terça-feira, janeiro 08, 2013

O SALVADOR DE CABEÇAS (29 NOVEMBRO 2011)

1- Um treinador que tem a sorte de dispor de um jogador como Hulk tem meio caminho andado para o sucesso: o resto depende dele e dos outros dez da equipa. Mas, mesmo quando a equipe está mal e não rende, quando o treinador não dá conta do problema, basta que Hulk esteja num dia inspirado, que tenha sido minimamente motivado (o que não é difícil) e o problema resolve-se por si. Ou melhor, rcsolve-se por ele — ele, Hulk.

No espaço de cinco dias, entre Donetsk e o jogo do Dragão contra o Braga, Hulk resolveu em cinco penadas o problema do FC Porto e o problema de Vítor Pereira: na Ucrânia, massacrou, quase sozinho, toda a defesa do Shaklar, marcou o primeiro golo e construiu o segundo; no Dragão, marcou o primeiro e o segundo e inventou o terceiro. E assim se ultrapassou a crise? Não, claro que não: nem Vítor Pereira passou a ser o treinador adequado ao FC Porto, nem a equipa resolveu as suas deficiências conhecidas. Apenas duas coisas mudaram conjunturalmente para melhor: os resultados e a atitude da equipa (ao que parece, motivada pessoalmente por Pinto da Costa, em substituição do seu treinador).

Em Donetsk, Vítor Pereira experimentou uma solução já ensaiada por Jesualdo Ferreira, para jogos onde se prevê que a equipa tenha de ganhar em contra-ataque: abdicou de um ponta-de-lança típico e apostou em Hulk para essa posição. Faz sentido para esse tipo de jogo, em que Hulk sozinho desestabiliza infinitamente mais o centro da defesa adversária do que um ponta-de-lança feito presa fácil dos defesas, como seria o caso de Kleber. Mas, quando repetiu a mesma solução para o jogo com o Braga (mostrando bem como não pensa jogo a jogo e anda à deriva à procura da solução ideal), Vítor Pereira viu (terá visto?) as limitações do esquema, em jogos onde o FC Porto não se pode limitar a jogar no contra-golpe e tem sim de fazer as despesas do ataque continuado: com os alas recuados e com o excesso de velocidade de Hulk, este acaba quase sempre por se ver desamparado lá na frente, quando recebe abola. No jogo contra o Braga, assim que passou para o seu lugar natural na ala direita, Hulk arrancou dois golos decisivos para a vitória, mostrando que é ali que, de facto, pode causar mais danos à estrutura adversária.

Contra o Shaktar, tudo podia ter acontecido, mas Hulk e os deuses da fortuna estiveram com Vítor Pereira. Foi uma sorte as duas bolas nos postes de Helton e as três oportunidades de golo desperdiçadas pelo Shaktar, quando ainda havia 0 0; e foi providencial o génio de Hulk para resolver o jogo à beira do fim. Compreende-se a alegria incontida de Vítor Pereira no final do jogo: a sua pele tinha estado no assador e, no último instante, veio de lá o Indiana Jones e salvou-a. Num e noutro jogo, porém, a grande transformação foi a atitude de conquista, de luta e de sacrifício dos jogadores todos. Viu-se a equipa a correr e a lutar pela bola e por cada lance como há muito não se via. Viu-se que o espírito de conquista não estava afinal morto e a grande incógnita é porque razão andou tanto tempo adormecido.

Contra o Braga, apesar dos lampejos iniciais dos minhotos, eu percebi desde o início que os jogadores do Porto tinham vindo para tratar de ganhar o jogo e não para ficar à espera que as coisas acontecessem por si. Repetir a equipa de Donestsk não fez sentido, mas Vítor Pereira ficou pelo mais fácil: em equipa que ganha, não se mexe, mesmo que os jogos sejam à partida diferentes. Mesmo assim, até aos 63 minutos, o Braga não tinha criado uma ocasião de golo nem o Helton tinha feito uma defesa. Errada ou não, na sua estrutura e composição, a equipa estava completamente por cima, dominando o jogo em todo o campo, não acusando o cansaço do jogo e da viagem a meio da semana e ameaçando a todo o tempo o segundo golo. Um treinador atento teria apenas uma coisa a fazer: não mexer na equipa, deixá-la concentrada, uns com os outros, entregue ao jogo. Mas isso seria pedir de mais a Vítor Pereira: ele não resiste a fazer substituições erradas. Debaixo de um coro de assobios do Dragão (que percebe muito mais de futebol e conhece muito melhor a equipa do que o treinador), Vítor Pereira resolveu tirar dois jogadores que estavam a jogar muitíssimo bem (Defour e Djalma) para meter o Souza e o Cristian Rodriguez. Como seria de temer, eles nada trouxeram de melhor ao jogo, a equipa perdeu as suas ligações e consistência e Leonardo Jardim lançou então as suas substituições e fez o Braga regressar a um jogo de que há muito estava afastado. Não fosse o extraordinário segundo golo de Hulk, em jogada de puro génio individual, seguido de novo golpe de mestre a oferecer o terceiro golo, e o Braga teria empatado um jogo que de todo não mereceu empatar. Hulk, mais uma vez, corrigiu o erro do treinador e sal-vou-lhe a pele. Mas não é certo, nada certo, que este o tenha percebido.

