sexta-feira, junho 17, 2011

MAGALIESBURG (08 JUNHO 2010)

1- Por estranho que pareça, nem o Público nem o Diário de Noticias de ontem referiam o nome do local de estágio onde a Selecção Nacional tinha acabado de chegar na véspera: Magaliesburg. Mas daqui até dia 25, pelo menos, o nome vai-nos entrar nos ouvidos dezenas de vezes ao dia, porque é lá que estarão concentradas também todas as nossas esperanças.

E, antes de mais, um esclarecimento pessoal: num daqueles inquéritos sumaríssimos de que os jornais gostam, o Expresso perguntou-me há dias quem achava eu que iria ser a grande decepção na África do Sul. Respondi com duas palavras apenas: «a própria». Parece-me a mim que a resposta, para qualquer pessoa, só poderia querer dizer a própria selecção sul africana, a anfitriã. E, tendo ainda por cima, a resposta sido dada por escrito, por mail, não consigo entender como é que a minha resposta que apareceu publicada tenha sido «Portugal». Dizem-me tristes experiências anteriores que, anos a fio, eu irei ter de penar por esta coisa que não disse - sobretudo se, como é expectável e desejável, nós não venhamos a ser, obviamente, a grande decepção deste Mundial. Infelizmente, a mentira faz sempre um caminho mais longo e durável do que a verdade que se pretende repor. Ainda hoje, passados quatro anos, eu enfrento um ódio sem fim nos blogues da net por uma suposta frase sobre os professores que nunca disse ou escrevi e a qual já desmenti uma dezena de vezes, em vários lados. Para que conste, então, e apenas para aqueles que se preocupam com esse "pormenor" de distinguir a mentira da verdade: eu não penso isso e não disse isso, sobre a nossa Selecção.

2- Em matéria de expectativas, alias, confesso que não consigo ter nenhumas firmes. Dizia há dias o David Borges que a nossa Selecção é capaz de ganhar a qualquer outra. Bem, eu não direi tanto; acho que só uma vez em dez poderíamos ganhar ao Brasil, à Argentina, à Espanha. Mas é verdade que, num dia de inspiração, podemos ganhar quase a qualquer uma e, uma vez em dez, como disse, também àquelas três.

O problema está em que também acho que, num dia de desispiração, poderemos perder quase com qualquer uma. Aquilo que me causa mais apreensão no nosso jogo é que ele nunca é previsível, nunca sabemos se a Selecção está em dia sim ou em dia não. Falta-lhe uma continuidade exibicional e nao só de jogo para jogo, mas também ao longo de um mesmo jogo. Nunca sabemos se o Cristiano Ronaldo vai soltar o génio ou andar por ali, semi perdido: se o Deco vai abrir linhas de passe que são como riscos do Niemayer (como fez contra a Costa do Marfim), ou se vai parecer um jogador banal, que até os cantos executa mal (como fez contra Cabo Verde). Todos sabemos o que vale a Selecção, jogador por jogador, e ali não há maus Jogadores. O trabalho de Carlos Queiroz, a responsabilidade que é só sua, é justamente pegar neles todos e fazer uma equipa e dar a essa equipa uma identidade e uma continuidade de jogo, que tantas vezes se duvida que exista. Quando a bola começar a rolar a sério, no dia 15, já poderemos tirar uma primeira conclusão e saber se a Covilhã e Magaliesburg foi ou não tempo perdido.

3- A boa e terrível noticia é a lesão de Drogba. Se o «novo produto» de que fala o seu médico, não conseguir o improvável milagre de o pôr apto para nos enfrentar dia 15, pode-se dizer que os deuses começaram connosco este Mundial. E não vale a pena soltar aquelas frases de circunstância de que um jogador não faz a diferença e que, mesmo sem ele, a Costa do Marfim continua a ser uma equipa ameaçadora. Não é verdade e até fica mal disfarça-lo: o Drogba faz muito mais falta à Costa do Marfim do que o Ronaldo nos faz a nós. Basta pensar que foram os golos do Drogba que qualificaram os marfinenses, enquanto que nós nos classificámos sem um único golo da nossa maior estrela.

