas de ataques organizados e variados (jamais em chuveirinho ou ao acaso) deixaram uma estarrecida assistência benfiquista perplexa por perceber que o incrível ia mesmo acontecer. E aconteceu; foi o terceiro título roubado este ano ao Benfica. E, não fosse o impensável frango do Kieszek, no Dragão, num jogo que estava controlado e à beira do fim, e o FC Porto teria acabado a disputar e, quem sabe, também a roubar a Taça da Liga ao Benfica...

3- No Benfica, faltaram os dois alas habituais, Gaitán e Sálvio; no FC Porto, dois médios construtivos, Belluschi e Guarín. Seria de prever que o Benfica tivesse dificuldadcs atacantes pelos extremos (como teve), e que o FC Porto perdesse a luta do meio-campo, o que não sucedeu. E não sucedeu, porque neste jogo emergiu um João Moutinho novo, surpreendente, uma espécie de cometa em movimento constante. Para dizer a verdade, fiquei um pouco surpreendido (sobretudo, com o remate certeiro para o primeiro golo), mas não totalmente surpreendido. É que, de há uns tempos para cá, e especialmente vendo-o jogar ao vivo, eu fui mudando a opinião que dele tinha e que, como se sabe, estava longe de ser positiva - sobretudo, tendo como comparação o futebol de Raul Meireles, a quem ele veio substituir. Estava-me a guardar para um texto que tenciono escrever no final da época, com apreciação individual de todo plantel portista, mas, sob pena de pa- recer desonestamente teimoso, os factos forçam-me a antecipar o que irei escrever sobre João Moutinho. Continuo a achar que, excepção feita a este jogo da Luz, Moutinho aparece regularmente como um jogador muito pouco decisivo no futebol da equipa: não marca golos, não assiste para golos, não é jogador de virar jogos ou comandar vitórias. Mas quando o espaço em que ele actua à nossa vista se alarga para além do ecrã de televisão, surge um Moutinho até aí invisível e que tem o dom de adivinhar sempre por onde passa o jogo e estar sempre no local certo, funcionando como pivot de toda a gente: se alguém está apertado e tem de atrasar, está lá Moutinho para ajudar; se alguém não tem linha de passe, está lá Moutinho para receber. Não é ele, de facto, que faz os passes de ruptura, mas é ele que faz a maioria dos passes de costura. Escapa-me o conhecimento técnico para saber se um jogador assim é essencial numa equipa que joga quase sempre para a frente, em progressão e ataque. Mas no futebol catalão de Vilas Boas talvez seja: os resultados falam por si e, assim sendo, tenho o maior prazer em meter a viola ao saco e espero não ter de a tirar de lá outra vez.

4 - Por falar em João Moutinho e lembrando o seu clube de origem: mais de uma semana passada sobre a derrota no Dragão e os sportinguistas ainda não deixaram de carpir mágoas sobre a arbitragem que tanto contestam e que vêem como causa única da derrota embora nem um só deles se tenha atrevido a dizer, todavia, que, em jogo jogado, mere- ceram perder. Mas parece que isso — jogar bem, atacar mais, ter mais oportunidades e merecer ganhar - é apenas um detalhe dos jogos. Já nem é tanto o suposto penalty que os teria salvo de uma derrota mais do que justa — e que, para eles e de acordo com a sua doutrina de sempre, já é facto adquirido, pois que assim o determinaram - é ainda o lance do livre assinalado por Soares Dias sobre Helton que eles continuam a discutir acaloradamente, como se aí, num simples canto transformado em livre, se contivesse a chave de todos os segredos do Universo, incluindo os incríveis 35 pontos (!) que levam de distância do FC Porto. Houve quem, à conta disso, ameaçasse o árbitro com um processo-crime (!) e, supõe-se, estivesse disposto a dar-lhe pena de prisão efectiva.

O médico Eduardo Barroso declarou estar-se perante um caso de psiquiatria e recomendou o internamento do árbitro numa unidade de cuidados psiquiátricos. E o meu colega de escrita aqui, Ernesto Ferreira da Silva, conseguiu ver naquele lance uma «jogada de perigo» iminente, cortada pelo árbitro, quando o Helton largou a bola « sobre a linha de golo ». E o país inteiro que julgava ter visto na televisão, repetidamente, que o Helton largara a bola, não sobre linha de golo, mas sobre a linha de fundo e para lá dela pelo que a jogada de perigo se resumia a um canto não assinalado, como tantos outros que em tantos outros jogos o não são!

Não sei porquê, dá-me a impressão que a nova equipa governativa do Sporting, passada a euforia e o orgulho da vitória eleitoral, ainda não teve mais nenhum outro dia feliz, um dia que não fosse de preocupaçôes e apreensões - e que este nervosismo já é reflexo disso. Suspeito que, tal como o país, também a situação financeira deles é pior do que julgavam, que provavelmente já terão tido que avançar com dinheiro próprio para acorrer a alguma emergência, e que o FMI deles também não estará disposto a continuar a financie-los a fundo perdido. Facto é que, da nova equipa anunciada para disputar o primeiro lugar, de igual para igual, no ano que vem, ainda não se viu nem fumo nem fogo - excepto o de há muito anunciado bracarense Rodriguez, e se, entretanto, não lhe aparecer melhor.

O problema, como sempre, é que nada disto se resolve por artes mágicas, do pé para a mão. A situação do Sporting é muito mais grave e mais funda do que aquilo que possa ser voluntaristicamente resolvido por um bom treinador e três ou quatro reforços de qualidade. Veja-se que não é só no futebol sénior que o Sporting está fora da corrida. Também o está nos juniores e também o está em todas as outras principais modalidades profissionais — andebol, hóquei em patins e basquete - onde a luta pelo título é, em todas elas, entre FC Porto e Benfica. Porque será ?

5 - O Benfica-Braga desta quinta-feira vai ser arbitrado por um árbitro internacional; os adeptos do Braga não serão recebidos à pedrada e podem levar bandeiras e símbolos do respectivo clube; e a luz não será apagada enquanto houver gente em campo. Viva a Liga Europa!

Quanto ao FC Porto, a melhor equipa da Europa na actualidade, o jogo de quinta-feira é a primeira das sete finais que nos restam e onde perseguimos o sonho inimaginável de ganhar todas.

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