quarta-feira, abril 14, 2004

Nunca tanto foi pedido a tão poucos ( 13 Abril 2004)

Após o recente Portugal Itália, Fernando Santos queixou-se de que apenas dispunha de dois dias para preparar a equipa, com os jogadores que tinham estado ao serviço da Selecção, para o próximo compromisso interno do Sporting. Todavia, dos três sportinguistas seleccionados para esse compromisso, um não chegou a jogar, outro jogou parte do tempo, e apenas Ricardo jogou o jogo todo, mas no lugar menos desgastante que é na baliza. O Sporting apenas jogava no domingo seguinte e os jogadores que foram à Selecção receberam a quinta-feira de folga. Agora, compare-se com o FC Porto: teve cinco jogadores na Selecção e um deles, o Costinha, veio a ser o único jogador pertencente a uma das oito equipas que ainda estavam em prova na Liga dos Campeões, a manter-se em campo o tempo todo, na desgastante função de médio defensivo. Do compromisso com a Selecção até ao próximo jogo interno, o FC Porto tinha ainda menos um dia de intervalo que o Sporting, pois jogava no sábado e, logo depois, quarta-feira em Lyon, um jogo determinante. Resultado: os seus jogadores não dispuseram de folga alguma, seguiram da Selecção directos para o clube. A factura pagou-a em Guimarães, com a primeira derrota no Campeonato. Seguiu-se a noite magnífica de Lyon, infelizmente só beliscada por aquele já imprevisto empate cedido no último minuto. Continuando sem direito a qualquer descanso, os jogadores regressaram de Lyon na madrugada de quinta-feira e sessenta horas depois já estavam em campo outra vez, frente a um Marítimo que soube explorar até quase ao fim o cansaço acumulado pelo seu adversário. Conseguida a vitória a cinco minutos do fim, os jogadores voltaram ao estágio e ao trabalho de imediato, mesmo com sacrifício do domingo de Páscoa, porque já amanhã estão de novo em acção, na dificílima deslocação ao campo do Nacional, onde se joga parte importante e porventura decisiva do desfecho do Campeonato. Três dias depois, no sábado, nova deslocação fora de casa, ao terreno do Beira-Mar, onde sempre o FC Porto encontra tradicionais dificuldades. Mais quatro dias e segue-se a grande jornada do Dragão, contra o Corunha, que pode abrir as portas do impensável sonho de chegar à final da Champions League. Outros quatro dias volvidos e outro jogo para o Campeonato, com o Alverca, em situação de desespero, e que pode ser ou a confirmação do título, ou a manutenção da luta com o Sporting ou um imponderável que ponha em risco um campeonato que já se tem por adquirido. Normalmente, seguir-se-ia finalmente uma semana sem jogo a meio, dando sete dias para preparar a próxima deslocação para o Campeonato — com foros de decisiva, se o Sporting não tiver escorregado até lá — e a jornada , essa sim decisiva, da Corunha. Mas sucede que Scolari, ao contrário de outros seleccionadores do Europeu, resolveu convocar mais um jogo de preparação para essa quarta-feira, e não me parece que vá prescindir dos massacrados jogadores do FC Porto. Daqui até final, poupo aos leitores à sequência do calendário dos portistas, até porque ele ainda não é inteiramente previsível: haverá de certeza a final da Taça contra o Benfica, pode haver ou não disputa do Campeonato até final com o Sporting, e pode haver uma final da Liga dos Campeões contra Mónaco ou Chelsea. Mas o que atrás fica descrito, a tal maratona infernal de sete jogos em 22 dias (fora a Selecção), revela até que ponto a tarefa dos jogadores portistas é quase desumana. Muita gente responsável, por essa Europa fora, tem já questionado várias vezes a terrível sobrecarga de jogos — entre campeonatos e taças nacionais, competições europeias e Selecções Nacionais — a que estão sujeitos os jogadores dos principais clubes. Por isso, se têm eles oposto determinadamente à louca ideia de acumular tudo isto com um Mundial de Clubes — um irresponsável projecto da FIFA, com o único objectivo de acumular receitas para si mesma, à custa dos jogadores e dos clubes que lhes pagam, e ainda com a inevitável consequência de gerar um efeito de saturação entre adeptos e telespectadores. Não é apenas o excesso de jogos que impressiona, pela exigência e desgaste físico que inevitavelmente traduz. É também o tremendo desgaste psíquico causado pela necessidade de ter de ganhar sempre, em dias de inspiração ou de desinspiração, em dias de sol, de chuva ou de nevoeiro. Uma equipa como o FC Porto desta época, que está na posição única entre todas as equipes europeias de poder ganhar tudo, acumula um desgaste psicológico que a torna, nesta altura da época, muitíssimo mais vulnerável aos assaltos de clubes mais pequenos e que normalmente não lhe poderiam causar danos: um Gil