quarta-feira, junho 22, 2011

ESTA NOITE, A VERDADE (29 JUNHO 2010)

1- Logo à noite se saberá se Queiroz fez bem ou mal em ter entrado em campo contra o Brasil para jogar indisfarçadamente para o empate. Ao renunciar a tentar vencer o Brasil e o grupo, Queiroz sabia que as probabilidades de apanhar a Espanha, em vez do Chile, eram muitas. E não se tratava apenas de escolher o Chile em vez da Espanha, escolher a campeã da Europa em vez da equipa macia e acessível que se viu ontem ser tranquilamente passada pelo Brasil. Bastava a Queiroz ter olhado para o esquema do Mundial para perceber que, ficando em segundo lugar, ia parar à metade mais difícil do organigrama. Do que não tenho dúvidas é que ele escolheu deliberadamente, como já o havia feito no jogo inaugural, jogar pelo seguro, correndo um mínimo de riscos no imediato. Por isso, optou por desmontar a equipa que tão bem havia funcionado contra a Coreia do Norte, optou por jogar com seis defesas (embora dois disfarçados de médios); optou por jogar sem ponta-de-lança de raiz, deixando Cristiano Ronaldo isolado em território comanche uma hora a fio, com isso prescindindo também de o ter como lançador do futebol ofensivo da equipe. Parece-me que Queiroz estudou mal e temeu demais este Brasil de Dunga — que é uma equipa que parece cansada, jogando a passo, longe, pelo menos por enquanto, da fantasia que seria de esperar. E que, sem Robinho, Kaká e Elano, estava ao alcance do Portugal que jogou contra a Coreia. Mas, como disse, logo à noite se verá o resultado da sua opção: ao optar por não correr riscos contra o Brasil, ele vai ter o risco por inteiro contra a Espanha. Depois de ter evitado a hora da verdade contra a Costa do Marfim e contra o Brasil, não há agora fuga possível contra a Espanha. Oxalá a inspiração dos jogadores dê a isto uma continuação feliz.

2- Foi em 2008 que Manches-ter United e Chelsea se encontraram em Moscovo, na final da liga dos Campeões. Tudo começou com um grande golo de cabeça de Cristiano Ronaldo, mas o Chelsea empatou e o jogo seguiu para prolongamento epenalties. E, quando Ronaldo falhou o dele, o Chelsea ficou perante a oportunidade pela qual Roman Abramovich espetou já próximo de mil milhões no Chelsea: ser campeão europeu. Bastava-lhe converter um penalty, e Avram Grant iria conseguir o que Mourinho não conseguiu no Chelsea. Quando, porém, vi que o penalty decisivo estava a cargo de Anelka, saltei na cadeira (eu odeio o Manchester United), ao realizar o tremendo erro que Grant ia cometer. Porque Nicolas Anelka, para mim, é o símbolo do mercenário no futebol: é um jogador que só joga quando lhe apetece, só corre quando está para aí virado, que já passou por variadíssimos clubes, dos melhores do mundo, pago milionariamente, e sempre se achou superior a todos os clubes onde está. Nesse fim de tarde, em Moscovo, ele avançou para bola displicentemente, chutou displicentemente, permitindo uma defesa fácil a Van ser Sar, e virou as costas, indiferente, sem sequer esboçar um gesto de contrariedade. E o Manchester ganhou o desempate nos penalties e a Cham-pions, como estarão lembrados.
Não percebo, pois, que um seleccionador da França assuma o risco de levar Anelka a um Mundial. O risco de levar a um Mundial um jogador que não vive a camisola e que está em campo por desfastio e por dinheiro, nada mais. Domenech correu esse risco e o resultado foi ser insultado na cabina por Anelka, e ainda ter de levar com um levantamento dos jogadores em solidariedade com o companheiro, expulso da Selecção como só podia ser, e acabar, o próprio Domenech, a ler o comunicado da revolta dos jogadores! A FIFA — que, como disse Khadafi e com alguma razão, tem qualquer coisa de organização mafiosa — quer agora que o governo francês não se meta no assunto da vergonha pública que foi a representação francesa neste Mundial. Parece que a FIFA acha que o poder político não deve interferir nos poderes das Federações Nacionais nem no futebol — excepto quando é a própria FIFA a reclamar a intervenção do poder político ou até a fazer negociatas obscuras com ele quando isso lhe convém. Mas é uma pretensão condenada ao fracasso; casos como o de Anelka, numa selecção francesa cujo onze principal chegou a jogar apenas com dois franceses de origem, não podem escapar a um debate político que já está lançado. E, mesmo que esse debate não tenha de resvalar para as posições xenófobas da FN de Le Pen, nem os franceses, nem qualquer outro povo, confrontado com a prestação a vários níveis vergonhosa da sua selecção, poderá deixar de meditar se vale a pena mandar a um Mundial uma Selecção formada por grandes jogadores mas que não sentem o orgulho e a responsabilidade de representar o seu país e estão lá, sobretudo, para se mostrarem e sacarem contratos. Eu, no lugar do director desportivo da selecção francesa, em vez de me demitir e ir embora, tinha esperado pela eliminação da equipa e tinha-os despedido a todos, ali mesmo. Dizia-lhes, logo no fim do jogo: Estão dispensados e despedidos. Acabou-se o hotel pago e não há avião reservado a vossa espera. Voltem para casa como quiserem. De qualquer modo, Laurent Blanc vai ter que recomeçar tudo a partir do nada. E ainda bem que a França foi para casa. E a Itália. E a Inglaterra. Um futebolzeco, cheio de vedetas, cheio de nada.

