O país que por "imperativo nacional" construiu dez estádios novos para o Euro-2004, dos quais sete estão permanentemente às moscas e constituem um encargo ruinoso para as autarquias, não têm dinheiro para construir uma pista coberta onde os nossos atletas olímpicos se possam treinar no Inverno...
1 - A Selecção Nacional de râguebi, oficialmente «amadora», protagonizava ontem, que eu tenha reparado, nada menos do que três anúncios publicitários a marcas diferentes, na televisão e em duas páginas inteiras de jornais: ao BES, à Caixa-Geral de Depósitos e à Volkswagen. Esclareço desde já que nada tenho contra a participação em campanhas publicitárias, embora eu próprio sempre tenha recusado fazê-las, cumprindo o que está escrito no Código Deontológico dos Jornalistas. Mas nada tenho contra essa forma de ganhar dinheiro, desde que não se caia no abuso extremo do seleccionador nacional de futebol, Scolari, que é capaz de anunciar tudo, até comida para piriquitos, se lhe pagarem o seu cachet.
A questão, a meu ver, só tem importância, se se reflectir até que ponto é que o amadorismo da Selecção de râguebi — tão propagandeado, numa campanha de promoção que tem sido um sucesso notável — resulta de vontade própria ou das circunstâncias, e até que ponto esse estatuto oficial é ou não desejável para a evolução da modalidade. Primeiro que tudo, convém lembrar um facto que nunca é referido: nem todos os elementos da Selecção são amadores. Há dois profissionais a jogar em França e outros, argentinos naturalizados, a jogar em Portugal. É sintomático que este facto seja sempre esquecido ou minimizado, embora ele em nada afecte o valor que tem uma equipa de jovens que, para jogarem, roubam tempo aos estudos, ao trabalho, à vida familiar e pessoal, e que conseguiram, com brilhantismo, a qualificação para França e um jogo de muita garra contra a Escócia.
E era aqui que eu queria chegar. Se, por um lado, é de facto, notável o esforço de competitividade de uma equipa basicamente amadora entre os tubarões deste desporto, por outro lado, creio que o amadorismo do râguebi entre nós (e que é amador apenas porque não tem condições de popularidade para ser profissional), é um factor de marasmo da modalidade. O râguebi é, em Portugal, uma das modalidades desportivas mais elitistas que existem, a par da vela, da equitação ou do golfe. Uma reportagem há dias publicada numa revista, mostrava como a modalidade sempre esteve tradicionalmente nas mãos de quatro ou cinco «boas famílias» de Cascais ou do Restelo, que se sucedem, de geração em geração, nas poucas equipas de clubes existentes e na Selecção Nacional. E não custa perceber porquê: se a modalidade não tem condições de profissionalização, só quem disponha de outras fontes de rendimento, ou porque é estudante sem necessidades de dinheiro ou porque já está instalado noutra profissão — pode fazer do râguebi o seu «hobby».
O que daqui resulta é um círculo vicioso, que não é tão virtuoso quanto por estes dias se tem abundantemente escrito. Se o râguebi fosse uma modalidade popular, jogada nas escolas e clubes de bairro, atrairia mais público e, com ele, transmissões televisivas e patrocinadores. Isso faria nascer jogadores profissionais, fora da elite tradicional e, fatalmente, com um campo de recrutamento alargado, faria nascer melhores jogadores (porque não há nenhuma lei genética que diga que os ricos têm mais jeito para o râguebi do que os pobres…). Ou seja: para evoluir entre nós, o râguebi precisa de uma base de recrutamento que vá muito para além do tradicional e que traga à modalidade jogadores que vivam dela, como profissionais. Mas estes não aparecem porque, tal como está, o râguebi não tem condições para os sustentar. E a diferença seria tão simples quanto isto: com uma Selecção composta essencialmente por amadores, ninguém se pode espantar nem exigir que eles não «rebentem» fisicamente nos últimos 15/20 minutos dos jogos; com uma Selecção de profissionais, esse facto já não seria aceitável, porque esses teriam tido todas as condições de treino e preparação que os outros não têm.
