Não fosse a atitude, a estratégia e a coragem do Vitória de Setúbal em Alvalade, e a incrível maratona futobolístico-televisiva do final do dia de domingo - a ter de ver, por dever de ofício, os três grandes sucessivamente - teria sido uma verdadeira penitência. Mas, graças, antes de mais, à prestação do Vitória, do princípio ao fim do jogo, o Sporting-Setúbal acabou por ser um jogo vivo, emocionante e mutuamente bem jogado em grande parte do tempo. Dou os parabéns a Carlos Carvalhal, porque:
- É a segunda vez consecutiva que vejo jogar o Vitória: primeiro, deu uma lição de bola ao Braga, agora pôs o Sporting em respeito e em Alvalade;
- Vê-se que está ali muito treino, muito trabalho e uma aposta prévia na coragem: como todas as equipas, o Vitória joga para o resultado, mas a forma de lá chegar é tentando jogar bom futebol e não o oposto, o anti-futebol;
- Empatado ou a ganhar em Alvalade, o Vitória nunca abdicou dos últimos cinquenta metros do campo, nunca desistiu do contra-ataque, com dois, três ou quatro jogadores. De cada vez que o Sporting chegou à igualdade, imaginou-se que o Vitória se iria recolher de vez atrás e deixar-se de veleidades. Mas, não: manteve o Sporting em alerta até mesmo aos descontos.
- Quando teve de defender, o Vitória defendeu com cabeça e organização, não chutando a bola para a frente de qualquer maneira, não recorrendo às faltas sucessivas, nem às lesões simuladas nem às perdas de tempo. Até ao fim, acreditou que, para defender bem, tinha de manter a cabeça fria e a capacidade de continuar a assustar o adversário.
- Longe de se limitar a preocupações defensivas, Carlos Carvalhal estudou uma estratégia para chegar ao golo, mesmo no terreno da equipe que tem, provavelmente, a melhor defesa do campeonato. E chegou lá duas vezes, com muita inteligência e premeditação — embora o segundo golo do Vitória tenha sido metade da autoria do Mick Jagger, graças ao estado lastimável em que o concerto dos Stones deixou a relva de Alvalade.
- Enfim, o Vitória e o seu treinador tiveram ainda o grande mérito de obrigar o Sporting a jogar o seu melhor futebol para evitar a derrota e conseguiram ainda que, por uma vez, sem ter ganho, os responsáveis sportinguistas não se tenham desculpado com a arbitragem (também era o que faltava depois de terem beneficiado das duas decisões mais controversas do jogo!).
Manda pois a sinceridade que se diga igualmente que foi muito boa a segunda parte do Sporting, a velocidade que conseguiu pôr no jogo e a vontade de vencer, expressa até ao último sopro do desafio. Por aquilo que fez e que lutou, o Sporting também não merecia ter perdido e deu uma importante demonstração da sua vontade de forçar o destino.
A qual, por exemplo e em contraste, esteve notavelmente ausente da exibição do Benfica em Braga. Aliás, e com a responsabilidade distribuída por ambas as equipas, diga-se que o Sp. Braga-Benfica foi um jogo quase indecente, de total falta de respeito pelos espectadores e pelo espectáculo. E, todavia, estavam ali reunidas todas as condições para um bom jogo: um estádio maravilhoso e cheio, uma relva impecável, um fim de tarde de temperatura ideal e duas equipas com anunciadas aspirações de serem uma o campeão e outra o mais perigoso outsider do campeonato. Em vez disso assistiu-se a um jogo deplorável de falta de classe e de ambição, sem oportunidades de golo e praticamente sem uma única boa jogada, de princípio a fim. Sem desculpa.
