sábado, fevereiro 28, 2004

A morte lenta de Camacho (7 Janeiro 2004)

1 Pobre Benfica! Dez anos a fio sem ganhar o Campeonato e, pior ainda,sem nunca ter estado na corrida para o ganhar! Sem uma campanha europeia minimamente digna desse nome, sem um motivo de alegria para os adeptos,excepto uma já longínqua Volta a Portugal em bicicleta, através de um grupo de espanhóis contratados ad hoc e jamais pagos! E agora, agora que tudo parecia reunido, que a equipa chegou ao Natal, como proclamou o sr.Camacho «ainda em luta em todas as frentes»; agora que o novo e belíssimo Estádio da Luz, milagrosamente construído quase sem tostão no bolso (e onde até a relva é impecável), se preparava para acolher o primeiro derby da sua história; agora, que este Benfica-Sporting havia sido promovido pela imprensa especializada como jamais jogo algum foi promovido em Portugal, até haver a certeza absoluta de que não restava um bilhete por vender; agora que os seis milhões (são seis, não é verdade?) nada mais esperavam que não a confirmação do favoritismo proclamado pelo sr. Camacho; agora, a equipa baqueia, sem apelo nem agravo, no primeiro teste de fogo (em boa verdade, o segundo, porque já antes havia baqueado na qualificação para a Liga dos Campeões, no que era o mais importante jogo do ano e em que, frente a uma Lazio em baixo de forma e em princípio de preparação foi considerado motivo para elogios ser eliminado apenas por três golos de diferença)!

2 Manda a verdade que se diga que a derrota do Benfica começou de forma falsa e antidesportiva, através de um dos tais penalties fórmula-João Pinto, que consiste em adiantar a bola e deixar um pé para trás de forma a chocar deliberadamente com as pernas ou os braços do guarda- redes e depois deixar-se cair com grande aparato (se houvesse verdadeira justiça na Liga e não aquela paródia antiportista protagonizada pelo Conselho de Disciplina, o sr. Elpídio Silva levaria agora três ou quatro jogos de suspensão por conduta antidesportiva, agravada por ter induzido o árbitro em erro e ter tido influência directa no resultado). Mestre Silva mostrou que não é em vão que se treina na Academia de Alcochete e o Sporting acrescentou a estatistica do clube que invariávelmente obtém mais golos de penalty, apesar de consabidamente ainda ficarem em média 3,83 por assinalar a seu favor em cada jogo. Mas presumo que o dr. Dias da Cunha, desta vez, não queira fazer um comunicado sobre o assunto...

3 Já se sabe que não pode haver um Benfica-Sporting sem casos. Aliás, aqui entre nós, acho que não pode haver nenhum jogo em que intervenha o Sporting sem casos - esse é mesmo um dos maiores casos do futebol português. Tudo começou, desta vez, com mais um patético comunicado da SAD do Sporting a explicar porque é que, mais uma vez, ninguém do clube, excepto os que por dever de contrato não se podiam baldar, iria estar presente na Luz. Ao menos Santana Lopes, honra lhe seja feita, não ficou em casa a redigir comunicados e a ver o jogo pela televisão. Os casos continuaram no relvado, primeiro com o penalty fantasma sacado por Silva e de que Pedro Proença foi vítima indefesa, tamanha é a perfeição daquele truque tão caro tradicionalmente aos avançados de Alvalade.
Depois, sim, o árbitro errou na expulsão do Rochembach- não no segundo amarelo mas no primeiro, em que o desgraçado, vindo e ido em rallye aéreo só para jogar metade do jogo, se limitou a levar um murro do Miguel. E acertou ao não validar um hipotético golo do Benfica em que nenhumas imagens permitem concluir que o Ricardo defendeu a bola dentro da baliza, e acertou também no segundo penalty, em que o Helder varreu,de facto, o Liedson. Conclusão: a arbitragem errou apenas uma vez e aí por mérito do artista.

