sábado, maio 29, 2004

E VIVA ABRIL! ( 27 Abril 2004)

1 - Meia-hora antes de soarem as badaladas da meia-noite, assinalando os trinta anos sobre o 25 de Abril, o FC Porto sagrava-se pela 20ª vez campeão nacional de futebol, fazendo com que, no Porto, os festejos da liberdade se confundissem com os da vitória portista e que,em Lisboa, o fogo de artíficio sobre o Tejo se confundisse no meu espírito com a festa do Porto - de onde tinha acabado de regressar.

Influenciado pela coincidência dos festejos, dei comigo a pensar na relação histórica entre o 25 de Abril e as vitórias portistas no futebol. Antes do 25 de Abril, parecia-me de todo impossível ver o FC Porto campeão um dia - o Benfica era o clube do «bom povo português» e o Sporting o clube da boa gente do regime. O FC Porto era o parente pobre da província, que fazia ocasionalmente de animador das vitórias dos outros dois. Foi preciso esperar pela liberdade e esperar que a Revolução se transformasse em Evolução e a democracia em normalidade, para que o FC Porto chegasse finalmente ao título. De então para cá, nestes vinte e sete anos decorridos, o FC Porto foi campeão quinze vezes - se os outros foram os campeões do antigamente, o FC Porto é, indiscutivelmente, o campeão do período democrático. E , então, perguntarão? Então, nada. Não há conclusões, apenas e decerto uma coincidência.

2 - Desta vez, fomos campeões no hotel, tal como Mourinho tinha antecipado. E foi bonito de ver a festa espontãnea entre os jogadores e os adeptos e ouvir Mourinho dizer que,naquela noite, podiam beber o que quisessem e deitarem-se às horas que quisessem. Os jogadores também são humanos e ninguem mais do que aqueles tinha direito à festa e, enfim, a uns dias de descontracção. Mas foi também bonito de ver que,se calhar até com alguns ainda de «ressaca» , no dia seguinte os jogadores não facilitaram contra o Alverca - em nome do respeito pelas camisolas e pelos adeptos que enchiam o estádio e em nome da verdade desportiva da luta no fim da tabela. Um notável exemplo de profissionalismo, desta filosofia de «trabalho é trabalho, cognac é cognac», desde grupo irreproduzivel de jogadores. E se o resultado pareceu magro, é porque, de há um mês para cá, as bolas teimam em não entrar nas balizas dos adversários do FC Porto: ou porque eles se defendem com onze dentro da balizae toda a espécie de anti-jogo, como fez o Corunha, ou porque as traves substituem vezes de mais os guarda-redes ou também porque o cansaço e a desinspiração cobram a sua factura de final de época.

3 - Mas, de qualquer maneira, aí vão nove pontos de avanço sobre o Sporting - os mesmos que, segundo Dias da Cunha na sua peculiar e unilateral matemática, as arbitragens «roubaram» aos leões. E com os quais, acrescentava ele antes da derrota em leiria, o Sporting iria «largamente à frente do Campeonato». O problema do presidente da SAD do Sporting não é apenas as extraordinárias coisas que diz e que revelam um agudo sentido de verdade e justiça e um carácter de genuíno fair play. É tambem a infelicidade doa momentos que escolhe para as dizer.

Só faltava agora que...não, isso também era demais, era impensável. Imaginar que o «campeão moral da época», depois de uma brilhante passagem pela Taça de Portugal e pela Taça UEFA, viesse ainda a acabar o Campeonato em terceiro lugar, tal como no ano passado, não, isso não cabe na cabeça de ninguem. Seria a última perfídia do «sistema».

4 - E, a despropósito: será que vai acabar o campeonato e vai tudo de férias ou para o Euro sem se saber o resultado do inquérito à camisola rasgada do Rui Jorge? Não terá passado aainda tempo suficiente para que as «esmagadoras provas» apresentadas pelo Sporting permitam chegar à inevitável conclusão?

5- Por falar em Rui Jorge, é também impensável que um esquecimento burocrático do departamento médico do seu clube resulte num castigo para o jogador e no seu afastamento do Euro. Dizia o Rui Jorge, e com razão, que além do mais, haverá sempre alguém a pensar que ele se dopou, por mais que a simplicidade dos factos seja explicada, uma e várias vezes. Eu, que também já sofro de rinite crónica, a que só uma operação pôs termo, e que tantas vezes tomei aquele remédio, compreendo bem a revolta de quem vê outrem a confundir, por má-fé ou por inércia burocrática, doping com o que não passa de um banal medicamento para aliviar um mal-estar que só que nunca teve não consegue imaginar. Sempre achei que não há frase mais estúpida do que a célebre «dura lex, sed lex». A lei não é nenhum Boi Apis, inamovível mesmo quando a sua aplicação resulta no oposto da sua intenção. Espero bem que haja o mínimo de bom-senso no desfecho deste caso.

