sexta-feira, maio 13, 2005

O que tem de ser tem muita força (3 Maio 2005)

Nunca uma equipa portuguesa dispôs de tamanhas condições favoráveis para ganhar uma competição europeia como o Sporting para ganhar a Taça UEFA este ano.

1- Estávamos onze amigos reunidos a preparar-nos para ver o Benfica-Belenenses.Curiosamente, umpainelmuito pouco representativo dos tais seis milhões de benfiquistas em Portugal Continental: dos onze, seis eram sportinguistas, quatro portistas e apenas umbenfiquista.E juro que não foram escolhidos por mim, por preferências clubistas.

E, antes do jogo começar, faziam- se apostas sobre quem seria o campeão deste ano. O Braga não recolheu nenhum voto: todos acharam que, na hora da verdade, baquearia (e ainda não tinha havido o descalabro contra o Sporting). O Benfica recolheu apenas dois votos-o do próprio benfiquista e o meu. Todos os outros coincidiam em não acreditar que, com tão pouco futebol, o Benfica conseguisse chegar ao título. Eu achava, e continuo a achar, que, embora seja verdade que o futebol que o Benfica joga seja de uma pobreza franciscana, aquilo que tem de ser tem muita força.

Assim, os nove assistentes restantes dividiam-se, em partes iguais, na atribuição do favoritismo ao Sporting-porque joga o melhor futebol - e ao FC Porto- porque tem o hábito de vencer, está a subir de forma e dispõe do mais fácil calendário. Mas isto era antes do jogo: no final do Benfica- Belenenses tinha-se estabelecido uma unanimidade feita de conformidade: o Benfica vai ser campeão. Parece que está escrito, algures.

2- O Benfica ganhou ao Belenenses sem conseguir prescindir, uma vez mais,de fortuitas colaborações exteriores: na primeira parte, Mário Mendes ficou- lhe a dever um penalty, pouco nítido mas real, sobre Nuno Gomes; mas compensou na segunda parte, positivamente inventando o penalty da vitória e ignorando aquele que seria o empate para o Belenenses. Mais dois pontos amealhados «transparentemente ».

3- O FC Porto venceu o Marítimo com dois erros claros de arbitragem e um duvidoso. No primeiro, beneficiou de um golo validado em claro offside; no segundo, teve um golo anulado por erro grosseiro de interpretação da regra do offside; no terceiro, beneficiou de um duvidoso penalty que, felizmente, alguma alma benfazeja encarregou o Diego de falhar
(obviamente...). No balanço final, não perdeu nem ganhou e, por isso mesmo, os presidentes do Sporting e do Braga perderam uma excelente oportunidade de ficar calados, quando quiseram meter no mesmo saco a arbitragem da Luz e a do Dragão. Quando as pessoas são capazes de reclamar do golomal validado ao Porto, mas ignorar o golomal invalidado,
sabendo que toda a gente de boa-fé viu ume outro, o que julgarão-que alguém os pode levar a sério? E quando o presidente do Sporting não perde uma ocasião de reclamar contra os erros que beneficiam outros e se cala, muito bem caladinho, quando o beneficiário é o Sporting-como sucedeu no decisivo Sporting- Porto ou ainda na semana passada, no Sporting-Académica - o que julgará: que alguém lhe reconhece autoridademoral na matéria?

4- O Sporting limpou o jogo de Braga com toda a eficácia do mundo: quatro oportunidades, três golos. E fez o pleno: livrou-se de ter o Braga nos calcanhares, manteve-se na luta pelo título, fez descansar jogadores e viu nascer Pinilha. Uma aposta ganha em toda a linha e com todo o mérito. Quinta-feira o Sporting joga na Holanda um jogo que só pode ganhar. Nunca, creio eu, uma equipe portuguesa dispôs de tamanhas condições favoráveis para ganhar uma competição europeia. Nunca a Taça UEFA foi tão acessível como este ano, em que, depois da fase de grupos,não estava presente nenhuma das principais equipas da Espanha, da Itália, da Inglaterra, da Alemanha, da França, da Escócia, da Grécia.
Nunca um estreante em jogos europeus, totalmente desconhecido, como o AZ Alkmaar, chegou às meias-finais e, ainda por cima, com meia equipa indisponível. Nunca se tinha visto uma equipa fazer o que o Parma fez na outra meia-final: alinhar com a reserva, para se poupar para o campeonato. Nunca, enfim, uma equipa portuguesa tinha chegado a uma meia-final com o estímulo de saber que, se a ultrapassar, jogará a final no seu próprio estádio. É, verdadeiramente, uma oportunidade imperdível.


