O Sporting foi indiscutivelmente melhor como equipa e em termos de estratégia de jogo. Mas, para uma equipa a quem só a vitória interessava, a mim ficou-me a ideia de que o Sporting muito pouco fez por isso
1- Mal o jogo acaba, começo a receber SMS de sportinguistas: «Grande banho de bola que vos demos!» Abro os jornais desportivos do dia seguinte e dizem o mesmo. E confesso que fico entre o perplexo e o preocupado: aquilo foi «um banho de bola» e eu não dei por nada? Será que o meu facciosismo clubístico já me impede de ver o que todos vêem, ou todos vêem o que querem ver? Eis o que eu vi.
O Sporting foi indiscutivelmente melhor como equipa e em termos de estratégia de jogo. Explorou os dois pontos fracos do FC Porto, que são evidentes para qualquer pessoa: o meio-campo e a preparação física. Com isso, a equipa dirigida por Paulo Bento controlou grande parte do jogo, anulou, com relativa facilidade, a criatividade do jogo do Porto e jogou, ou não deixou jogar, o suficiente para nunca merecer perder.
Mas, para uma equipa a quem só a vitória interessava, a mim ficou-me a ideia de que o Sporting muito pouco fez por isso: limitou-se quase só a esperar por uma dávida dos céus e ela chegou. Em toda a primeira parte, é verdade que o Sporting e Nani exploraram a seu bel-prazer o flanco direito da defesa do Porto, mas o saldo de tudo isso traduziu-se apenas em dois remates mais ou menos perigosos que Helton defendeu com mais ou menos dificuldade, enquanto que, do lado oposto, Alan desperdiçou a melhor oportunidade de golo, com um remate desastrado. E, na segunda parte, fora o golo de bola parada, o Sporting dispôs apenas de mais uma oportunidade, em contra-ataque e depois do golo — a qual, ao contrário do que vi escrito, não foi salva pelo Helton, foi sim criada pelo Helton, ao defender com os pés e para a frente um remate que deveria ter agarrado com as mãos. Jogando pior e sempre em esforço e desinspiração, o FC Porto teve mais oportunidades de golo do que isso.
2- Jesualdo Ferreira tem uma qualidade que eu aprecio: quando perde não se refugia em desculpas com o árbitro e coisas que tais. Assimilou e bem aquilo que é o sinal distintivo das equipas ganhadoras: só faz sentido falar em erros de arbitragem quando se jogou o suficiente para ganhar e foram os erros do árbitro que o impediram. Sábado, o FC Porto não jogou o suficiente para ganhar e, por isso, não adianta falar no árbitro. Mas duvido que qualquer outro treinador daqui, tendo acabado de viver aquele último lance da partida, não viesse falar do árbitro. Os sportinguistas, de certeza que não tinham ficado calados. A única coisa boa de perder é saber perder.
3- Mas Jesualdo perdeu o jogo, tanto como a equipa, ou mais até. Assistiu, sem reacção, durante toda a primeira parte, à cavalgada do Sporting na alameda do flanco direito da defesa portista, a metros do banco onde ele estava. Assistiu, sem reacção e durante 70 minutos, a mais uma exibição nula de Lucho Gonzalez, cuja inutilidade absoluta e continuada é o único que parece ainda não ter percebido (no jogo anterior, no Funchal, dei-me ao trabalho de seguir o Lucho com atenção: tocou na bola pela primeira vez aos 31 minutos de jogo, já o Porto ganhava por 2-0. Deve ser um feito digno do Guinness…). Eu sei que Jesualdo deixou de contar com o Anderson, já lá vai uma volta inteira de campeonato, sei que perdeu agora também o Ibson, sei que não foi ele quem formou o plantel do FCPorto para esta época e que andou irresponsavelmente a dispensar e emprestar médios de ataque.
Mas também sei que, com o seu aval ou a sua cumplicidade, se comprou no mercado de Dezembro um jogador para ser a quarta opção como defesa-esquerdo (Marenque)e um avançado, que dizem futebolista, para ser a quarta opção como ponta-de-lança (Renteria), mas não se comprou, como era notóriamente necessário, um médio ofensivo. E depois, caramba, há-de haver nos juniores ou nos juvenis alguém que simplesmente corra e jogue, coisa que o Lucho não faz há meses!
