sábado, maio 29, 2004

A noite azul e branca( 4 Maio 2004)

A noite azul e branca



1. Logo à noite, no Riazor, o FC Porto vai jogar o seu jogo mais importante da última década. Não esquecendo a fantástica final de Sevilha, ainda tão presente no espírito dos portistas, tenho para mim que o acesso à final da Champions é mais importante que a vitória na taca UEFA: é mais importante desportivamente, financeiramente, em termos curriculares. Se o FC Porto conseguir chegar a Geselkirchen o mundo inteiro, dos Andes à Polinésia, vai ficar a saber o nome dos jogadores da equipa da segunda cidade portuguesa. Se o FC Porto joga o seu jogo mais importante da década, o Desportivo da Corunha joga, como disse o seu presidente, o jogo mais importante da sua existência até hoje. Só isso basta para dar conta da dificuldade da missão que espera os portistas esta noite. À mobilização geral de uma cidade, um clube e uma equipa que não antevêm outro resultado que não a vitória irá somar-se o ambiente infernal do Riazor — ao estilo de estádio inglês —, o apoio constante dos adeptos (de que o Dragão teve uma amostra eloquente, com os 4000 que lá estavam e que faziam mais barulho que os 45 mil portistas) e o momento de infinita confiança que respira o Depor e de que as últimas vítimas foram Queirós e o Real Madrid, tombados sem apelo nem agravo às mãos da quase reserva do Depor. E se a quase reserva do Depor chega para o Real, mesmo em crise, então imagine-se a dificuldade de enfrentar a primeira equipa, perante o seu público, no jogo mais importante da vida deles e sem trazer nas bagagens um só golo de vantagem. De que precisará o FC Porto para poder sair da Corunha com o bilhete marcado para a Alemanha? Sorte, arbitragem isenta e atitude de vitória. A sorte é essencial, pois não há campeões sem sorte, por mais mérito que tenham. Mas uma noite de profundo azar pode deitar por terra o mais perfeito dos campeões. É preciso, por exemplo, que o remate que vai para o golo, com o guarda-redes já batido, não seja devolvido pela barra, como sucedeu no jogo da primeira mão, com Maniche. É preciso também uma arbitragem que não deixe de ver o penalty que no Dragão não viu ou não quis ver e cujo preço poderá ser a eliminatória. E que também não se deixe ir no antijogo do Corunha, se eles porventura estiverem em vantagem e a administrar da forma tão antidesportiva como o fizeram no Porto. Nesse aspecto Collina, o inevitável Collina, é dos árbitros que mais medo me metem. Não apenas por ainda ter fresco na memória aquele golo mal anulado ao FC Porto, quando perdia nas Antas com o Real por 2-1, na fase de grupos desta edição da Champions. Mas sobretudo pelo ar imperial com que comete esse tipo de erros, quase sempre a favor do mais forte ou do que joga em casa. E o Corunha, embora possa não o parecer, é o mais forte: tem quase o dobro do orçamento do FC Porto. Atentas as terríveis dificuldades à partida, é essencial a atitude com que o FC Porto enfrentar o jogo. Neste tipo de confrontos decisivos, e em que se parte em desvantagem teórica, sempre fui adepto do «não esperar para ver». A audácia contra a contenção, a coragem contra a cautela: é apenas uma opinião, que vale tanto como a oposta. Não quero dizer que ache que a equipa entre desvairadamente ao ataque, mal soar o apito inicial de Colina, mas quer dizer que deve mostrar desde o início ao adversário que está ali para marcar o golo ou os golos de que precisa e não à espera de arrastar o jogo para prolongamento e penalties. Se me é permitido dizer, foi o inverso disto que o FC Porto fez no jogo da primeira mão, em que entrou com tantas cautelas e caldos de galinha que, quando deu por isso, já tinha passado metade do jogo sem criar uma oportunidade de golo. Penso, sinceramente, que a atitude de esperar para ver pode conduzir ao mesmo desastre que aconteceu ao Milan no Riazor. Ficou mais ou menos à espera (mas aí com a justificação de ter três golos de vantagem) e o Depor foi embalando: um, dois três, quatro. Todos sabemos que a chave da eliminatória vai depender da capacidade de o FC Porto marcar golos ao Depor — pelo menos um, por segurança dois ou três. Ora, há ano e meio que Molina não sofre um golo no Riazor, para as competições europeias. E nos últimos seis jogos, se a memória me não falha, o FC Porto, com a equipa A, a B ou a A+B, não conseguiu marcar mais de um simples golo. Como poderá Mourinho resolver o problema e ensinar à equipa o caminho de regresso aos golos? Eis a grande questão. Mourinho irá, de toda a certeza, fazer alinhar a equipa habitual dos grandes jogos: Baía mais os quatro indiscutíveis da defesa, o trio inamovível do meio-campo— Deco, Costinha, Maniche — e seguramente McCarthy lá na frente. Faltam dois. Um eu conto bem que seja o Carlos Alberto. Tenho lido muitas críticas depreciativas na nossa imprensa sobre este jo vem jogador brasileiro, longamente observado pelos responsáveis portistas e finalmente chegado em Dezembro. Mas tenho para mim que no jogo da primeira mão ele foi o único que mostrou capacidade de poder romper aquela muralha, jogando sempre para a frente e nunca para trás, e basta ver as opiniões dos jogadores do Corunha, somando às dos críticos franceses que o viram jogar contra o Lyon ou os ingleses que o viram jogar contra o Manchester, para perceber que eles não se deixam iludir: o Carlos Alberto é, de facto, dos jogadores que eles mais temem e por alguma razão será. Admitindo assim que Mourinho fará alinhar Carlos Alberto de início, falta um. Irá para o meio-campo, formando o habitual 4x4x2 desta temporada, e, nesse caso, a escolha será entre Pedro Mendes e Alenitchev ou, mais remotamente, Bosingwa? É provável, bastante provável. Sendo assim o onze de Mourinho para esta noite, isso significa que Derlei, a arma secreta, ficará à espera, embora seja quase certo que acabará por entrar. Ora era aqui, justamente, que eu queria chegar, àquela parte da música do Chico onde ele canta que «está provado que quem espera nunca alcança». E se o Derlei entrasse de início e o FC Porto jogasse em 4x3x3? Se o Derlei entrasse de início poderiam — poderiam... — suceder as seguintes coisas: — surpreender Irureta, que não estará à espera de tal audácia, não sabe em que forma se encontra o Derlei e teria de abordar o jogo e a esperada avalancha inicial do Depor com outras cautelas e outro respeito; — podia ser que o ninja, com toda a sua combatividade, aguentasse mais do que se espera, fazendo toda a primeira parte e um bom bocado da segunda; — podia ser que o Derlei renovasse a imaginação daquele ataque, que parece ter secado, e acabasse por contribuir para que o FC Porto conseguisse marcar e pusesse a pressão toda sobre o Depor — em lugar de esperar para o fazer entrar só quando a equipa tivesse de correr atrás do prejuízo. Ou seja, e se possível, parece-me mais avisado atacar primeiro e defender depois que o inverso. Isso passa pela atitude mas também pela composição da equipa. E esta, aliás, pode determinar aquela. Não custa nada especular, dirme-ão. Pois não: mas que mais se pode fazer numa hora destas? Desejar sorte, uma arbitragem isenta e uma atitude ganhadora, para que o sonho inimaginável de Geselkirchen seja possível. Força, dragão!