4 Tal como aqui escrevi há duas semanas, para um portista, o resultado preferido deste grande derby - como sempre indigente em termos futebolísticos - era a vitória do Benfica. Porque, como ficou patente e apesar da falsidade do golo inaugural, é o Sporting a grande ameaça ao FC Porto este ano e não o Benfica. O jogo confirmou que, dos dois, só o Sporting mostrou ter uma organização de jogo, a vontade e o talento para poder ganhar. Não se pode exigir a José António Camacho que faça omoletes sem ovos. E eu, que estou de fora e que já fui grande admirador de equipas do Benfica, mesmo sem ter de recuar aos irrepetíveis anos 60, venho dizendo aos meus amigos benfiquistas, contra as suas ilusões, que não me recordo de ver uma equipa do Benfica tão má como esta. Por junto, há dois jogadores bons nesta equipa: o Moreira e o Simão - do resto, alguns têm uns fogachos de vez em quando e os outros chegam a ser confrangedores. Mesmo assim, há coisas que dão que pensar. Longe de mim pôr em causa o valor do sr. Camacho mas recordem-me lá um grande jogo feito pelo Benfica desde que ele chegou? Um teste de verdade que ele tenha vencido? Vi-o convocar o estágio da pré-época, no pino de Julho, sob 50.º graus à sombra, para Jerez de la Frontera, treinando contra os juniores das equipas amadoras do pueblo próximo do hotel e depois a equipa aparecerer no Campeonato a arrastar- se. Ouvi-o lamentar-se da
«sobrecarga de jogos», porque o Benfica tinha acumulado, à 10.ª jornada do Campeonato, os jogos nacionais com uns jogos da UEFA contra uns amadores da Finlândia ou da Noruega, cujos jogadores, coitados, ainda tinham de vender bilhetes para o espectáculo no dia do próprio jogo, enquanto os profissionais do Benfica estavam concentradíssimos num hotel de luxo. Ouvi-o lastimar-se várias vezes porque por cá as equipas pequenas jogavam sempre muito contra o Benfica, como se fosse dever delas inclinar voluntariamente a espinha perante o Glorioso. E vi-o desdenhar sobranceiramente o treino da equipa no dia 1 de Janeiro,
declarando que jamais convocaria os jogadores para se treinarem a seguir ao réveillon - enquanto no Sporting, Fernando Santos não dispensou o treino do dia 1 de Janeiro e, no FC Porto, Mourinho fez o mesmo, apesar de a equipa só jogar 24 horas mais tarde, em casa e contra o Rio Ave. Vi tudo isso mas pensei para com os meus botões: «Ele é que sabe!» Mas, depois, bem, depois, foram às Antas e não tugiram nem mugiram, receberam o Sporting e foi a confrangedora incapacidade que se viu. Não é só haver ali jogadores que já nem reparamos se ainda estão em campo ou se já foram substituídos, tamanha é a sua inutilidade e a sua ausência do jogo; já nem é aquela patética defesa eternamente aos papéis e que não merece o guarda-redes que tem, aquele meio-campo onde pontifica,
indispensável (Santo Deus!), o Fernando Aguiar, aquele ataque que vive únicamente dos dias e dos rasgos de inspiração de Simão Sabrosa. O mais impressionante de tudo é que, um ano e meio depois, o Benfica de Camacho não aparenta ter uma única ideia de jogo, uma única jogada treinada, que não os livres do Simão. O grande mistério para mim é como é que este Benfica, que joga muito menos que um Beira- Mar, que um Braga, que um União de Leiria, que um Gil Vicente, consegue estar em terceiro lugar no Campeonato. Afin a l de c o n t a s , tenho de reconhecer, deve ser por mérito do treinador.

5 José Antonio Camacho nunca foi, porém - há que reconhecê-lo - um demagogo ou um vendedor de banha da cobra. Nunca proclamou, como Mourinho, «para o ano vamos ser campeões!» Mas esse low profile, que sempre foi tido como uma qualidade e um sinal de realismo e de humildade, também pode ser lido como um sinal de conformismo e derrotismo. Sobretudo quando, no final da época passada, ele fez constar que se iria embora se a Direcção do clube não lhe desse uma equipa capaz de lutar pelo título. A Direcção do clube nada lhe deu (deu-lhe agora o tão esperado defesa-esquerdo, sob a forma de um grego, eventualmente bom
jogador, mas com todo o ar de quem vem para o Benfica gozar a reforma), e, apesar disso, ele ficou. Mas ficou, numa atitude de melancólico fatalismo, dando-se por contente quando a equipa não joga nada mas ganha ou quando joga menos mal e mesmo assim é eliminada facilmente por uma sub-Lázio. Como se exclamasse: «O que querem? É o que temos!» Ora, correndo o risco de meter a foice em seara alheia, eu penso que o Benfica é demasiado grande para tão fracas ambições. Manifestamente, há ali jogadores que não merecem a camisola nem o ordenado, há bastante falta de vontade e de profissionalismo, há demasiada falta de ambição e excesso de mediocridade aceite como coisa banal. E talvez falte quem faça o discurso exactamente contrário: «Para o ano vamos ser campeões.
Quem quiser acreditar fica. Quem não quiser, vá-se embora! » Mas, como digo, eles lá sabem e com a fraqueza alheia podemos nós bem. Continuem antes a destilar veneno e maledicência contra o FC Porto e pode ser que um dia consigam assim voltar a ser campeões...

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