E, sobre este jogo, tenho infelizmente, que me ocupar de um assunto sempre desagradável. O FC Porto ganhou e pode-se escrever que a equipa de arbitragem não influiu no resultado, se bem que tenha anulado um golo limpo, que seria o 3-0, ao FC Porto. Podíamos, pois, deixar passar, dizendo que tudo está bem quando acaba bem. Porém, não posso deixar passar. A arbitragem de Artur Soares Dias, que muitos vêm como uma das certezas da nossa arbitragem, foi intolerável. Começou numa atitude de, na dúvida, decidir sempre contra o FC Porto, mas logo evoluiu, acompanhando o crescendo portista, para uma outra atitude de hostilidade gritante, sem disfarce nem ocultação. Não tenho uma dúvida de que, se dependesse dele, o FC Porto não teria ganho o jogo — tantas e tão chocantes foram as suas decisões sempre em prejuízo do FC Porto. Acho que a comissão de arbitragem tem estrita obrigação de rever o vídeo do jogo atentamente e agir em conformidade. Porque o que aconteceu não é, simplesmente, normal.

2- Após o Benfica-Sporting, estalou uma polémica entre um dirigente sportinguista, que dizia que a «gaiola» tinha excesso de lotação, e o porta-voz do SLB, João Gabriel (muito dado a polémicas, de onde nunca sai bem), garantindo que até sobravam lugares. Infelizmenle para o Benfica, a sentença foi dada por um jornalista, sério e competente, e que até é benfiquista: Ferreira Fernandes, do Diário de Notícias, foi ver o jogo na gaiola re- servada aos adeptos do Sporting e escreveu, preto no branco, que havia duas filas de adeptos comprimidos em cada fila e que a segurança era uma ficção. É quanto me basta para saber a verdade.

O Sport Lisboa e Benfica saiu mal da história da gaiola de segurança, como já havia saído mal da história das luzes apagadas e do chuveiro súbito no final do jogo com o FC Porto, na época passada. E de muitos outros episódios que se vão repetindo e que dão do Benfica uma imagem pública que não coincide com o discurso oficial. Se havia 60.000 benfiquistas na Luz contra 4.000 sportinguistas, é evidente que a gaiola só poderia servir para proteger estes daqueles. E, se assim foi, o que o Benfica mostrou é que não responde pelos seus adeptos e não consegue assegurar a realização de um jogo no seu estádio, em condições de segurança. É lastimável. Lastimável que tenhamos de ir a um estádio enfiados numa jaula, como macacos, para nos defenderem da turba-multa. Eu gostava de ver o Benfica atrever-se a isto num jogo internacional e a explicar à UEFA que, ou era assim, ou não respondia pelas consequências... E nada disto é anulado pela inacreditável vendetta posterior dos enjaulados leões, que consistiu em tentar incendiar o estádio! E são estes dois clubes que, volta e meia, reúnem as direcções em almoços e fazem pungentes apelos ao fair-play... dos outros!

Quanto ao derby jogado, foi de fraca qualidade, com raras jogadas dignas de se ver, e, do meu ponto de vista, duas confirmações: o miúdo Carrilho como o caso mais interessante deste Sporting, e o guarda-redes Artur como a melhor aquisição do Benfica esta época, tal como o escrevi em Agosto, logo que vi o Benfica actuar pela primeira vez. Talvez o resultado justo tivesse sido um empate, mas o Sporting, apesar de tudo e da vantagem numérica (mais uma vez!), nunca deu mostras de poder ir além disso, nunca esteve sob suspeita de poder ganhar o jogo. E, para um sportinguista, deve ter sido frustrante perder e não poder acusar o árbitro de coisa alguma.

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