Diz Jesualdo Ferreira que Renteria «tem atributos de qualidade superior». Pois, se fossem apenas de qualidade banalíssima, anteontem teríamos saído da Luz com o título na algibeira.
1- O Benfica-FC Porto desmentiu vários prognósticos, incluindo meus. Para começar, foi um bom jogo de futebol, emotivo até ao fim — o que raramente acontece num clássico, para mais decisivo. Ambas as equipas tiveram a sua parte de domínio e até concordo com Fernando Santos quando diz que a parte do Benfica foi mais «avassaladora» do que a do FC Porto havia sido. Mas a do FC Porto foi mais bem jogada, foi mais banho de bola, do que a do Benfica. Como vai sendo habitual e é já uma imagem de marca, o FC Porto deu o berro na segunda parte — como já sucedera nos dois jogos contra o Chelsea e no jogo contra o Sporting. Jesualdo pode-se refugiar em imprevistos problemas musculares de jogadores do meio-campo, mas salta à vista de todos que a preparação física é o principal handicap de uma equipa que quer ser campeã. Inversamente, o Benfica confirmou uma saudável capacidade de reacção, de resistência e de disputar os jogos até final.
Mas porquê o Renteria?
2- Revelei o meu temor de que o Ricardo Quaresma não acabasse o jogo — estava a vê-lo expulso, depois de reagir a várias entradas à margem das leis. Um temor agravado quando, logo aos dois minutos, Pedro Proença mostrou o amarelo a Bruno Alves, que cortou a bola antes de atingir Simão, e, na jogada seguinte, perdoou o amarelo a Simão por uma entrada directa às pernas do adversário. Temi aí que o critério disciplinar do árbitro viesse a ser durante todo o jogo totalmente unilateral — como foi (sete cartões amarelos para jogadores do FC Porto!) — mas isso não teve como consequência que Quaresma não acabasse o jogo, porque ele, simplesmente, não chegou a entrar nele. Os benfiquistas, que tantas suspeitas lançaram sobre Scolari por não o ter posto a jogar contra a Bélgica, mais a Sérvia (enquanto o Simão descansaria os dois jogos…), não têm razão de queixa: a Bélgica chegou para deixar Quaresma de rastos.
Mas porquê o Renteria?
3- O FC Porto entrou muito bem — sem medo, a agarrar o jogo logo de início e a pôr o Benfica em sentido. Quim roubou um golo certo a Adriano e, mais tarde, falharia por completo no golo de Pepe, permitindo-lhe cabecear a meio metro da baliza, numa zona que é exclusiva do guarda-redes. Pena que este FC Porto não dê para mais do que meia parte. Pena que o gigantismo de Pepe e de Paulo Assunção não tenha sido suficiente para segurar a vitória, perdida a oito minutos do fim. E valeu Helton, finalmente em noite sem mácula e inspirada. A segunda parte do FC Porto foi confrangedora: a equipa recuou, recuou, sem conseguir ganhar uma segunda bola, sem segurar o jogo a meio-campo, sem lançar sequer o contra-ataque. Jesualdo Ferreira assistiu sem reacção e, mais uma vez, mostrou que o seu forte não são as substituições. Lucho, Jorginho, Quaresma e Adriano — enfim, toda a força de ataque — arrastavam-se em campo, e ele… nada. Tinha o Anderson, o Vieirinha, o Alan, o Bruno Morais, até o Postiga.
Mas porquê o Renteria?
4- Os benfiquistas ficaram meio frustrados por não lhes terem dado o Lucílio Baptista como árbitro. Com ele, era trigo limpo, Farinha Amparo. Mas também não ficaram insatisfeitos com Pedro Proença. Que diriam eles se, para um FC Porto-Benfica em que podia decidir-se o título, fosse nomeado um árbitro portuense e portista?