Vicente, um Marítimo, um Nacional. Quando oiço os treinadores destes clubes dizerem invariavelmente que o FC Porto é o favorito e que tem as responsabilidades todas de vencer, acho que são desculpas de quem não tema coragem de olhar para os factos e assumir, ao menos, parte dos riscos. Ao cansaço físico e psíquico vem ainda juntar-se o desgaste e a saturação com as viagens, os treinos, os estágios constantes, os dias de folga que são sistematicamente queimados, as semanas seguidas em que pouco sobra para a família, para o descanso, para a distracção ou o divertimento, enfim, para todas as outras coisas que são parte essencial da vida de cada um de nós, para além do trabalho. Por isso, esta equipe do FC Porto, que já cometera a incrível proeza de vencer tudo na época anterior, e que, ainda por cima, viu o azar das lesões levar-lhe o seu melhor jogador a meio desta época e a grande esperança que era, e é, o César Peixoto, logo a abrir a época, é credora de uma gratidão e um reconhecimento sem fim dos seus adeptos—e que, aliás, lhe não tem sido negado. Mas tudo o que se diga, tudo o que se reconheça, tudo o que se elogie, tudo o que se agradeça, é pouco ainda. Só uma enorme equipa, só — um por um — profissionais de excepção, e só um grande treinador e condutor de homens poderiam ter chegado até onde o FC Porto chegou, nestes últimos dois anos. Quando, nestes dias de euforia, em que já toda a gente pretende exigir ao FC Porto nada menos do que uma «natural» eliminação do Corunha (sim, é um clube mais pequeno que o FC Porto, mas tem quase o dobro do orçamento para o futebol...), seguida de uma vitória na Liga dos Campeões, José Mourinho tem toda a razão quando diz que a ninguém — sobretudo aos de fora—é legítimo pressionar ou exigir mais deste grupo de jogadores e respectiva equipa técnica. As exigências devem antes ser feitas sobre aqueles que apenas têm de jogar tranquilamente um jogo por semana, sobre aqueles que, quando chegam à Europa, falham sistematicamente na coragem e na força de vontade para ganhar, ou sobre a Selecção de Scolari, a que nada tem faltado para apresentar resultados que não se têm visto. Para melhor se poder avaliar aquilo que o FC Porto já conseguiu, em termos europeus, nem é preciso citar o ranking da CNN, onde o FC Porto surge esta semana como a equipa n.º 1 do Mundo (!). Basta atentar no destino das outras equipas que marcaram esta época europeia. O Manchester United, o clube mais rico e próspero do Mundo, perdeu o campeonato a benefício da Liga dos Campeões, onde, afinal, soçobrou às mãos do FC Porto, e resta-lhe a hipótese da Taça de Inglaterra. O Arsenal, que estava também nas três frentes até há dez dias atrás, tem o campeonato quase garantido, mas, em contrapartida, numa semana foi afastado da Taça de Inglaterra e da Liga dos Campeões. O seu carrasco europeu, o Chelsea — onde Abramovitch investiu mais de vinte milhões de contos em compras de jogadores esta época, conseguiu as meias-finais da Champions, mas está afastado da Taça e falhou, quase de certeza, o campeonato. O galáctico Real Madrid perdeu, no espaço de quinze dias, a Taça do Rei, as meias-finais europeias e a liderança do campeonato, pagando, como disse Luís Figo, a factura da exaustão física. O Mónaco, que cometeu a proeza de afastar o Real, pagou já o esforço com a perda da liderança do campeonato, esta semana, a favor do Lyon — a vítima do FC Porto. O Milan, campeão europeu em título, manteve a liderança do campeonato italiano graças a um golo de penalty a três minutos do fim, que, todavia, não compensa a imensa frustração da sua eliminação impensável na Corunha. E o Depor, finalmente, foi, a par do FC Porto, o único dos quatro semifinalistas da Liga dos Campeões que conseguiu vencer para o campeonato após a jornada de glória europeia. Mas foi cedo afastado da Taça do Rei e está praticamente afastado do título, disputado mano-a-mano por Valência e Real (mesmo assim, defendendo um terceiro lugar que lhe dá direito a acesso directo à próxima Liga dos Campeões). Ainda bem que internamente ainda tem alguma coisa a defender: talvez assim Irirueta não possa, como já disse ser o seu grande objectivo nos próximos dias, fazer descansar a equipa antes dos confrontos decisivos com o FC Porto. Ou seja: de todas as grandes equipas europeias do momento, o único que se mantém em todas as frentes e para ganhar é o FC Porto. O que quer dizer também que, de todos os quatro semifinalistas da Liga dos Campeões, o único que não pode descansar em frente alguma, que não pode encarar nenhum jogo despreocupadamente, que não pode folga rum dia, é o FC Porto. Nunca tanto foi pedido a tão poucos.

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