1- O golo de Rui Costa à Naval é uma obra de arte de inteligência e simplicidade. É daqueles golos que podem ser repetidos dez, vinte vezes, e nunca cansam de ver. Ao vê-lo revê-lo e voltar a vê-lo, cada vez me convenço mais de uma ideia que há muito tenho: no futebol moderno, só os jogadores inteligentes a jogar podem ser bons jogadores. Aliás, basta observar todo o jogo de Rui Costa: ele pode já não correr como outrora, mas faz a bola correr por ele. Num só passe, é capaz de virar o sentido do jogo de pernas para o ar, de poupar à equipa uma progressão em passes e mais passes laterais ou recuados, de rasgar uma defesa de alto a baixo. O seu futebol é clássico, clarividente, tremendamente simples no seu objectivo final: chegar ao golo. E, agora que a sua carreira se aproxima inexoravelmente do fim, Rui Costa parece ter aprimorado as qualidades que sempre se lhe viram, como se não quisesse despedir-se sem deixar a todos a lembrança de um futebol cristalino.
Já há largos meses tinha feito aqui o seu elogio, escrevendo que, em minha opinião, ele era o melhor jogador, o jogador essencial do Benfica. Ele aceitou o desafio de risco de continuar por mais uma época, porque se sentiu à altura das exigências e, sobretudo, sem dúvida, porque jogar continua a dar-lhe prazer. Luís Filipe Vieira diz agora que Rui Costa está dar uma bofetada de luva branca nos que duvidaram dele — «entre os quais, muitos de vocês», disse ele, apontando para os jornalistas. Como sabemos, não é verdade: quem duvidou de Rui Costa, em termos até insultuosos, foi esse grande benfiquista Joe Berardo, com lugar cativo ao lado de Vieira, no camarote presidencial da Luz. Quem é esbofeteado de luva branca, jogo após jogo, é Berardo. No campo e fora dele, Rui Costa mostra todos os atributos que fazem a inveja de muita gente que acha que o dinheiro compra tudo: categoria, estilo, classe.
Agora, cavalgando a oportunidade e qual monarca iluminado, Vieira diz que vai «preparar» Rui Costa durante três anos para lhe suceder como presidente. Aos olhos do presidente do Benfica, uma coisa decorre naturalmente da outra: só um grande jogador, como Rui Costa, pode dar um grande presidente, como Vieira. A história, porém, ensina-nos outra coisa: nenhum presidente, por maior que seja, consegue fabricar grandes jogadores; mas grandes jogadores, muitas vezes, sustentam presidentes.
2- Vi muito mau futebol, este fim-de-semana. Futebol de faltas sucessivas, interrupções constantes, equipas sem imaginação, sem vontade nem capacidade de jogar para o golo, treinadores mais preocupados em dizer mal dos árbitros do que em pôr as suas equipas a respeitar os espectadores que vão aos estádios. Por junto, para além do fabuloso golo de Rui Costa, a única coisa decente que vi foram, surpreendentemente, os primeiros vinte e os últimos vinte minutos da Naval no Estádio da Luz. No final, fiquei a saber, surpreendentemente também, que o imenso presidente Aprigío Santos, da Naval, achou porém que aquilo foi pouco, que as bolas na barra e a derrota foram culpa do treinador. E, aí vamos: quatro jornadas, três treinadores despedidos. Presidentes despedidos: zero.
Comecei por ver o Setúbal-Braga e confirmei a impressão que o Braga me havia deixado do primeiro jogo contra o FC Porto: está ali uma equipa constituída por ex-vedetas e ex-futuras vedetas, que se portam como tal. Jogadores que, em campo, são o exemplo oposto do que foi o seu treinador, Jorge Costa. Jogam como se estivessem a fazer um frete, como se, de cada vez que tocam na bola, o adversário devesse parar para os aplaudir. Em 90 minutos de jogo, o Braga só acertou com uma bola na baliza do Vitória, e essa foi de penalty, caído do céu. É demasiado pouco para quem tem ambições a ser o «quarto grande».
Depois, vi o FC Porto-Marítimo. Um Marítimo inofensivo, só sabendo defender, e um FC Porto arrastado, previsível, deprimente. Já cheguei ao ponto de não saber se Jesualdo Ferreira terá ou não razão em não pôr a jogar nenhum dos doze reforços que comprou. Não sei se é ele que não lhes dá oportunidades suficientes para se integrarem e mostrarem o que valem, ou se, de facto, são eles que não valem e o melhor é deixá-los de fora. Não sei se o Stepanov é melhor ou pior que o Pedro Emanuel ou o João Paulo, se o Bolatti é melhor ou não que o Paulo Assunção (que confrangedora forma em que ele está!), se o Mariano González é ou não melhor que o Lisandro, se o Farías seria mais útil que o Adriano ou o Lisandro. De facto, só tenho a certeza de uma coisa: o Leandro Lima é bem melhor do que o Raul Meireles — é a diferença entre alguém que tem uma ideia e um objectivo de jogo e alguém que nunca se percebe muito bem o que por ali anda a fazer.
Vi o Benfica entrar em campo, contra a Naval, com cinco aquisições desta época — e não foram seis porque, inesperadamente, Camacho deixou Cardozo no banco. Ao contrário, o FC Porto entrou sem nenhum reforço e foi preciso meio jogo inócuo para aparecer Farias. Mas a fé, ou a teimosia, de Jesualdo Ferreira crescem com estas primeiras vitórias. Enquanto vai ganhando, mais aumenta a impressão de que ele acha possível dar conta de uma época vencedora com a mesma equipa do ano passado… sem o Pepe e o Anderson. Tremo só de olhar para a constituição da equipa que vai entrar em campo, logo à noite, contra o Liverpool.
Também fui espreitando, a bocejar de tédio, o Estrela da Amadora-Sporting. Foi mais uma daquelas vitórias à Sporting, que antes de ser já o era. Antes que pudesse haver dúvidas, o adversário entregou o jogo e, daí até final, arrastaram-se ambos em campo, com o entusiasmo de amanuenses de uma qualquer repartição pública. Ó meus senhores, jogar futebol é assim uma profissão tão chata?
3- Previsível e conservador até ao limite, Jesualdo Ferreira integra, porém, um extenso lote de treinadores que obedecem intransigentemente à conhecida máxima de que «em equipa que ganha não se mexe». Para mim, é das verdades mais idiotas do futebol, mas ao menos compreendo que tem a sua lógica. O que eu nunca tinha visto é um treinador defensor da máxima «em equipa que não ganha não se mexe». Luiz Felipe Scolari é o primeiro defensor do género. Ele é capaz de repetir sucessivamente — Arménia, Polónia e Sérvia — os mesmíssimos jogadores que já toda a gente, menos ele, viu que não estão a jogar nada. Mas, tal como aqui escrevi há tempos, a Selecção de Scolari não é, nunca foi ou será, a Selecção dos melhores em cada momento, mas sim a Selecção dos amigos de Scolari. O que nos vale é que eu nunca conheci, em tantos anos a ver futebol, alguém com tanta sorte como o nosso seleccionador nacional. Com metade dos erros que já cometeu, qualquer treinador teria sucumbido a resultados e nenhum treinador português se teria aguentado em funções.
Quanto ao resto, ao que se passou após o Portugal-Sérvia, quarta-feira passada, já lá vai demasiado tempo e demasiados e reveladores comentários para justificar também o meu. A seu tempo…
4- Bonito de ver foi os jogadores da Selecção de râguebi a abrir alas para a saída dos All Blacks e estes a devolver o gesto. Impensável de ver num jogo de futebol.
Sem comentários:
Enviar um comentário