sábado, fevereiro 28, 2004

O caminho para o título ( 20 Janeiro 3004)

1. A segunda volta do campeonato virou com os três grandes a cavarem ainda mais o fosso que os separa dos restantes. Como o jogo de Braga eloquentemente demonstrou, é demasiadamente profunda a distância que vai entre os grandes e os médios. Quando Jesualdo Ferreira se queixa de que, ainda com 0-0 no arcador, Barroso falhou um remate à baliza que normalmente deveria dar golo, compreendemos como eram poucas as armas e os argumentos de que o Braga dispunha para fazer frente a um FC Porto que, quando tem apenas de se concentrar no campeonato, não dá hipóteses a ninguém. Nas próximas três semanas o F.C .Porto terá (à parte o Vilafranquense, amanhã) apenas o campeonato para se preocupar. Vai ser um período decisivo para o desfecho do campeonato. Se o Porto conseguir
alargar a distância para o Sporting, ou pelo menos mantê-la depois do jogo de Alvalade, gozará de alguma margem de segurança para o terrível período de Fevereiro-Março, em que se baterá em quatro frentes (Campeonato, Taça, Europa e Selecção), enquanto o Sporting descansará de domingo a domingo. E, se é verdade que o Sporting receberá na segunda volta Porto e Benfica, enquanto o Porto terá de deslocar-se a Alvalade e à Luz, também é verdade que, tirando essas duas saídas, todas as outras com maior grau de dificuldade já foram ultrapassadas pelos portistas: Braga, Guimarães, Bessa, Restelo, Funchal, Leiria. Caminhamos, pois, para aquele que merece a designação de «jogo do título»: o Sporting-FC Porto, daqui a 12 dias e que, apesar disso, tem gozado de uma infinatamente menor promoção mediática do que o defunto derby Benfica-Sporting. No countdown para o grande jogo de Alvalade,sportinguistas e portistas tentam ainda reunir novas armas de última geração: o Sporting com a contratação do médio Tinga e o ainda namoro ao «emigrado» Hugo Viana; o FC Porto com a aquisição do também brasileiro e médio Carlos Alberto e do também emigrante Sérgio Conceição, para além da muito esperada conquista de Maciel para preencher o buraco deixado
por Derlei. Nesta guerra particular, de que o Benfica parece ajuizadamente auto-afastado, a aquisição pelo FC Porto de Sérgio Conceição (em cuja contratação o Sporting estava, ou esteve pelo menos, manifestamente interessado), causou já uma reacção clara de «dor de cotovelo» por parte do presidente da SAD do Sporting, vindo dizer que se deveria olhar com atenção para as contas de «alguns grandes» (leia-se, por junto, o FC Porto). Ora, não obstante o Sporting não estar
claramente em situação de dar lições na matéria - não só pelas aquisições que também faz, como pelos défices de exploração, tão grandes ou maiores que os do FC Porto, que mantém-a verdade é que a observação de Dias da Cunha tem razão de ser e eu também a faço. Para tudo dizer numa simples frase, é minha convicção que a compra de Sérgio Conceição foi um erro da SAD do FC Porto. E foi um erro por diversas razões que posso passar a explicar:
a) Em primeiro lugar, do ponto de vista desportivo, e embora correndo o risco de vir a ter de engolir esta opinião (mas a função do analista é arriscar opinião antes e não depois), duvido que Sérgio Conceição, na sua forma actual e que já vem de bem atrás, tenha talento para integrar o onze actual do FC Porto, para mais afastando da titularidade algum dos que lá se encontram actualmente. É verdade que se trata de um flanqueador, posição em que o FC Porto ficou este ano notavelmente desfalcado, e que isso pode permitir o regresso ao 4x3x3 clássico de José Mourinho, cujo abandono fui o primeiro a lamentar. Mas para isso era necessário que se tratasse do Sérgio Conceição que conhecemos ao serviço do FC Porto e não aquele que tem sido sistematicamente remetido para o banco de suplentes de todas as equipas por onde vem passando ultimamente, Selecção incluída.
b) Depois, o Sérgio Conceição, e muito legitimamente, é um jogador que aceita muito mal o banco de suplentes e que chega também legitimamente convicto de que vai ser titular indiscutível -o que poderá vir a ter consequências negativas no espírito da equipa;
c) Em terceiro lugar, e ainda sob o aspecto meramente desportivo, trata-se do terceiro jogador, para além de Maciel e Carlos Alberto, que, no espaço de semanas,
necessita de ser integrado e absorvido pela equipa, para além de todos os novos que chegaram este ano, como o Nuno, o Bosingwa, o Pedro Mendes, o Ricardo Fernandes, o Bruno Moraes, etc. Com tantas novidades, corre-se o risco de não aproveitar mais do que um ou dois;
d) Em quarto lugar, eu sempre fui contra os plantéis extensos, que me parece só terem desvantagens, quer desportivas quer financeiras, e sempre me fez confusão porque é que qualquer equipa portuguesa, com muito menos jogos durante a época, tem de ter plantéis notavelmente maiores do que as equipas inglesas, italianas ou espanholas. Não percebo como é que, para mais existindo equipas B e juniores para ir lançando, se trabalha uma época inteira com plantéis de trinta ou mais jogadores, dos quais só vinte, quanto muito, são verdadeiramente utilizados.
e) Em quinto lugar, se o facto de contratar um jogador que não pode jogar na Liga dos Campeões, como o Maciel, mas que veio substituir internamente o Derlei,
é uma medida tornada necessária pela força das circunstâncias, já comprar dois na mesma situação não é uma necessidade mas um luxo.
f) Finalmente, venha o Sérgio Conceição pelo tempo que vier, custa a compreender como é que um clube que ainda recentemente teve de recorrer a um empréstimo obrigacionista para resolver dificuldades de tesouraria, que mantém um défice de exploração crónico e assustador que se deve quase exclusivamente aos custos com a manutenção de um pequeno exército de jogadores sob contrato, vai contratar ainda mais um, que não serve para a Liga dos Campeões-o maior objectivo desportivo e financeiro-que internamente não aparece como reforço indispensável e cujos salários serão, certamente, ao nível máximo praticado na equipa. Pode ser que eu venha a estar enganado, mas, para que tal suceda, é necessário que no fim da época se possa dizer que o FC Porto não teria sido campeão sem o Sérgio Conceição. E duvido muito, muitíssimo, que venha a ser o caso.
Felizmente, aliás.