3- Não consigo perceber como é que, tendo chegado à terceira jornada da fase de grupos, os comentadores das televisões e, em especial da Sport TV, não tinham feito o trabalho de casa mais básico e não conseguiam dizer, face aos resultados de dois jogos que iam decorrendo simultaneamente, quais as equipas que se apuravam e, pior ainda, que revelassem ignorância sobre os próprios critérios de desempate. Ao minuto 6 dos descontos de um jogo, ainda Carlos Manuel e o relator da Sport TV discutiam entre si quais as equipas que passariam com aquele resultado e o da outra partida!
De Carlos Manuel, aliás, notável jogador no seu tempo, retive alguns comentários feitos durante o Argentina-Grécia e o Argentina-México, que mostram a profundidade do seu pensamento, como comentador: «[Na fase de grupos] todos os jogos são importantes. Não é o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro: são todos»; « Uma equipa tanto pode apurar-se ganhando o primeiro jogo, como perdendo ou...ou...empatando»; «É de esperar um golo da Argentina. O que não dizer que a Grécia não possa marcar: o futebol é isto»; «É importante dizer que um Mundial tem a muito a ver com a qualidade dos jogadores»; «Muito por culpa do seu líder [Maradona], os jogadores da Argentina têm qualidade»; «A velocidade do pensamento dele é notável, sabendo de antemão que ia meter a bola ali [sobre um petardo de Tevez ao canto da baliza do México]»; «Continuo a dizer que nós nunca podemos dizer que uma substituição é mal feita. Ela pode é não correr bem».

4- Quando tudo isto acabar, quando o Mundial fechar as portas, vamos voltar ao ram-ram habitual. Vamos saber se o Benfica conseguiu vender um Di Maria apaga-díssimo no Mundial, não, claro, pelos 40 milhões da cláusula de rescisão, como prometeu L.F. Viera, mas por 20, que já não seria nada mau. E se, em contrapartida, não acaba sem o Fábio Coentrão, vendido muito mais cedo e mais barato do que desejavam, face à fantástica campanha que vem fazendo na África do Sul. Vamos ver se o Sporting descobre mais oportunidades para contratar alguns sportinguistas desde pequeninos que por aí têm andado tresmalhados, como o Maniche. E vamos ver se o FC Porto, que agora parece ter desviado as atenções da Argentina para o Rio Grande do Sul, consegue, mais uma vez, juntar dez aquisições, sem conseguir vender um só dos jogadores que não lhe interessa manter (caramba, nem há quem dê um milhão de euros pelo Farias? Porque não tentam o Sporting?).
Mas antes de regressarmos à conversa habitual, lá vamos enchendo a barriga com este festim de futebol do Mundial, agora a chegar à hora da verdade — onde se faz a separação entre os verdadeiros candidatos e os que são só prosápia.

5- Vale a pena reter as palavras de Nuno Espírito Santo, guarda-redes que acaba de deixar o FC Porto: «O FC Porto é muito mais do que um grande clube, é uma escola de valores, como a lealdade, fidelidade, dignidade, honestidade e dedicação, que faz de todos os que passamos por esta casa melhores pessoas. Sinto-me honrado e orgulhoso por pertencer à bela história do FC Porto. Sou e serei Porto». Muitos outros ex-portistas — em especial os vindos do Benfica ou Sporting — disseram o mesmo quando por lá passaram. E é por causa deste espírito e desta atitude que nós ganhamos tantas vezes, enquanto os outros só ganham na inveja, na calúnia e na maledicência.

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