quarta-feira, maio 18, 2005

Onze anos e seis dias (17 Maio 2005)

E o Benfica está agora a seis dias de quebrar um jejum de onze anos e depois de um campeonato com sete derrotas sofridas, treze vitórias por margem tangencial, não sei quantas arrancadas in extremis, seis jogos contra os dois rivais mais directos sem nenhuma vitória, e... e... viva a «Semana do Futebol!»



1 Falhei a minha previsão, que já vinha detrás, desde Setembro ou Outubro: o Sporting não será campeão nacional este ano. Caiu no momento decisivo, pagando desde já um preço pela situação de risco-limite que estava a viver: numa semana, tudo podia perder e tudo ganhar. São raras as equipas que, quando chegam ao fim de uma época inteira nesta situação, aguentam a pressão e conseguem não deixar fugir presa alguma. O FC Porto de 2003 conseguiu tudo: o Campeonato, a Taça e a Taça UEFA, depois de uma dramática final em Sevilha, em que foi preciso apelar às últimas reservas de energia e vontade dos jogadores. Em 2004, foi campeão e ganhou a Champions,mas falhou a Taça, numa final contra o Benfica em que jogou mais de uma hora só com dez e mesmo assim dominou, teve as melhores opurtunidades e só foi vencido, muito injustamente, devido a umerro do guarda- redesNuno.OSporting não tinha a Taça mas tinha o Campeonato ali à mão e agora só lhe resta não perder a oportunidade única de vencer a Taça UEFA e conseguir que fique em Portugal a terceira taça europeia consecutiva.

Na Luz, no jogo do título, José Peseiro, a meu ver, não resistiu à tentação clássica dos treinadores portugueses: quando o jogo é difícil tira-se umavançado. Controlando sem dificuldade a primeira parte, Peseiro acreditou que a estratégia do 0-0 acabaria por resultar. Trapatoni agradeceu, porque um Sporting com uma frente de ataque de três jogadores, idêntica à de Braga, e a jogar sem medo, teria deixado o Benfi ca de cócoras. Como quase sempre sucede nestas situações, foi quando já parecia ter tudo controlado, que o Sporting perdeu o jogo e o título, através de umcruzamento para a pequena área de Ricardo (que ainda a semana passada eu comentava ser a jogada mais vulnerável desta equipa).

Fica assim afastada do título, e possivelmente até do 2.º lugar, aquela que, consensualmente e clubites à parte, demonstrou, ao longo de toda a época, ser a equipe que, a espaços, era capaz de jogar omelhor futebol, o mais ofensivo e o mais bonito.

2 E o Benfica está agora a seis dias de quebrar um jejum de onze anos e depois de um campeonato com sete derrotas sofridas, treze vitórias por margem tangencial, não sei quantas arrancadas in extremis, seis jogos contra os dois rivais mais directos sem nenhuma vitória, e... e... viva a «Semana do Futebol!»

Em condições normais, mesmo neste anormal Campeonato, o último obstáculo não seria porém, como todos parecem adivinhar, favas contadas. Em circunstâncias normais, o Benfica não se deslocaria a um Estádio do Bessa unicamente povoado de benfiquistas, graças à venda antecipada da lotação do estádio, em bloco, feita pela Direcção do Boavista à do Benfica, chegando ao ponto de desalojar a claque local do seu lugar habitual. Em circunstâncias normais, o Boavista estaria treinado por Jaime Pacheco e faria o seu habitual jogo de sapa e oportunismo, jogando para marcar um golo e defendê-lo com unhas e dentes — como fez contra o FC Porto, ganhando ambos os jogos Benfipor 1-0, qualquer deles sem réstea de merecimento. Em circunstâncias normais, o Boavista talvez não tivesse visto dois jogadores mal expulsos no jogo de sábado, consequentemente impedidos de defrontar o Benfica. Em circunstâncias normais, o Boavista, enfim, estaria a lutar ao menos pela qualificação para a Taça UEFA, em lugar de estar a lutar por coisa alguma. Sorte a do Benfica!

