sábado, abril 24, 2004

A paixão de Bruno ( 20 Abril 2004)

1- Ausente doPaís, não tive ocasião de ver o Boavista-Sporting, que definitivamente encerrou a vaga ilusão (não mais do que isso), de o Sporting discutir com o FC Porto o título até final, tirando partido do cansaço crescentemente acumulado dos portistas, coma sua batalhaemtodas as frentes. Li, depois, que os dirigentes, treinador e jogadores do Sporting se revoltaram contra a arbitragem de Bruno Paixão, a quem atribuíram, em exclusivo, a responsabilidade pela derrota, chegando alguns a sugerir a irradiação ou afastamento definitivo, por despromoção, do árbitro de Setúbal que, segundo eles «deixou de ter condições para dirigir jogos do Sporting».Na imprensa desportiva do dia seguinte, li depois que eram dois os factosemque se concretizava a revolta sportinguista: umpenalty por marcar contra o Boavista e a expulsão de Rui Jorge, quando oSporting ainda ganhava por 1-0. Enfim, no painel de ex-árbitros deOJogo (tantas vezes citado por sportinguistas como fonte idónea e definitiva), li que, unanimente, achavam eles que não houve penalty algum, mas,emcontrapartida concordavam que a expulsão havia, de facto, sido injustificada. Temos, pois, que as razões da revolta sportinguista se resumem a isso: a expulsão injusta de Rui Jorge. Para trás ficaram, entretanto— e como nos recordava a edição de ontem deste jornal — três anos e 12 jogos arbitrados porBruno Paixão em que o Sporting foi parte e jamais encontrou razões de reclamação. Assim sendo, a segunda conclusão impõe-se por si: bastou a primeira de 13 arbitragens de que não gostaram para que os responsáveis sportinguistas chegassem à conclusão de que Bruno Paixão tinha deixado de reunir condições para voltar a arbitrar jogos do seu clube. Houve, porém,umaexcepção— et pour cause—a este passado virgem de queixas sportinguistas relativamente a Bruno Paixão: Fernando Santos lembrou que esta era a segunda vez que «via vermelho » com a actuação deste árbitro. Compreende-sebemque ele se lembre e os responáveis do Sporting não: é que Fernando Santos estava a referir-se ao celebérrimo jogo do FC Porto emCampo Maior, em queBrunoPaixão surgiu comoum cometa vindo do além na arbitragem portuguesa, assinando aquela que foi—juro-o, com toda a sinceridade — a mais vergonhosa, a mais tendenciosa e a mais despurada arbitragem em prejuízo de uma equipa que alguma vez vi, ao vivo ou na televisão, em mais de quarenta anos a ver futebol. Só que, ironia da história, nessa noite em CampoMaior e graças aBrunoPaia xão, o FC Porto perdeu a possibilidade de conquistar o sexto título consecutivo e quem saiu a ganhar com aquele inqualificável momento de vergonha absoluta foi precisamente o Sporting, que aí ganhou as esporas de campeão dessa época. Alguém ouviu, então, aos responsáveis sportinguistas, uma palavra que fosse sobre a exuberante falta de qualidade e de isenção de Bruno Paixão? Não, obviamente. E, muito embora este árbitro, que em Setúbal toda a gente sabe que cor defende, tenha continuado, de então para cá, a revelar uma total falta de qualidade e de categoria, os sportinguistas nunca entenderam necessário preocupar-se com o assunto, porque nunca antes de sábado passado no Bessa tiveram razões de queixa dele, antes pelo contrário. E foi assim, com cumplicidades destas, que Bruno Paixão chegou onde chegou: a internacional. Ele, que nasceu para tudo menos para arbitrar jogos de futebol. Sem embargo, repito o que já aqui disse uma vez: é incrível que não haja árbitros afastados tão logo se percebe, em início de carreira, que não têm qualquer aptidão ou vocação para o ofício.Éincrível, que bem à portuguesa, eles vão subindo sempre, paulatinamente e por piores que sejam, por simples antiguidade e regra do «deixa andar».