2. Tenho impressão de que nunca vi um Benfica-Sporting cujo resultado era absolutamente indiferente para o FC Porto em que todos os portistas que conheço estivessem a torcer pelo Benfica. Porquê? A resposta é só uma: Dias da Cunha. O presidente da SAD do Sporting conseguiu, em apenas dois anos, tornar-se aos nossos olhos a figura mais antipática, a referência mais antidesportiva e o personagem com mais mau perder do futebol português. Tornou-se de há muito completamente inútil rebater as suas verdades unilaterais, pois que já nada o satisfaz, nem sequer as arbitragens de Lucílio Baptista em Alvalade. Anteontem bastar-lhe-ia ter dito que o resultado foi injusto e toda a gente concordaria com ele. Mas acrescentar que o golo do Benfica «foi precedido de um livre marcado ao contrário» (quando, onde, quantos minutos, quantas centenas de metros atrás?) e que a invasão de campo de elementos da Juve Leo (queriam bater em quem — no Geovanni, no árbitro, no Fernando Santos, no Ricardo?) «aconteceu pela acumulação de faltas julgadas ao contrário» mostrou, uma vez mais, que em circunstância alguma ele será capaz de aceitar uma derrota sem esfarrapadas, monótonas e ridículas desculpas de mau pagador. E o que é curioso é constatar que, quanto mais ele aprimora o seu estilo, mais o Sporting vai acumulando derrotas— no futebol e em tudo o resto. «Deus não dorme», como dizia o Mário Mesquita.

3. O que se está a passar com Ricardo começa a ser penoso de assistir. Quarta-feira e domingo passado, mais uma vez os factos vieram dar razão ao que aqui escrevi há cerca de um ano: que os guarda-redes da Selecção deveriam ser o Moreira e o Baía. Mas, porque os outros dois tenham passado toda a época em melhor forma, isso não significa que o Ricardo tenha deixado de ser um bom guarda-redes, bem melhor que aquilo que tem mostrado ultimamente. Todavia, a pressão de saber que mais de metade da opinião pública acha que ele não deveria ser o titular indiscutível da Selecção, sem que ao menos aos outros fosse dada uma oportunidade, não tem contribuído em nada para o seu desempenho. Veremos se o problema criado por Scolari não irá ter consequências ainda mais desagradáveis no Euro.

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