3 Amigos meus portistas ainda tentam arrastar-me para o Dragão, domingo que vem. Mas não vou: sou homem de pouca fé e a pouca que tinha perdi-a definitivamente no jogo contra oMoreirense, cuja exibição e atitude da equipa não consigo esquecer nem perdoar. Como aqui escrevi então, o FC Porto não merece ser campeão. É verdade que acrescentei que o Benfica também não merecia — e o jogo de Penafiel confirmou-o, sem que o da Luz tenha apagado minimamente essa impressão. Mas, depois de todos os grandes se terem alternadamente demitido das suas obrigações, alguém tem de ser campeão. A diferença histórica entre o FC Porto e os seus rivais de Lisboa é que, para nós sermos campeões, o título tem de ser claramente vencido e merecido—de outra maneira, e ao contrário deles, não chegamos lá.

4 Em Penafiel, um objecto vindo da claque benfiquista atingiu na cabeça Oldair, o defesa-central penafidelense, levando à suspensão do jogo para ele ser assistido. No final, parece que voltou a haver incidentes, já fora do estádio, entre a claque benfiquista e o autor do golo do Penafiel, mas nunca mais se falou no assunto nem ninguém se preocupou em esclarecê-lo. O CD da Liga ignorou o último caso, mas não pôde ignorar o primeiro, à vista de todos: «pesada multa», escreveu-se aqui, em título para a decisão do CD. Cinco mil euros.

Em Faro, o treinador adjunto do Estoril manifestou-se revoltado contra a arbitragem do jogo, que entendeu ter favorecido oBenfica. Por crime de opinião, foi sancionado com o equivalente a dois meses de ordenado. Mas, desta vez, o CD da Liga está inocente: quem aplicou a sentença foi a própria Direcção do Estoril, que assim se tornou na primeira Direcção de um clube a punirumtreinador por este acusar um árbitro de prejudicar o seu clube e favorecer o adversário. Assim se poupa na receita do jogo desviado para Faro, a qual, segundo parece, se destinava exactamente a pagar salários ematraso.

5 Não sei se é verdade, ou provavelmente apenas uma lenda, mas sempre ouvi contar que o único homem em Portugal que conseguiu ganhar duas vezes a taluda foi o major Valentim Loureiro. Pois, se é verdade, a partir de agora já tem companhia: Pinto da Costa. De facto, depois de no ano passado lhe ter saído a taludaAbramovitch/ Chelsea, que pôs nos cofres do clube qualquer coisa como 55 milhões de euros, agora a «roleta russa» voltou a contemplar Pinto da Costa, através da dupla Fedoritchev/Dínamo de Moscovo, que se prepara para lançar mais 30 milhões de euros nos cofres daSAD portista.

São três vendas caídas do céu e qualquer delas um excelente negócio, não só pelos números fabulosos, mas também pelos jogadores envolvidos. Costinha aproxima-se do fim da carreira e, depois de uma penosa época de grande sacrifício e grande dignidade, merece, por tudo o que deu ao clube e pela sua atitude profissional e pessoal, melhorar as suas condições financeiras enquanto pode; Seitaridis, porque é vendido por três vezes o preço de compra, apenas um ano decorrido e, pelo que mostrou neste ano, não justifica tais números nem continuar a ocupar uma vaga de estrangeiro; e Maniche, porque desde que viu frustrada a sua saída no ano passado, nuncamais foi o mesmo, aparentemente já esquecido que, ainda há três épocas vegetava sem futuro na equipaBdoBenfica. Não irá adaptar-se a Moscovo e vai baixar de estatuto profissional, mas vai ficar milionário mais depressa. A escolha foi dele.

Todos os portistas esperam agora que não se desbarate, segunda vez consecutiva, esta extraordinária oportunidade financeira (vale bem mais, financeiramente, do que a conquista de uma Liga dos Campeões!) Esperam que não se repita a compra ao desbarato de jogadores para serem de imediato emprestados, cedidos ou colocados na bancada do estádio, esperam que não haja mais «contentores de brasileiros» contratados por ouvir dizer, que não se assinem de cruz mais contratos milionários, com duração absurda de cinco anos e ordenados de luxo, a favor de jogadores medianos ou nem isso, demodo a que agora, em contrapartida, não há ninguém que consiga pegar neles e pagar-lhes as mordomias que recebem no FC Porto... para não jogar. Esperam, enfim, que desta vez não se confirme a fama de que goza, entre os adeptos, esta Direcção portista: a de que só sabe administrar quando não tem dinheiro.

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