O mesmo mau futebol viu-se também no Paços de Ferreira-FC Porto, mas aqui com uma desculpa pertinente: é quase impossível jogar-se bom futebol naquele terreno. Há três ou quatro campos na Primeira Liga, com dimensões reduzidas, sem espaço nas laterais e com relvados que, assim que começa a chover, transformam o jogo numa lotaria, que estão claramente a mais numa competição onde os preços dos bilhetes fazem supor que se vai assistir a futebol de primeira. A verdade é que vemos pela televisão inúmeros jogos em estádios de clubes menores da Espanha, Inglaterra, Itália ou Alemanha, e em nenhum deles vemos campos destes. Como já aqui tenho escrito várias vezes, a tradicional tendência dos nossos jornalistas desportivos para tomarem partido pelos Davids contra os Golias (e no caso, defrontavam-se o mais pobre e o mais rico orçamentos da Primeira Liga), leva a adulterar a leitura da relação de forças em presença: em campos como o da Mata Real, os grandes não gozam de favoritismo algum. Pelo contrário, o seu futebol, que precisa de espaço como todo o futebol bem jogado, é manietado à partida e tem de se adaptar a um futebol de combate, de ressaltos, de pontapé para o ar, a que os anfitriões estão muito melhor adaptados e habituados. Foi o que fez o FC Porto, que soube ainda aproveitar duas das quatro oportunidades de golo de que dispôs. O Paços não teve nenhuma e, por isso mesmo, perdeu. Ao contrário do que disse José Mota, as coisas não estiveram equilibradas no relvado supostamente porque o Paços se teria equiparado ao FC Porto. O FC Porto é que teve de se equiparar ao futebol que o campo consente. Jogou forte e feio: tão feio como o Paços, mas mais forte.
E Jesualdo Ferreira lá segue, com o notável registo de cinco vitórias nos cinco primeiros jogos do campeonato. Numa altura em que, apesar do brevíssimo tempo de demonstração que lhes tem sido concedido, mais se acentua a ideia de que, excepção feita a Leandro Lima (com dez minutos em jogo fez mais que Raul Meireles numa hora), os doze reforços da época foram um tremendo flop. Escrevi na época passada, que o FC Porto era uma equipa desequilibrada: tinha três jogadores excepcionais, quatro bons e o resto era mediano ou medíocre. Esta época, penso que tem um excepcional, quatro ou cinco bons e os outros perfeitamente banais. Viu-se, na terça-feira passada, contra o Liverpool, que a manta é curta e que a falta de ambição aí demonstrada é o reflexo da falta de crença da equipa em si mesma. Uma equipa que confiasse no seu valor, não se teria deixado tolher pelo medo, sobretudo quando percebeu que o adversário estava em noite não e, mais ainda, quando o viu ficar reduzido a dez unidades.
Aliás, toda a jornada europeia, saldada pela incrível mas previsível hecatombe de um empate e seis derrotas, foi eloquente de como o nosso futebol de clubes está cada vez mais longe do top europeu. Não é em vão que os melhores jogadores do campeonato, aqueles que verdadeiramente fazem a diferença, vão saindo, ano após ano. Em minha opinião, este ano e para além do caso especial de Rui Costa, restam dois grandes jogadores e não mais do que isso: o Liedson e o Ricardo Quaresma.
Nada de novo no reino da Dinamarca. Como seria de esperar, a Federação Portuguesa de Futebol apoia e presta-se a ajudar o seleccionador na sua demanda com a justiça da UEFA. Como vem sendo hábito, também, Gilberto Madail não aceita responder a perguntas e, apenas por pró-forma, a Federação anuncia que mantém em curso um «auto de averiguações» (como se ainda houvesse alguma coisa para averiguar…) e para depois dizer também da sua justiça.
Há quem pense que Scolari devia sair já e há quem pense que isso seria um gesto de tremenda ingratidão e injustiça. Eu penso que a decisão certa foi esta: mantê-lo, pelo menos, até ao final da fase de qualificação e responder então pelo resultado. Não ignoro que, para isso, Madail teve de dar algumas cambalhotas jurídico-éticas (e daí o seu silêncio), teve de fingir que as desculpas de Scolari não foram um amontoado de mentiras e contradições, que o seu gesto sobre o jogador sérvio não era previsível face a comportamentos seus passados (quando, por exemplo e perante o silêncio cúmplice dos restantes jornalistas presentes, insultou ordinariamente uma jornalista culpada de lhe ter feito uma pergunta de que não gostou), e teve de deixar sem explicação a contradição insanável entre a justiça «exemplar» aplicada ao miúdo Zequinha e a justiça compreensiva aplicada ao seleccionador. Mas, mesmo ponderando tudo isso, continuo a achar que a melhor saída é fazer de conta que só a UEFA é que tem que ver com o assunto, deixando que, na prática, seja Scolari o responsável pelo êxito ou fracasso da qualificação europeia. Só de imaginar o que se diria se ele fosse agora substituído e depois não nos qualificássemos!... Mas é evidente que Scolari sabe que está com pena suspensa internamente: se falhar a qualificação, não há quem lhe valha. A bola está do lado dos jogadores que tanto o apoiam.
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