Com intenção ou sem ela, o Liedson dá um pontapé num adversário, é expulso... e a culpa é do Pinto da Costa? Isto é para ser levado a sério?
1- Em 78 jogos disputados no seu terreno e sob o comando de José Mourinho, o Chelsea perdeu apenas um — contra o Barcelona, que viria a ser campeão europeu, e, mesmo assim, jogando com dez durante uma hora. É verdade que logo à noite o FC Porto não precisa de uma vitória: pode empatar, desde que marque pelo menos dois golos, ou pode empatar 1-1, desde que ganhe depois o desempate nos penalties. Mas, mesmo assim, as hipóteses à partida devem andar, nas bolsas de apostas, pelos 5% contra 95%. Como se viu no Dragão, o que faz a diferença entre uma grande equipa e uma boa equipa são jogadores como Schevchenko que, dispondo de uma opurtunidade de meter a bola no buraco da agulha, não falham.
Mas no Dragão também se viram outras diferenças: uma melhor preparação física do Chelsea — o que é notável, para quem joga muito mais jogos e de dificuldade bastante maior do que o FC Porto — e um controlo quase arrogante sobre o meio-campo. De facto, é no meio-campo que esta equipa de Jesualdo Ferreira tem o seu ponto mais fraco: no meio-campo e no centro do ataque. Paulo Assunção é, na ausência de Anderson, o único elemento do sector que actualmente dá garantias firmes, na sua posição de médio defensivo. Mas é nas outras posições de médios ofensivos, com a responsabilidade de levar o jogo para a frente, que o meio-campo portista, amputado de Anderson, revela uma constrangente fraqueza. Lucho raramente faz um bom jogo inteiro: normalmente apenas aparece em fogachos, alternando momentos tecnicamente superiores com longos espaços de ausência do jogo. Apesar de tudo, é jogador para jogos como este e, por isso, a sua baixa logo à noite pode ser mais uma contrariedade a enfrentar. Raul Meireles terá feito precisamente contra o Chelsea, no Dragão, o único jogo aceitável de toda a época (acabando ironicamente substituído por Jesualdo que, aliás, não acertou em nenhuma das substituições). Nos outros jogos todos, Meireles afina pelo histórico mostrado contra o Braga: são mais os passes que acabam nos pés dos adversários do que o contrário. Embora não seja um jogador de qualidade regular, toda a nação portista preferia ver Ibson naquele lugar, mas quem manda é Jesualdo e ele não entende assim. E resta, por junto, o fantasma do Jorginho, que é um caso de análise psicológica para que me escapa a competência. É pouco, muito pouco, para uma época inteira e, sobretudo, para logo à noite.
Acrescem as limitações já mais do que sabidas no ataque — o qual tem obrigatoriamente de marcar hoje e, de preferência, mais do que uma vez. Não é tarefa fácil, sabendo-se que na baliza do adversário está apenas o melhor guarda-redes do Mundo: no Dragão, o FC Porto marcou um golo feliz, com a trajectória da bola a ser desviada decisivamente, e apenas dispôs de outra opurtunidade, num lance, mais um, saído do génio de Quaresma. Finalmente, e para agravar tudo, vai estar pela frente um treinador e uma equipa que são cerebralmente frios a jogar para o resultado. Resta esperar que tudo isto possa ser contrariado por uma noite de inspiração suprema, de sorte total ou qualquer outra coisa que permita, mais uma vez, poder-se dizer no final que o futebol é imprevisível. Que grande festa que seria!
2- Francamente, não sei (nem sei quem e como poderá saber-se de ciência certa) se o Liedson quis ou não dar um pontapé no Rossato. Sei que o deu, porque se viu bem nas imagens televisivas, assim como não se viu qualquer falta anterior do Rossato, e se viu sim, e mais tarde, o Caneira a tentar atingir a soco o Harison e depois a enfiar-lhe uma joelhada intencional e subreptícia nas costas. Isto foi o que eu vi, outros terão visto diferente. Repito que admito que o Liedson não tivesse intenção de agredir o adversário, assim como admito o contrário. A questão é que, até hoje, ainda não foi inventado o intencionómetro, capaz de avaliar instantaneamente as intenções dos jogadores de futebol.
Que eu saiba, não foi inventado. Mas parece que há quem já o tenha inventado e posto ao dispor. Paulo Bento, por exemplo, que, não só não teve dúvidas em concluir pela falta de intenção agressiva por parte de Liedson, como ainda foi mais longe e logo descobriu na decisão do árbitro auxiliar a intenção de acolher os interesses de «outras equipas que, mais do que o Leiria, estavam interessadas em que o Sporting não ganhasse». E se ele se referiu a «outras equipas», a imprensa que logo saltou, gulosa, sobre mais um desses processos de intenções em que se deleita o futebol português, tratou logo de reduzir os suspeitos a um só: o FC Porto, pois claro. Aliás, sabendo-se que o outro potencial suspeito — o Benfica — «está na linha da frente do combate pela transparência», o suspeito só podia ser o habitual. De que viveria o futebol português se não tivesse o FC Porto institucionalizado como o eterno beneficiário e mandante oculto de todos os potenciais erros de arbitragem, sejam em que jogo for? Não é disso, e só disso, que trata o Apito Dourado?
Neste caso, as razões da suspeita saltam à vista: se o Liedson, como o Quaresma, por exemplo, levar dois jogos de suspensão, contra quem vai calhar o segundo jogo? Claro, branco é, galinha o põe. Como já aqui escrevi, nada mais me pode surpreender depois de ter visto escrito que esse mesmo Harison, expulso na Luz contra o Benfica, tinha sido bem expulso, mas como, na jornada seguinte, o Leiria jogava contra o Porto, a expulsão passava automaticamente de correcta a suspeita. Está a fazer falta uma directiva para os árbitros que estabeleça que nenhum jogador pode ser expulso antes de um jogo contra o FC Porto…
Agora, claro, está aberta a campanha para aplicar ao Liedson a doutrina Nuno Gomes, de modo a que ele leve só um jogo de suspensão. Ao contrário do que afirma convictamente Soares Franco, eu imagino que não será difícil convencer o Conselho de Disciplina disso mesmo. Mas também imagino que Soares Franco não estava assim tão convicto da sua profecia. Pois eu cá, no que me diz respeito e acreditem ou não, desejo que o Liedson esteja presente no Dragão. Em primeiro lugar, porque se trata de um grande jogador e os grandes jogadores, sem excepção, devem estar nos grandes jogos. Em segundo lugar, porque gosto de ver o meu clube ganhar sem desculpas alheias, de que francamente já estou farto até aos cabelos, e, aliás, o Liedson nunca fez mossa contra o Porto e confio cegamente que o Pepe chegue para ele. E em terceiro lugar, porque gostaria de ver o Paulo Bento ter de se retractar por ter lançado imediatamente as suspeitas que lançou, quando lhe perguntaram se achava que a expulsão de Liedson tinha que ver com o jogo no Dragão.
Francamente, eu acho que as pessoas, as de bom senso pelo menos, deveriam pensar um bocado antes de dizerem a primeira coisa que lhes apetece. Como o presidente do Beira-Mar — cujas direcções fizeram todas as asneiras possíveis em prejuízo do clube — e que agora, só porque um árbitro terá assinalado mal um penalty contra a equipa, logo vem dizer que «o futebol caminha a passos largos para o abismo e a degradação». Com intenção ou sem ela, o Liedson dá um pontapé num adversário, é expulso… e a culpa é do Pinto da Costa? Isto é para ser levado a sério?
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