Pedro Proença não teve nenhum erro com influência no resultado. Mas a sua actuação, a começar pela dualidade de critérios disciplinares anunciada logo de início e a continuar em tudo o resto, foi de um caseirismo desnecessário e pouco elegante. Tenho um caderno de notas com três folhas de erros seus enumerados, em que só um e banal, beneficiou o FC Porto. É certo que não se deixou tentar por erros óbvios a pedido do Benfica (como um penalty inventado pelo Nélson) mas também aí não fez o que devia, que era mostrar um amarelo ao Nélson — ele que foi tão pródigo em amarelos aos jogadores do FC Porto.
Mas porquê o Renteria?
5- Rui Costa é o jogador do Benfica que mais admiro. Pelo seu passado, pelo seu presente, pelo seu amor ao clube que o formou, pela sua personalidade e pela sua inteligência. Mesmo a meio-gás, a sua entrada no jogo virou o jogo. A classe ainda é um grande argumento. Repare-se como ele correu, procurou a bola, procurou o jogo, procurou o destino. Enquanto o FC Porto tinha lá um colombiano que, quando perdia a bola (que era sempre que lhe tocava), ficava no mesmo sítio, parado, como se não lhe pagassem para se incomodar com aquilo. Rui Costa ainda faz falta a jogos como este.
Mas porquê o Renteria?
6- Uma volta inteira de campeonato depois, está de regresso aquele que, até então, tinha sido o melhor jogador do campeonato: Anderson (o do FC Porto, é claro). Confesso que nunca tive muita esperança de o voltar a ver jogar este ano e o regresso foi apenas simbólico: Jesualdo Ferreira preferiu meter antes um rapaz da Colômbia, adoptado pelo Natal. Mesmo assim, por muito pouco, por dez centímetros, Anderson não assinalou o seu regresso com o golo da vitória portista. Teria sido a mais sublime vingança. Mas alegrem-se todos os que verdadeiramente gostam de futebol: o génio está de volta e ainda a tempo de fazer a diferença.
Mas porquê o Renteria?
7- Não sei qual o estado de espírito dos benfiquistas após o jogo: se acham que perderam dois pontos ou que salvaram quatro. Eu, portista, fiquei frustrado. Porque estivemos a ganhar até oito minutos antes dos 90, porque nos deixámos empatar de autogolo e porque perdemos a vitória numa jogada de golo certo, ao soar do gongue. Mas o que é certo é que houve, apesar disso, uma subtil melhoria da situação. O Benfica já não depende só de si; em caso de igualdade pontual, ganha o FC Porto; passou mais um jogo; e o Anderson está de volta.
Mas porquê o Renteria?
8- Quando Alexandre Pinto da Costa iniciou a sua brevíssima carreira de empresário de jogadores (em associação com José Veiga…), tratou logo de fazer o seu primeiro negócio a expensas do FC Porto. Impingiu-nos o pior jogador de futebol que alguma vez vi jogar: um tal de Paulinho César, suposto ponta-de-lança. O tipo conseguiu fazer uma coisa que eu achava virtualmente impossível — a meio metro da linha de golo, sem guarda-redes nem ninguém entre ele e a baliza, vê cair-lhe uma bola a saltitar à frente; enche o pé e remata… na vertical, três metros acima da barra. Pois, este tal de Renteria faz-me lembrar o Paulinho César: por duas vezes já o vi ficar de posse de uma bola que só precisava de ser encaminhada, de qualquer forma, para a baliza. E das duas vezes o pobre rapaz nem conseguiu, como diria o Gabriel Alves, ter o «gesto técnico» de fazer um remate. O inocente do Renteria, que não tem culpa nenhuma que o tenham contratado, parece não fazer a mais pequena ideia para que serve uma bola de futebol nem que o objectivo final do jogo é tentar enfiá-la dentro da baliza. A esta hora, Renteria ainda deve estar a perguntar-se quem é que se lembrou de o meter numa equipa que ainda há três anos era campeã da Europa e quem é que se lembrou de o meter num jogo dito do título. Diz Jesualdo Ferreira que ele «tem atributos de qualidade superior». Pois, se fossem apenas de qualidade banalíssima, anteontem teríamos saído do estádio da Luz com o título na algibeira.
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