Uma última advertência: já sei, por experiência própria, que, nestas coisas de unanimismos patrióticos, quem destoa do coro acrítico de elogios, passa logo à categoria de mau português. Para que fique claro, então: não destoo dos elogios ao esforço e generosidade dos homens da nossa Selecção de râguebi. Digo apenas que o tão louvado estatuto de amadores é, todavia, o reflexo e a causa da não evolução da modalidade.
2 - Nélson Évora, esse, não teve direito a nenhum contrato publicitário, nem a nenhuma campanha de promoção pessoal comparável. E, todavia, o seu feito foi absolutamente incomparável: ele tornou-se o primeiro saltador português campeão do mundo, desmentindo a crença de que, como país subdesenvolvido em matéria de atletismo, apenas poderíamos produzir campeões no fundo e meio-fundo, onde a força de vontade conta mais do que o talento e a capacidade técnica. E fê-lo, não como amador, mas como profissional expatriado à força: treinando em Espanha, tal como Obikwelu ou Naide Gomes — porque o país que, por «imperativo nacional», construiu dez estádios novos para o Euro-2004, dos quais sete estão permanentemente às moscas e constituem um encargo ruinoso para as autarquias, não tem dinheiro para construir uma pista coberta onde os nossos atletas olímpicos se possam treinar durante o Inverno…
Cruzei-me com Nélson Évora na TVI, a semana passada, e fiquei impressionado com a humildade, o antivedetismo absoluto e o visível amor que tem àquilo que faz. Não é todos os dias que nos cruzamos com um português campeão do mundo e não é todos os dias que o ouvimos dizer apenas que gostaria de ter condições para se treinar em Portugal. A propósito: não ouvi foi nenhum daqueles que contestam o Deco e o Pepe na Selecção de Futebol, contestarem também o estatuto de portugueses da Naide Gomes, nascida em S. Tomé e Príncipe, do Francis Obikwelu, nascido na Nigéria, ou do Nélson Évora, cabo-verdiano nascido na Costa do Marfim e treinado em Espanha…
3 - Há pouco mais de quatro meses, vi nascer nos courts do Estádio Nacional durante o Estoril Open, uma jovem esperança do ténis sérvio, fã do Benfica, chamado Novák Djokovic. Pareceu-me, logo ali, que ele iria longe, mas nunca imaginei que tão rápido. Anteontem à noite, na TV, vi-o bater-se como um leão contra o quase imbatível Roger Federer, na final do US Open. A jogar a sua primeira final de um Grand Slam aos 20 anos de idade (!), Djokovic só caiu vítima dos nervos e da inexperiência, depois de ter desperdiçado cinco set-points na primeira partida e dois na segunda (6-7, 6-7, 4-6). E porque Federer é, provavelmente, o jogador mais completo de sempre.
4 - Na sua coluna de «senador» de A BOLA, Rui Moreira chamou a atenção para o facciosismo daqueles que gritaram aos quatro ventos que o segundo golo do FC Porto em Leiria tinha sido irregular (e foi), «esquecendo-se» de dizer que, logo aos 3 minutos de jogo, um golo completamente regular tinha sido anulado ao FC Porto. O Record até destacava o «golo irregular» para título de 1.ª página e houve até quem escrevesse que coisas destas «duram há décadas». Em certos espíritos, o facciosimo benfiquista foi de há muito ultrapassado por um vírus bem mais demencial: o ódio fanático ao FC Porto. Se eles mandassem, o FC Porto seria, pura e simplesmente, varrido dos estádios e pavilhões do país. Como, aliás, sempre se tentou fazer em Portugal com aqueles que, pelos seus méritos, incomodam a mediocridade e o privilégio instalados.
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