sábado, fevereiro 28, 2004

Uma semana difícil ( 13 Janeiro 2004)

1- A Instituição teve uma semana difícil, verdadeiramente complicada. E o motivo para isso não foi, ao contrário do que se possa pensar, a derrota com o cada vez mais eterno rival da Segunda Circular nem sequer a paupérrima demonstração de falta de categoria que a acompanhou. Como diz José Antonio Camacho, «não entendo que, por se perder um jogo, todos critiquem ». Também não foi o empate de domingo em Leiria, em que, bem vistas as coisas, tudo poderia ter sido pior: afinal de contas, aquela despassarada defesa apenas voltou a consentir três golos, que teriam sido cinco não fosse o Moreira (digo-vos, ó instituídos, a vossa Direcção agora parece que quer o Quim mas este rapaz que vocês têm na baliza bem justifica que façam essa economia e gastem o dinheiro, por exemplo, que sei eu, a comprar um par de centrais com algum jeito para a função). Não foi, pois, pelo lado da equipa de futebol que a Instituição viveu uma semana difícil. Mesmo coisas que podem parecer evidentes a alguns adeptos ignorantes— como esse disparate de achar que a equipa trabalha pouco— não são verdade. É certo que na semana antes do derby descansou mais um dia que o rival e logo a seguir à derrota, enquanto este voltava a trabalhar, a Instituição voltou a descansar. Mas logo na terça-feira foi ver os rapazes da Instituição a fazerem um tão intenso treino de duas horas que até tiveram de descansar na quarta e, como diz José Antonio Camacho, trabalha-se no Benfica tanto como nos maiores clubes do Mundo e o fundamental é que «se preservem os pilares colocados». Por isso é que os pilares voltaram a descansar no sábado, recuperando forças da longa viagem entre Lisboa e Vieira de Leiria. Ao contrário do que igualmente se possa pensar, também não foi aquela confusão entre o presidente e o vice-presidente que motivou a difícil semana da Instituição. É verdade que afinal acabámos por não perceber se se amam ou se se odeiam, se conspiram mutuamente ou se confiam um no outro cegamente. Ficámos apenas a saber, por comunicado, que, tendo sido eleitos com 90 por cento dos votos, representando um largo universo de seis milhões de benfiquistas, é natural que haja saudáveis diferenças de opinião entre eles — afinal de contas, 90 por cento de seis milhões de opiniões são muitas opiniões. Ficámos também a saber que tudo não passou de um mal-entendido acerca da filiação clubística de alguém contratado para o decisivo sector da propaganda e que alguns espíritos sempre atentos identificaram como um sportinguista infiltrado (a propósito, que será feito do ex-portista arrependido que ocupava funções idênticas na Instituição?). É que, como explicou alguém da casa, o problema não era apenas o de dormir com o inimigo, era a própria designação da Instituição que estava em perigo. Se, até aqui e ao que parece, já havia quem, lá na sombra dos corredores, andasse a murmurar que aquilo mais parecia o Sport Alverca e Benfica, agora corre-se o risco de murmurarem que parece o Sporting Alverca e Benfica. E isto, note-se, dito por pessoas da casa, intramuros, e não por algum daqueles arruaceiros do Fê-Cê-Pê, como aqueles que em Santa Apolónia andaram a anavalhar sportinguistas disfarçados de claque benfiquista! Não foram, pois, os resultados da equipa de futebol, nem os do vólei, do básquete, do hóquei ou do futsal—tudo derrotas —, que abalaram esta semana a Instituição. Nem sequer o foram as guerras intestinas na SAD ou o comportamento público das claques. Nada disso. O que verdadeiramente abalou a Instituição foi o caso do Evandro. O quê, não sabe o que foi o caso do Evandro? Eu explico: o Evandro é um jogador do Rio Ave que, aos 85 minutos do jogo contra o FC Porto, nas Antas, seguia isolado a caminho da baliza do Baía quando o árbitro auxiliar o assinalou em offside inexistente (para haver offside, existente ou não, é forçoso que o jogador esteja sempre isolado... mas isso é um detalhe). Facto é que o Evandro ia isolado e sabe-se como o Evandro isolado é sempre letal. No caso concreto, embora seja certo que, em 85 minutos de jogo, nem o Evandro nem nenhum dos seus colegas havia criado uma ocasião de golo ou acertado com um remate na baliza do FC Porto, não restam dúvidas de que o Evandro se preparava para percorrer os 30 metros que o separavam da glória evitando todos os defensores no seu encalce e que, uma vez isoladíssimo frente ao Baía, se limitaria a perguntar «para que lado queres?». É verdade que, antes de o Evandro ser travado quando ia marcar um infalível golo, o trio de arbitragem também errou ao não ver uma grande penalidade, todavia pacífica, contra o Rio Ave. Mas isso não interessa: erros contra o FC Porto são erros saudáveis para manter a emoção no campeonato, os outros é que não se consentem. Não fosse o erro do árbitro auxiliar e o Rio Ave teria ganho, ou pelo menos empatado, nas Antas e a Instituição não estaria agora a 11 pontos do FC Portomas sim a uns confortáveis e estimulantes 8 ou 9 pontos, suficientes para «se preservarem os pilares colocados». Como escreveu um tal de Nélson Veiga, em A Capital, há sempre «um árbitro amigo que desenrasca os momentos mais complicados » do FC Porto. Foi assim— para não ir mais atrás—que, na época passada, o FC Porto ganhou a Supertaça, a Taça de Portugal, a Taça UEFA e acabou o campeonato, salvo erro, com uns 12 pontos de avanço sobre a Instituição. São esses árbitros amigos que dão as vitórias e os títulos ao Fê-Cê-Pê e abalam os sete pilares da sabedoria.