5- O Braga despediu-se do título e, provavelmente, da Liga dos Campeões. E morreu, perante o Sporting, com as armas com que se habitou a matar: o contra-ataque. O contraataque é, de facto, uma arma temível, se se dispõe de jogadores para esse tipo de jogo e se ele está muito bem ensaiado. Mas dificilmente alguém consegue ganhar uma competição apenas
com base no contra-ataque. Há sempre uma outra equipa que faz o mesmo ou outra que marca primeiro e obriga o especialista no contra- ataque a mudar de sistema e ter de ir atrás do prejuízo. Os campeões são normalmente os que estão disponíveis para assumir sempre as despesas do jogo, ou, ao menos, para alternarem, de vez em quando. O Sporting pôs a
nu essa debilidade do Braga, mas não fez esqueçer o belo campeonato feito pela equipa do Minho. E que, aliás, não merecia ter sido manchado pelas declarações de maus perdedores com que encaixaram duas derrotas sucessivas, ditadas apenas por debilidade própria. O Braga fez um belo campeonato, mas convém não esqueçer que, muitas vezes também, beneficiou
de arbitragens favoráveis e da compreensão da crítica... precisamente porque não é um grande e há sempre aquela tendência de estar com os mais fracos.

6- Nunva vi, nem sabia que havia, tantos admiradores de José Mourinho. Há para aí gente que só agora, depois de ele ter deixado o FC Porto, é que o reconhecem como grande treinador e grande embaixador de Portugal no Mundo. Aposto que até o Presidente da República, que não se lembrou de o condecorar quando ele trouxe para Portugal a Taça UEFA e a Taça dos
Campeões, desta vez não se vai esquecer dele... Todos os louvores são devidos, até porque há uma coisa que não tem sido notada: este Chelsea, de Mourinho, é francamente mais fraco do que era o FC Porto de Mourinho, que ganhou a Liga dos Campeões e, sobretudo, aquele que ganhou a Taça UEFA em Sevilha. Pela minha parte, devo ter visto, esta época, uns doze
jogos do Chelsea e, tirando o jogo contra o Barcelona (onde o Barcelona jogou até melhor), nunca os vi fazer um jogo de encher o olho. Pelo contrário, tudo aquilo é frio, científico, preparado ao pormenor,chegando a parecer que até os inúmeros golos de ressalto foram previstos. Essa capacidade de previsão, organização e planeamento de jogo é a marca inconfundível do génio de Mourinho. Porque, de resto-e esta é uma pessoalíssima opinião - o Chelsea não tem mais do que cinco verdadeiros grandes jogadores: o guarda-redes Peter Cech, os centrais John Terry e Ricardo Carvalho, o capitão Frank Lampard e o striker Didier Drogba. Os grandes méritos da equipa, para além da autodisciplina e organização de jogo, são uma defesa fantástica (13 golos em 34 jogos da Liga Inglesa!) e uma preparação física notável, quase incompreensível. E, claro, aquele insaciável vício de vencer que José Mourinho já passou a toda a equipa e que é uma fé que move montanhas.
Veremos se esta noite move também a montanha de Liverpool.

7- Sejam quais forem os resultados de Liverpool e de Eindhoven, amanhã, fica- -me uma fraca impressão desta época futobolística europeia: nenhuma equipa esteve próxima de deslumbrar pelo futebol jogado. Os vencedores potenciais, como Chelsea e Milan, são os que conseguiram gerir melhor o cansaço, o excesso de jogos e as oportunidades de vencer.
São, sobretudo, equipas pacientes, persistentes, resistentes. Mas, francamente, a Europa já viu bem melhores anos. PS. Àqueles supostos humoristas, sem graça alguma, das «Crónicas do Zé Manel», que passam a vida a meter-se comigo, eu queria apenas responder à frase final da sua última crónica: «para que servem os jornalistas, se não vêm o que o país inteiro já viu?» Primeiro: não é «o país inteiro », são apenas os sportinguistas e os benfiquistas como eles, com dor de cotovelo das vitórias do Porto.

Segundo: alguns jornalistas servem precisamente para lembrar que, no «Apito Dourado» ou em qualquer outro processo criminal, a verdade dos factos e a culpabilidade das pessoas não se estabelece em tribunal popular nem por vontade da maioria,mas sim após uma acusação, uma defesa, um julgamento e uma sentença transitada em julgado.

E, ao contrário do que conviria ao primarismo dos srs. Góis e Araújo Pereira, numa democracia a sério a ninguém que escreva em jornais, seja jornalista ou humorista, é lícito fazer a acusação, prescindir da defesa e dar a sentença de processos emque os suspeitos ainda nem sabem de que são acusados e emque termos. Quanto ao resto, nem vale a pena gastar espaço com as baboseiras deles.

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