2. Na crónica do Benfica-Boavista, Santos Neves «executou» sumariamente o árbitro Elmano Santos, acusando-o de «só ele não ter visto aquela grande penalidade sobre o Nuno Gomes » e de ter sancionado dois offsides inexistentes. É engraçado como entre nós as decisões dos árbitros, que são necessariamente subjectivas, não gozam de qualquer contemplação por parte da crítica, mas já as próprias análises críticas, que também são subjectivas, adquirem uma aura de objectividade incontestável que, todavia, nada de especial justifica. Tenho visto inúmeras vezes como, nesta matéria, a cada cabeça corresponde sua sentença e nem sempre determinada por desvios clubistas, como não é o caso, agora. Tenho visto igualmente como os comentadores televisivos são capazes de ver numa
jogada exactamente o oposto do que eu vi, ou vice-versa, e como tal lhes serve frequentemente de fundamento para juízos categóricos de condenação das decisões dos árbitros. Na primeira parte do Benfica-Boavista (e não na segunda, como sintomaticamente refere Santos Neves), eu vi, de facto, um off-side muito mal marcado ao ataque do Benfica, porque o juiz-de-linha não respeitou a regra de, na dúvida, ser a favor do ataque, com isso anulando mal uma jogada de golo provável. Mas, no tal penalty que, segundo Santos Neves, só o árbitro não terá visto, acontece que, dos dois comentadores da Sport TV, por exemplo, um viu penalty claríssimo e o outro viu exactamente o mesmo que eu: o Nuno Gomes a adiantar a bola, o defesa do Boavista amanter-se deliberadamente estático e o avançado benfiquista a forçar o choque com ele - uma simulação clara. Independentemente de saber quem terá visto com razão, a pergunta é esta: se se trata de uma jogada em que as opiniões se dividem (ao contrário de outras, como a simulação do Silva na Luz, que não deixou dúvidas a ninguém), como se pode afirmar tão categoricamente que o árbitro errou, e para mais grosseiramente, apenas porque não teve a mesma leitura da jogada que nós próprios? Afinal de contas, como se constata, isto não é uma ciência certa. Para ninguém.

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