2-Já que estou com a mão na massa, não posso deixar de referir outro exemplo de um árbitro que, pelo que lhe vi fazer no outro dia (e eu, ao contrário de outros colunistas desportivos, não guardo registo organizado de árbitros e arbitragens), me parece um caso gritante de falta de qualidade e vocação. Refiro-me a João Ferreira, que esta quarta-feira passada na Madeira, arbitrou o Nacional- FC Porto. Para que não haja dúvidas, esclareço, todavia, que não foi por culpa do árbitro que o Porto não ganhou aquele jogo:não houve qualquer caso determinante e mal ajuizado tecnicamente. Em contrapartida, a actuação do árbitro foi decisiva para que se assistisse a um péssimo jogo de futebol. Começou por não ser capaz de distinguir jogo viril de jogo violento e de jogo deliberada e sistematicamente faltoso, permitindo, numa primeira fase, que o Nacional intimidasse os jogadores do FC Porto, naturalmente receosos que aquelas entradas de arrasar os viessem a afastar, por lesão, do decisivo jogo com oCorunha, já amanhã.Umfulano chamado Cleomiro teve três entradas violentas a adversários, no espaço de cinco minutos, terminando o jogo sem ver sequer um amarelo.Umoutro, chamado Fernando Cardoso, teve uma entrada pontapé directo à cara do Deco que, em qualquer lado do Mundo, daria direito, nem sequer a vermelho directo, mas a cartão negro e queixa-crime: ficou-se o árbitro pela marcação da falta e nada mais. Ao intervalo tudo mudaria de figura, ao sabor da disparidade de critério do árbitro: avisadamente, Mourinho tirou Deco, depois de o ter visto escapar milagrosamente a três entradas para rachar. Os jogadores doFCPorto entraram também a responder no mesmo tom, Maniche viu o árbitro perdoar-lhe um vermelho directo, ao mesmo tempo que desatou a mostrar amarelos aos portistas por coisas simplesmente ridículas. Balanço final: três amarelos para os jogadores do Nacional e oito para os do FCPorto. Quem não tenha visto o jogo, deve ter imaginado que o Porto é que deu um festival de pancada. Este JoãoFerreira mostrou não ter qualquer critério disciplinar, exibiu uma confrangedora incapacidade de defender o futebol do antijogo e, tendo virado o critério da primeira para a segunda parte, passando de um total laxismo para uma fúria justiçeira ridícula, acabou a estragar o jogo e a inverter por completo a «verdade disciplinar» daquilo que se passou em campo.

3-Já agora, mais uma nota sobre este jogo de há seis dias atrás. Não foi apenas a total incompetência do árbitro que tornou impossível que as duas equipas que, segundo Mourinho, melhor futebol jogam neste Campeonato dessem umespectáculo que o próprio Mourinho reconheceu não valer o preço do bilhete. Diversos outros factores contribuíram para isso e eles são motivo de meditação, sobretudo para aqueles que defendem que um campeonato com dezoito equipas é excelente, desportivamente atraente e economicamente viável. A ver: a)—ONacional, enquanto clube da Superliga, não existe: é uma ficção, sustentada pelos dinheiros do governo regional, ou seja pelos contribuintes do continente. Sem prejuízo da justiça devida ao campeonato que tem feito, ao lugar que ocupa e a algumas boas exibições que tem protagonizado, a verdade é que só por ficção se pode dizer que faz parte do campeonato português: contra o FC Porto e sob o comando de um treinador brasileiro, exibiram- se dez brasileiros ( e não pôde jogar o Serginho Baiano), um argentino e... dois portugueses. Há equipas estrangeiras que têmmais portugueses do que o Nacional da Madeira. b)—Oestádio onde se exibe esta equipa sul-americana do campeonato português não chega sequer a serumcampo de IIIDivisão: éum quintal do terceiro-mundo, rodeado rodeado de arame emtrês lados e com o quarto lado preenchido por uma amostra de bancada para 2000 pessoas. Écertamente o único estádio de qualquer campeonato europeu onde as transmissões televisivas dos jogos (com a câmaramontada nessa única bancada), não mostram umúnico espectador—o que, como espectáculo, é simplesmente fantástico. c)—Nessa pobre e solitária bancada habitam os adeptos locais, que passam um jogo inteiro a arengar o banco da equipa adversária (cujo treinador deve ficar muito quietinho sem se atrever a pôr a cabeça de fora, sob pena de consequências desagradáveis), e a desesperar os ouvidos e a paciência dos espectadores televisivos, vomitando para cima dos microfones da televisão um insuportável bailinho da Madeira (talvez a pior música do Mundo), animado por um rufar ininterrupto de tambores que serve de pano de fundo aumaespécie de coro histérico de mulheres berberes (consabidamente a pior música do Mundo).Se aquilo põe os nervosem franja aos espectadores, imagino o efeito que não causará aos jogadores adversários. Deve ser esse o objectivo pretendido. d) — O quintal, como é óbvio, tem dimensões mínimas, como convém aomau futebol, nivelando por baixo todas as equipas: as que sabem e querem jogar bem e as que não sabem e odeiam as que sabem. e)—Para agravar mais ainda as coisas, o quintal está exposto a todas as condições climatéricas adversas, que, quarta-feira passada, consistiamnumvendaval que varria o campo num sentido, originando jogadas caricatas, e numa humidade colada à relva que fazia de alguns jogadores aprendizes de patinadores no gelo. Uma delícia para o futebol de qualidade que se diz pretender. f)—Enfim, os rufadores de tambores e o coro berbere estão ali com a intenção, legítima, de ajudar a sua equipa a vencer. Mas, e como tantas vezes sucede por esses estádios fora, esse parece ser o seu único desejo: ver futebol não faz parte do programa. Por isso, os bons jogadores do adversário são insultados e assobiados, mesmo quando se rebolam no chão depois de levaruma castanhada daquelas que deveriam fazer corar de vergonha e indignação qualquer amante do futebol. Para que servem os dez novos estádios do Euro e os investimentos feitos no Euro para melhoria da qualidade do nosso futebol, quando esses estádios e essa melhoria teórica têm de conviver na mesma competição com coisas terceiromundistas como este chamadoEstádio da Choupana? E pensar que um bilhete ali custa o mesmo que um bilhete no Dragão!

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