6 - José Mourinho não se conteve e falou antes do tempo: não lhe custava nada, mesmo nada, ter guardado para si os convites do estrangeiro e que tão visivelmente o tentam. Ao falar disso agora, acrescentando que «nos proximos dias» teria de falar do assunto com a SAD do FC Porto, Mourinho passou um mau exemplo aos jogadores: o de que é lícito estar já pensar e a falar do próximo contrato, quando o clube que lhes paga agora e que os projectou para a glória e para o mercado e os adeptos que tão infatigavelmente os têm apoiado esperam ainda deles um ultimo e supremo esforço. Quando se vivem os dias mais decisivos da última década da história do clube.

7 - E agora que Mourinho sonha com o estrangeiro, é curioso lençar um olhar, ainda antecipado, ao desfecho prevísivel para a carreira internacional dos nossos treinadores - que nunca foi tão alargada como nesta época. Carlos Queiroz, ao lem da melhor equipa da historia do futebol, está a um passo de tudo falhar e ter de bater em retirada. O mesmo sucede a Artur Jorge,à frente do campeão russo, e de Humberto Coelho, seleccionador da equipa selecção do ultimo mundial. Jaime Pacheco aguentou dois meses em Espanha e Toni umas semanas na China. Manuel José marca passo no Médio Oriente, onde Nelo Vingada vai-se aguentando, e o unico que parece estar bem é Neca, à frente da selecção...das Maldivas! - pelo menos bateu o pé à Coreia do Sul, de Humberto Coelho. Depois do grande êxodo deste ano, iremos assistir ao grande regresso?

8 - Termino como comecei: com o 25 de Abril e essa coisa tão complicada pra uns e tão simples para outros, que é a liberdade. No dia em que, logo pela manhã, assisti ao descerramento pelo Presidente Sampaio de uma placa no Largo do Carmo contendo um poema da minha mãe sobre esse dia inesquecível ( afixado no excato local onde o meu pai, nessa longínqua outra manhã, subiu à guarita do quartel como porta-voz de Salgueiro Maia), nesse mesmo dia,isto é,domingo passado, recebi extraordinárias notícias de amigos madeirenses. Contaram-me eles que a rádio, a televisão publica e a imprensa escrita do Funchal passaram um dia inteiro a insultar-me e a dar voz e guarida a todos os que pretendiam insultar-me. Depois, telefonou-me um jornalista daqui a pedir-me um comentário à notícia de que o presidente do Nacional da Madeira, não contente com o comunicado inqualificável que o seu clube me dedicou,propõe-se ainda processar-me. E, tudo isto, porque eu escrevi:

a) que o Nacional da Madeira só se aguenta na Superliga graças aos subsídeos do Governo Regional;

b) que jogou contra o FC Porto com doze estrangeiros e dois portugueses;

c) que tem um «Estádio» que parece um quintal rodeado por um arame e onde é impossível jogar bom futebol;

d) que tem um coro de mulheres que parece um coro de berberes histéricas, gritanto durante todo o jogo aos microfones da televisão;

e) e cuja cantam infatigavelmente o Bailinho da Madeira, provávelmente a pior música do mundo.

Ou seja, três factos indesmentíveis e duas opiniões banais, mesmo que irónicas. Grande insulto, enorme ofensa, dizem eles. E ofensa, desculpem, à REGIÃO! - que, pelos vistos, se confunde com o Nacional da Madeira.

Se é verdade que o 25 de Abril demorou três anos a chegar ao futebol, o mais grave- e agora, sim a sério - é que, ao fim de 30 anos ainda não chegou a alguns madeirenses que, infelizmente, se afirmam representantes de todos os outros e que tem da liberdade de expressão esta particular noção: os insultos, na boca deles, são livres e abençoados; as criticas, na boca dos outros, são ofensas à Madeira. Por mais gente que a gente se iluda, a triste verdade é que a democracia e a liberdade não se impõem nem por eleições, nem por decreto, nem por hábito: faz parte da educação com que se nasce. Agradeço aos meus pais terem-mo ensinado desde pequenino.


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