À parte isso, que já não é pouco, Jesualdo Ferreira falhou na estratégia, na observação do adversário e nas substituições. E, por mais que o desdiga, o facto é que havia um FC Porto até às fatídicas férias grandes de Dezembro e outro depois disso. Este que agora se apresenta e que já vai na quinta derrota do ano, não pode com uma gata pelo rabo, está deserto de ideias de jogo e vai começando a fazer lembrar cada vez mais o de Co Adriaanse, que sobreviveu uma época inteira, tem-te-não-caias, à custa de três jogadores e apenas três: o Pepe, na defesa, o Paulo Assunção, no meio-campo, e o Quaresma, no ataque. Não chega para fazer uma equipa.
4- Não me vou desdizer: um mau jogo não consente desculpas com erros de arbitragem. Mas não resisto a recflectir o que seria ao contrário. No FC Porto-Sporting de sábado há três decisões controversas da arbitragem e as três foram decididas contra o FC Porto.
Primeira: num contra-ataque letal, Quaresma vai ficar isolado a caminho da baliza: pode optar entre ir para o golo directamente ou fazer o 2x1 com Adriano, face a um desamparado Anderson Polga. Partiu três metros atrás do mesmo Polga e o fiscal de linha demorou três segundos a assinalar um fora-de-jogo que, a olho nu, era evidente que não havia. Esses três segundos foram incompreensíveis: o que terá passado pela cabeça do árbitro assistente nesses três decisivos segundos?
Segunda: Postiga entra de ombro contra ombro em Polga. No meu ver, completamente normal, mas admito que outros não pensem assim. A questão, porém, é que não é o nosso critério de avaliação que deve prevalecer, mas sim o muito personalizado critério disciplinar de Pedro Henriques — que é um bom árbitro, mas que, neste capítulo, assume uma arbitragem de risco permanente. Ora, deixando ele jogar largo, é legítimo que os jogadores se adaptem ao critério do árbitro: até pode ser que aquilo seja falta, mas, segundo o critério daquele árbitro, e designadamente neste jogo, aquilo nunca seria falta. Pedro Henriques não pode deixar passar dez faltas ou pretensas faltas iguais ou piores e marcar aquela, naquela posição. Porque, ainda por cima, foi o lance que decidiu o jogo.
Terceira: tanto na análise de A BOLA, como na dos especialistas do O JOGO, o Polga (sempre ele…) não cometeu falta para penalty no último lance do desafio. E todos o justificam dizendo que ele simplesmente jogou a bola. Convido-vos, porém, a reverem o lance na televisão, tal como eu já o fiz várias vezes: vê-se o Pepe a armar o remate à baliza e vê-se o Polga a entrar (de pé em riste) ao conjunto Pepe-bola; a seguir, vê-se o Pepe a levantar voo como um pião ( e ele não é homem de fitas ou simulações), e vê-se, sobretudo, que a bola não se mexe do mesmo sítio. Como é que o Polga jogou a bola, se ela nem se mexeu?
Mas, nestes tempos de intimidação penal que se vivem, é preciso saber também tomar decisões sábias: só um suicida é que se atreveria a assinalar um penalty decisivo a favor do FC Porto, no último segundo do jogo.
5- Anotem: foi o segundo jogo de título disputado no Dragão este ano. Não houve quaisquer declarações provocatórias ou incendiárias dos dirigentes, técnicos ou jogadores do FC Porto, antes ou depois do jogo; não houve quaisquer incidentes causados pelos adeptos portistas com os jogadores ou adeptos adversários, e os dirigentes destes assistiram ao jogo no camarote da Direcção, em paz e tranquilidade; nenhum jogador adversário saiu do campo com uma perna partida ou lesionado devido a uma entrada de um portista; e, no final, com razões ou não para tal, não houve queixas de arbitragem nem falta de fair play, tanto na vitória como na derrota. Anotem e façam igual.
6- O presidente do Sindicato dos Jogadores de Futebol deveria estar menos entusiástico com o absurdo acórdão do tribunal administrativo que confere aos jogadores a possibilidade de se transformarem em mercenários, que hoje beijam o emblema de um clube e amanhã assinam por outro. A liberdade contratual absoluta dos jogadores implica, a prazo, a morte inevitável dos clubes.
E, sem clubes, não há futebol profissional. Aliás, e como bem nota o presidente do Sporting, se um jogador pode passar a despedir-se sem justa causa e quando o quer, também o clube deve ter a faculdade de fazer o mesmo. E, entrando-se por aí, o Sindicato vai ter muito a que acorrer.
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