2- Nunca percebi a mentalidade dos treinadores que, nos jogos mais importantes, deixam no banco os melhores e mais criativos jogadores que têm disponíveis, privilegiando os jogadores de tipo destrutivo-defensivo, com os quais acham que o meio-campo fica «mais sólido», a equipa «mais compacta» ou «mais coesa» ou outros chavões que tais. Vítor Pontes, treinador do Leiria, fez isso contra o Benfica, deixando no banco, o jogo inteiro, aquele que é não apenas o melhor jogador da equipa mas um dos melhores deste campeonato, um desequilibrador nato: Caíco. Aliás, em minha ignorante opinião, Vítor Pontes fez tudo o que podia para não ganhar o jogo, preferindo sempre apostar em defender o que tinha conquistado, apesar da sua fraca defesa, em lugar de buscar o KO do adversário, aproveitando a facilidade com que o seu ataque lançava o caos e o pânico na patética defesa benfiquista. Acabou por conseguir um empate, salvo que foi pela categoria dos seus avançados.

3- A avaliar pelas análises da imprensa, há um novo valor a despontar na arbitragem portuguesa: trata-se de Pedro Henriques, de Lisboa, o já célebre sargento do Exército que gosta de apitar à inglesa. Voltei a apreciá-lo no Paços de Ferreira-FC Porto desta semana e confirmei que se trata de um árbitro com qualidades evidentes: grande presença física, acompanhando em cima cada lance, tecnicamente competente nos juízos, discreto e impondo uma autoridade natural e não espalhafatosa, fruto também da ideia de total equidade nos julgamentos que transmite. São qualidades essenciais e decisivas para se fazer um bom árbitro e não tenho dúvidas de que ele vai no caminho certo. Todavia, o tal critério de apitar à inglesa deixa-me muitas dúvidas, algumas delas inevitáveis para quem escolhe um critério de risco. Sem dúvida que este critério é o que melhor defende o espectáculo, evitando as sucessivas interrupções, as simulações de faltas e fitas, que caracterizam os nossos jogos-tipos. O problema é que Portugal não é a Inglaterra e os nossos jogadores não têm a mentalidade dos jogadores ingleses. A um árbitro liberal corresponde em Inglaterra uma atitude dos jogadores que não passa pelas faltas feias, porcas e sujas. Em Portugal, porém, o tipo de arbitragem privilegiado por Pedro Henriques conduz, quase inevitavelmente, a que os caceteiros habituais achem que têm carta de alforria para pôr em campo livremente os seus dotes de antijogo. E isso viu-se no Paços de Ferreira-FC Porto: à meia hora de jogo já o Maciel tinha sido ceifado três vezes por detrás, por entradas que, em Inglaterra, teriam conduzido, cada uma delas, a expulsão directa. Pedro Henriques assistiu às duas primeiras sem sanção disciplinar e à última, verdadeiramente bárbara, a justificar não um cartão vermelho mas um negro, ficou-se por um amarelo — prolongando disciplinarmente o critério de avaliação técnica, o que já não é admissível nem recomendável nem legítimo face às regras da FIFA em vigor. Se, como cheguei a temer, o Maciel tem sido lesionado com gravidade logo no seu jogo de estreia pelo FC Porto, como se sentiria hoje Pedro Henriques e que responderia ele quando o FC Porto lhe viesse exigir responsabilidades? Uma coisa é ter um critério largo e uniforme na apreciação das faltas, permitindo que o jogo tenha mais ritmo e mais tempo útil, outra, e bem diferente, é confundir isso com a complacência para com o antijogo e a violência que chega a pôr em risco a integridade física dos jogadores, de que o árbitro deve ser o primeiro protector.

4- Enquanto a Direcção do Benfica, entretida com coisas mais importantes, não houve de se preocupar ou dizer uma palavra sobre o comportamento das suas claques, que apredrejaram o autocarro do Sporting à entrada da Luz e deixaram em perigo de vida adeptos adversários, anavalhados por um jogo de futebol, aDirecção do Sporting não deixou passar em claro a atitude das suas claques, que não respeitaram ominuto de silêncio pela morte do antigo dirigente benfiquista Fezas Vital. Louve-se a diferença.

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