quarta-feira, abril 11, 2007

A nossa escala ( 13 Março 2007)

Ainda com as imagens do Barcelona-Real Madrid bem presentes, sentei-me no domingo para ver o Marítimo-FC Porto, e tive de fazer todos os esforços para não adormecer.



1-Foi uma semana eloquente, terrivelmente eloquente, para percebermos a diferença enorme que existe entre a escala do nosso futebol de equipas e a escala das grandes equipas europeias. Em Paris, face a uma equipa à beira da despromoção, totalmente descrente e desacreditada, o Benfica não conseguiu evitar uma derrota incompreensível e sem justificação alguma. Em Braga, e jogando bem melhor do que o Benfica, o Sp. Braga também não conseguiu evitar uma derrota frente a um Tottenham vindo de fantástica vitória em Liverpool por 4-3 e que imprimiu ao jogo uma velocidade estonteante, ao ritmo desse fabuloso Aaron Lennon. Aturdido, o Braga não conseguiu melhor que empatar a zero, três dias depois, em casa, e frente ao Beira-Mar, enquanto o Tottenham foi a Stamford Bridge empatar a 3-3 com o Chelsea, depois de ter estado a vencer 3-1. Nenhuma equipa portuguesa aguentaria a sequência infernal desta semana do Tottenham — e estamos a falar apenas de um clube do meio da tabela inglesa. Aliás, desconfio que nenhum dos nossos grandes teria feito melhor do que o Braga, contra os ingleses.

Toda a semana ouvi portistas e não portistas lamentarem o frango do Helton em Stamford Bridge: «Ah, se não fosse aquele frango…!» Não estou de acordo: é claro que foi frango e que veio na pior altura do jogo; é verdade que o Chelsea, tal como já sucedera no Porto e tal como Jesualdo disse acertadamente, não mostrava quaisquer indícios de ser melhor, futebolisticamente falando, do que o FC Porto. Mas, com o sem frango, e como também disse Mourinho, estou em crer que o Chelsea chegaria à vitória. E porquê? Porque, tal como se viu com o Tottenham em Braga e nos dois jogos do Porto contra o Chelsea, as equipas inglesas (e as espanholas, as italianas, as alemães…) estão muito melhor preparadas fisicamente do que as nossas. O que é incrível, se pensarmos que eles, não só disputam o dobro dos jogos das nossas equipas, como disputam jogos de um grau de exigência incomparavelmente superior. Os estádios estão sempre cheios em Inglaterra, os grandes jogadores ganham fortunas, mas, em contrapartida, têm de dar espectáculo e deixar a alma em campo. Jogos com perdas de tempo, autocarros em frente da baliza, futebol a passo, remates displicentes e lesões simuladas, isso não é com eles. Ali, o público paga, o público tem.

Em ambos os jogos contra o Chelsea, o FC Porto nunca mostrou ser inferior tecnicamente, enquanto equipa — o que é notável, sem dúvida, atendendo aos orçamentos de ambos os clubes. Mas, em contrapartida, em ambos os jogos também, os portistas estoiraram a meia hora do fim — o que é igualmente notável, no mau sentido, sabendo-se que a preparação física não tem que ver com a qualidade dos jogadores nem com o orçamento dos clubes, mas apenas com a qualidade e quantidade de trabalho feito.

Depois, houve outro factor concorrente para a eliminação, mais do que natural e previsível dos portistas. Se, enquanto equipa, não se notaram as diferenças, já tecnicamente a nível individual, elas foram decisivas: nenhum ponta-de-lança do FC Porto tem a capacidade de marcar o golo que Schevchenko marcou no Dragão; e Petr Cech jamais sofreria um golo como o que Helton sofreu nem faria as saídas suicidárias a bolas altas que ele fez — e que repetiu no Funchal, como já no jogo anterior havia feito contra o Braga. Em Dezembro, escrevi aqui que o Helton não é o grande guarda-redes que se diz: é um bom guarda-redes, com potencial para crescer muito, se for bem treinado e ensinado, em especial no jogo aéreo, onde as suas limitações são evidentes e incompreensíveis. Mas tal, infelizmente, não parece estar a suceder: a olho nu, a mim parece-me que o Helton é hoje pior guarda-redes do que era quando veio do Leiria para o FC Porto.

2-O grande futebol não pára para descansar. As equipas saem de um jogo europeu decisivo e logo têm um jogo interno igualmente decisivo. Aqui, basta um jogo europeu ou um jogo para a Taça a meio da semana, e logo servem de desculpa para o «cansaço» ou a «gestão de esforço». Saídos de duas eliminações corrosivas na Liga dos Campeões a meio da semana, o Barcelona e o Real Madrid ofereceram-nos, setenta e duas horas depois, um festival de futebol de primeiríssima qualidade, jogado a um ritmo infernal, com golos em série, oportunidades, jogadas de génio, vontade intensa de vencer. Antes do Mundial da Alemanha, eu tinha apostado em Messi como aquele que despontaria como a grande figura do Mundial. Mas não fui capaz de imaginar que o seleccionador argentino, Pakermann, deixasse Messi de fora, apostando antes numa Selecção de contenção e medo, que saiu do Mundial prematuramente, sem honra nem memória. Sábado, em Camp Nou, Messi cometeu a proeza de marcar três golos ao Real e explicar porque é que alguns apostavam tanto nele antes do Mundial. Pakermann deve ter tido vergonha ao ver o jogo.

Ainda com as imagens do Barça-Real bem presentes, sentei-me no domingo em frente à televisão para ver o Marítimo-FC Porto, e tive de fazer todos os esforços para não adormecer, após um daqueles jogos em que, se houvesse vergonha, os clubes teriam devolvido o dinheiro aos espectadores no final. A culpa principal, à partida, é do FC Porto, que tem melhores jogadores e maiores responsabilidades. Mas, também, chega do fado do coitadinho. O Marítimo não jogou contra o Chelsea a meio da semana, não perdeu dois jogadores por lesão nos primeiros vinte minutos e não se apanhou a ganhar 2-0 antes da meia hora. Além disso, jogava aqui as suas aspirações a um lugar europeu e Ulisses Morais resolveu jogá-las sem ponta-de-lança, deixando no banco os dois melhores marcadores da equipa. Teve o que merecia e é, em grande parte, por causa desta falta de ambição que o nosso futebol de equipas tem tão reduzida dimensão europeia, para além de episódicos desempenhos do FC Porto ou do Benfica.

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