A esta Selecção falta, de facto, um defesa-esquerdo e um sucessor para Pauleta, no eixo do ataque. À parte isso, é capaz de ser a melhor Selecção portuguesa de todos os tempos.
1- Há três anos que ando a desbaratar elogios a Ricardo Quaresma e a defendê-lo de todos os cépticos ou cegos. Defendi-o em 2005, o ano horrível do FC Porto, quando ele sozinho carregou às costas uma equipa sem tom nem som. Defendi-o no início de 2006, quando o visionário Co Adriaanse resolveu que ele servia era para suplente — ou porque era cigano, ou porque não gostava do penteado dele ou porque, como dizia a generalidade dos críticos, o Quaresma «não defendia». E defendi-o no Verão passado, quando já só um vesgo ou um teimoso é que não reconhecia a excelência do futebol subversivo de Quaresma, e Scolari resolveu, mesmo assim, deixá-lo de fora do Mundial, privando-o de uma experiência que, mais do que tinha justificado e merecido, privou milhões de amantes de futebol no mundo inteiro de tomarem conhecimento da sua existência.
Mas Ricardo Quaresma gosta demasiadamente de jogar futebol para se deixar abater ou ficar cativo da apreciação alheia. Contra tudo e contra todos, até contra a pancada que recebe em doses acrescidas e até contra os castigos que depois é ele que recebe e não os agressores, Ricardo Quaresma continua a ter um imenso prazer em jogar futebol e em cumular-nos de prazer ao vê-lo jogar. Estou inteiramente de acordo com a opinião que João Bonzinho ontem aqui expôs: Cristiano Ronaldo é bem capaz de ser o melhor jogador do mundo, neste momento, mas Quaresma é mais «selvagem», mais «puro» enquanto génio. Cristiano é um jogador completo, arrebatador, demolidor; Quaresma é um mágico, um daqueles jogadores capazes ainda de inventar novos truques com uma bola, de fazerem o impensável de, na subtileza de um simples toque, mudarem o vento do jogo.
Assim, o fantástico golo de Quaresma contra a Bélgica não me surpreendeu. Aliás, já esta época arcou um assim ao Benfica e não marcou outro ao Chelsea porque a bola morreu na tinta da barra de um petrificado Petr Cech. A mim só me surpreende que alguém ainda se surpreenda, e, para a surpresa ser total, só falta que venham dizer que foi o Scolari quem descobriu o génio do Quaresma e o soube pôr ao serviço da Selecção.
2- A esta Selecção falta, de facto, um defesa-esquerdo e um sucessor para Pauleta, no eixo do ataque.
Àparte isso, é capaz de ser a melhor Selecção portuguesa de todos os tempos. Só por incrível acidente é que não chegará à fase final do Europeu. Mas devia jogar sempre em Alvalade: há qualquer coisa ali que os inspira.
3- À moda do Trio D'Ataque, eis a equipa do FC Porto que eu faria entrar de início no relvado da Luz:
Vitor Baía; Fucile, Pepe, Bruno Alves e Marek Cech; Vieirinha, Bosingwa, Paulo Assunção e Raul Meireles; Adriano e Quaresma.
Parto do princípio de que o Lizandro não recupera e que o Anderson só poderá ser utilizado com riscos.
Eu preferia não arriscar, preferia o Anderson para o que resta de campeonato, do que tê-lo na Luz a meio-gás e, depois, perdê-lo até final. Aliás, não tivesse sido a derrota com o Sporting, se o Porto tem chegado à Luz com quatro pontos de avanço, eu também dispensaria o Quaresma: é que tenho um mau pressentimento que ele não vai acabar o jogo.
Mas, seja qual for a equipa que Jesualdo Ferreira venha a escolher, eu deixo aqui uma previsão arriscada: em circunstâncias normais (isto é, sem casos de arbitragem ou jogadores enviados para o estaleiro), o FC Porto é o meu favorito à vitória. Porquê? Porque é nestas alturas que o FC Porto costuma transcender-se e mostrar porque é que que ganha mais vezes que os outros. Porque, quando já nada mais resta do que ir à luta em campo e vencer, o espírito de todas as equipas formadas ao longo dos últimos anos naquela casa é o de vencedores.
Não quero com isto dizer que não tenho respeito ou que não temo a actual equipa do Benfica. Muito pelo contrário, o Benfica em dia sim é uma equipa temível. Mas tanto é capaz do melhor como do pior, e ao longo do mesmo jogo. Mas uma equipa de campeões demora anos a forjar e passa por uma quantidade de factores que não se limitam à vontade de ganhar. É isso que muita gente insiste em não querer ver.
4- Li atentamente a entrevista que o dr. Ricardo Costa, presidente da Comissão Disciplinar da Liga,deu ontem a este jornal — como já antes havia lido com igual atenção as suas intervenções anteriores.
Li e não fiquei convencido. Respeito muito a sua vontade de fazer bem, a sua qualificação juridica, o seu esforço pelo futebol. E, obviamente, não está, nem nunca esteve, em causa a sua honestidade ou a dos demais elementos da CD — ao contrário, do que ele sustenta, quando se atira aos comentadores clubísticos. Parece que, infelizmente, também é preciso começar por recordar que, na sociedade democrática em que vivemos, existe uma coisa que se chama direito de opinião, direito de crítica, direito de discordar. Ao contrário do que ele sugere, não existem, de um lado os bons, honestos, sérios e isentos, que são os membros da CD; e, do outro lado, os mal-intencionados, facciosos e,eventualmente, desonestos, que são quem os critica.
Eu, por exemplo, de facto, não sou isento clubisticamente. Só que nunca o escondi, antes o afirmei, e é na qualidade de adepto, e apenas nessa, que aqui exponho as minhas opiniões. Mas também devo dizer que não acredito que os membros da CD da Liga sejam todos isentos clubisticamente. Nem acredito nem o exijo: basta-me que sejam isentos a decidir.
Aqui há semanas, e reflectindo sobre a aparente disparidade de tratamento disciplinar dado aos casos de Nuno Gomes e de Ricardo Quaresma, escrevi aqui um texto, que bastante sereno e isento me pareceu, em que explicava as razões pelas quais não compreendia ou rejeitava alguns dos critérios adoptados e porque é que, a meu ver, eles podiam facilmente conduzir a decisões comparativamente injustas e incompreensíveis. Devo dizer, imodestamente, que achei que as minhas razões poderiam pelo menos suscitar alguma discussão, igualmente séria e serena, em que quem pode e manda tentasse perceber as razões de quem não manda mas pode discordar ou ter dúvidas. O que não esperava, sinceramente, é que quem pode e manda descartasse tudo à conta da ignorância ou do facciosismo clubístico.
Registadas mais uma vez as explicações do dr. Ricardo Costa, eu continuo na minha, nas minhas razões e nas minhas dúvidas, que, de forma alguma, vi esclarecidas. E, acima de tudo, o que me faz confusão é que, na esteira deste mundo de juristas em que vivemos (e eu também o sou, embora salutarmente retirado), se continue a confundir legalidade com justiça. Há muitas áreas, no nosso direito, em que por amor extremo e absurdo à legalidade formal e ao processualismo, se deixa de fazer justiça — pelo menos, uma justiça que o comum dos cidadãos possa entender e respeitar. Mas o futebol e os regulamentos de disciplina desportiva não são um Código Penal. São uma área onde, justamente, o que se pede é bom-senso e justiça, e não uma série infinda de malabarismos processuais e legalistas que fazem com que, no limite, ninguém entenda por que razão um jogador que entra a pontapé sobre as pernas doutro numa disputa de bola é menos penalizado do que um que dá um safanão com o braço para se libertar de um adversário que o está a agarrar. Ou que dois jogadores que praticaram exactamente o mesmo acto possam ser punidos de forma diferente, conforme os árbitros digam que viram ou que não viram o que todos viram, incluindo os membros da CD.
Não duvido de que o dr. Ricardo Costa e os seus pares cumpram escrupulosamente os regulamentos da Liga, ou que, pelo menos, o tentem. Mas, com todo o respeito pelo seu esforço, não é isso que está em causa. Eu estou-me nas tintas para a vaca sagrada dos regulamentos da Liga, se eles não fazem sentido. Quero é uma justiça desportiva que seja rápida, eficaz, coerente, igual para todos e entendível por todos. Isso, para mim, é que seria novo. Mas, pelos vistos, ainda não é desta que a vamos ter.
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