Entretanto, a lesão do melhor marcador do campeonato inglês, a juntar a várias e recentes outras de jogadores já seleccionados para o Mundial (a ultima foi o Pirlo), confirma a ideia que aqui deixei a semana passada: que esta altura, o prolongamento da época, é má para realizar os Mundiais e Europeus. Não apenas pelas lesões, mas pelo cansaço que vai ser evidente em tantas vedetas de que tanto se espera.

4- E por falar em vedetas e em Cristiano Ronaldo, a sua visita às crianças com cancro do IPO, a maneira como as tratou, como falou com elas, foi um momento lindo - dele e da Selecção. Com tanta operação de marketing que a sua equipa de imagem faz à roda dele, tantas dezenas de supostas ou reais namoradas que lhe atribuem ciclicamente, as Paris Hilton e essa treta toda, a imagem do Ronaldo, em minha opinião, não sai favorecida, mas antes pelo contrário: parece a de alguém que, fora dos relvados, só se preocupa com festas, loiras, Ferraris e íates. Mas a sua simples visita ao IPO e a forma como se comportou devolveram-no à condição humana e mostraram outro lado, bem melhor, de um rapaz predestinado e privilegiado. Nem ele sabe o quanto saiu a ganhar com isso!

Ao invés, a inacreditável viagem de promoção publicitária do autocarro da Selecção entre o hotel e o Aeroporto de Lisboa foi um daqueles fretes que não se imaginariam possíveis naquela que, para todos os efeitos, é uma representação nacional. Se querem que a gente sinta a Selecção como um bocado da Pátria, não a ponham a fazer fretes comerciais a favor da Galp ou do Continente! O dinheiro não é tudo, Dr. Madail!

5- Confesso que também não tenho opinião formada (e quem poderá tê-la?) sobre a aposta de altíssimo risco que Pinto da Costa assumiu para novo treinador do Porto. Não é a juventude dele, propriamente, que me preocupa, é antes a falta de experiência de campo e de comando de homens. Em contrapartida, só pode, e já o provou, ter experiência e conhecimento abundante da observação dos adversários e do uso da estatística - dois instrumentos hoje fundamentais na preparação dos jogos. Quanto à idade, não acho que seja necessariamente um factor negativo: o que não faltam por ai é treinadores com 60 anos que não há maneira de aprenderam nada...

A juventude de Villas Boas encaixa até bem na necessidade por todos os portistas sentida de mudar de ciclo. Como já aqui o escrevi (mas os nossos adversários recusam-se a entender), foi isso, e não a ingratidão ou um "castigo", que levou ao final do ciclo Jesualdo Ferreira, um ano antes do previsto. Mas, como também escreveu aqui Vítor Serpa, e eu subscrevo, esta é, de facto, a aposta mais pessoal e mais arriscada de Pinto da Costa. Se ela falhar, a responsabilidade, não primeira, mas sim única, será dele e não de Villas Boas. E isso dá-me esperança que Pinto da Costa, fazendo, como convém aos tempos e à situação financeira do clube, poucas mas criteriosas aquisições, lhe dê, realmente, uma equipa ganhadora. Jogadores, a começar pelo meio-campo ofensivo,que entrem de caras na equipa, em lugar de virem fazer número, ganhar experiência ou rodar noutras paragens. Enfim, que ele dê a Villas Boas armas iguais para se bater com o Benfica, que este ano não tivemos.

Ah, e há mais um factor de optimismo: é que, não sabendo embora o que vale Villas Boas, constatei que o Ricardo Araújo Pereira lhe dedicou uma crónica inteira, cujo objectivo principal era garantir-nos que ele não é o novo Mourinho – isso, como se sabe e garantiram vários benfiquistas, é o Jorge Jesus (a propósito: alguém, por acaso, acreditou naquela noticia de que Pinto da Costa terá tentado contratar Jesus, em Maio passado? Eu cá fartei-me de rir...). Pois bem: se o RAP se dá ao trabalho de dedicar uma crónica inteira ao novo treinador do FC Porto, esquecendo por uma vez a reminiscência das minhas obras completas e as do Rui Moreira, é porque eles estão preocupados com a nossa escolha. E isso é óptimo sinal.

Sem comentários: