quinta-feira, novembro 15, 2012

QUASE ESTALINEGRADO (04 OUTUBRO 2011)

1- Em S. Petersburgo, Vítor Pereira esteve a um passo de viver o seu Estalinegrado. Se em lugar de perder por 3-1, tem perdido por 4-1 ou 5-1, como esteve à beira de acontecer, se o próximo jogo não fosse um desafio caseiro contra o modesto Apoel, se, quatro dias depois do desastre russo, o talento de Hulk e James não tivesse resolvido com facilidade o obstáculo de Coimbra, conseguindo um resultado bem melhor que a exibição, Vítor Pereira estaria condenado à mesma sorte do general Von Paulus, depois de ter visto as suas panxerdivisionen exterminadas no cerco de Estalinegrado. E talvez a sorte da guerra, que então começou a mudar para o Reich na antiga Estalinegrado. começasse também agora a mudar para o FC Porto, na rebaptizada S. Petersburgo.

Creio que terei sido o primeiro a chamar a atenção para o facto de o actual treinador do FC Porto vir dando mostras crescentes de sempre falhar todas e cada uma das alterações que promove ao longo dos jogos. Mas, contra o Zenit, isso foi de tal maneira gritante que não houve quem não tivesse visto — e o mundo inteiro não pode estar errado e ele certo. A decisão de manter em jogo um destrambelhado Fucile (como já o havia feito contra o Benfica), mesmo depois de um amarelo bem cedo, foi fatal. A decisão de tirar o James ao intervalo, mantendo em jogo o Varela, que só joga a sério um em cada três jogos, foi inexplicável sob qualquer ponto de vista. E a decisão de tirar o Fernando do apoio ao centro da defesa, abrindo uma Scut ao ataque do Zenit é digna de ser estudada nos cursos de Verão para treinadores, como exemplo de uma alteração desastrada de quem só podia estar a ver outro jogo, que não aquele.

Mas, enfim, agora não vale a pena chorar sobre o leite derramado. E Vítor Pereira não é caso único: vi, por exemplo, a segunda parte do Braga-Club Brugge e constatei como um treinador muito elogiado, Leonardo Jardim, depois de se ter visto a vencer por 1-0, mexeu na equipa de tal maneira que ela se perdeu por completo e acabou a consentir uma reviravolta justíssima. Erros todos cometem, embora alguns - como ter ao dispor um portento como o James Rodriguez e preferir o Varela - se tornem difíceis de entender. Como difícil de entender é o défice físico desta equipa, quando comparada com a da temporada passada. Ou aquilo que parece ser alguma desmotivação de jogadores que antes eram capazes de comer a bola e o adversário. Ou entender como é que se planearam as contratações para a época de forma a que só se tenha podido inscrever 21 jogadores na fase de grupos da Champions e apenas um ponta de lança. São demasiadas perplexidades juntas, ao longo de um desempenho de dez jogos oficiais em que apenas um (contra o Vitória de Setúbal, em casa), fez recordar o FC Porto que varreu o campeonato anterior.

2- A SAD do FC Porto lá se viu obrigada a renegociar o contrato com Alvaro Pereira, aumentando a sua duração por mais um ano, mantendo o valor da cláusula de rescisão em 30 milhões e, obviamente, aumentando-lhe o vencimento. E viu-se obrigada a fazê-lo porque se tornou evidente que, frustrado por o clube não ter aberto mão da totalidade da cláusula de rescisão, facilitando-lhe a sua saída para o Chelsca, o jogador andava a jogar a meio gás e meio-talento. Tenho a maior admiração pelo jogador Álvaro Pereira pelo seu valor e pela sua entrega ao jogo. Já escrevi várias vezes que, na equipa de Villas Boas, ele fazia parte de um póquer de jogadores preciosos, de que os outros três eram Falcão, Hulk e James Rodriguez. Inevitavelmente, estamos condenados a vê-los sair, um a um, porque o seu valor de mercado ultrapassa o valor salarial que o clube lhes pode pagar. Mas, mesmo que a única coisa que acaba por os mover seja o dinheiro (como sucedeu com Falcão, que preferiu ir disputar o 5º ou 6ª lugar do campeonato espanhol, a troco de uma fortuna), ao menos que saiam pelo valor mutuamente acordado na cláusula de rescisão.

Ora, é aqui que eu começo a perder o respeito pelos jogadores - não o respeito como atletas, mas como profissionais. Volto a dizer que a única coisa que distingue estes privilegiados do comum dos mortais é o talento para dar pontapés e cabeçadas numa bola de futebol. E, por favor, compreendam que há muitos outros talentos bem mais difíceis, trabalhosos e úteis às sociedades e bem mais dignos de admiração. Mas que, ao contrário deles, não ganham fortunas pornográficas, pagam impostos a sério e não a fingir, descontam normalmente para a segurança social, trabalham dez a doze horas por dia e não apenas duas num treino matinal, e, quando assinam contratos de trabalho, são para valer. Mas as prima-donas do futebol não são assim. Quando chegam aos clubes de topo portugueses, senão declaram logo que se trata de «um trampolim para mais altos voos» (como fez o Bruno César ao chegar ao Benfica) vêm muito contentes por serem resgatados de um relativo ou total anónimato e darem logo o «salto» que lhes permite, aos vinte anos de idade, ganhar salários mensais entre 15 e 25 mil euros. Nessa altura é tudo rosas e eles e os seus agentes assinam, sem hesitação, as cláusulas de rescisão que o clube lhes propõe. Mas, depois tudo muda, no espaço de um a dois anos. Se começam a dar nas vistas, exigem logo aumento de salário, ainda nem o contrato vai a meio, e, se porventura aparece um dos tubarões da Europa a querer comprá-los e obviamente a pretender baixar a cláusula de rescisão, ficam contrariados e revoltados se o clube não lhes faz a vontade e os vende abaixo da cláusula. E, então, para evitar que os meninos fiquem a jogar com má cara, não resta ao clube que os projectou no futebol e que, com a toda a legitimidade não quer abrir mão deles a meio do contrato, outra alternativa a que não voltar a aumentar-lhes o ordenado. Mas, também pode suceder o contrário: pode suceder que o investimento do clube se revele um fiasco, que o jogador que tanto parecia prometer, afinal não o confirmou. Nesse caso. o que eles fazem é ficar no clube, mesmo sem jogar nunca, até ao último dia do contrato, recusando todas as propôstas de venda que impliquem uma redução dos seus milionários vencimentos: não se importam nada de serem um peso morto, nem sequer de perderem anos das suas carreiras sem fazer aquilo que é suposto gostarem mais do que tudo. Mas, perder dinheiro, para voltar a jogar, isso é que não!

Estou convencido que um dia isto muda, porque o futebol não sobreviverá eternamente com clubes arruinados a sustentar estas vedetas insaciáveis. Mas, até lá, parece que não há volta a dar. Pois assim seja, mas não venham é falar-me de amor à camisola e outras mentiras que tais, porque isso é conversa de outro campeonato onde eles não entram.

3- A caminho do Sul, parei num restaurante para jantar e vi uma hora do Setúbal-Rio Ave. Fiquei impressionado, quase revoltado: poucas vezes vi um resultado tão mentiroso e tão injusto como a vitória do Vitória por 2-1. Já contra o Sporting, o Rio Ave tinha sido derrotado apenas e só porque um gigante americano chegou com a cabeça onde nenhum ser humano normal consegue chegar e ganhou o jogo para o Sporting. Há muitos anos que sinto simpatia e admiração pelo trabalho de Carlos Brito e por vezes até me tenho interrogado o que não faria ele no FC Porto, por exemplo. A verdade e que nunca teve uma oportunidade para treinar grandes jogadores num clube com todas as condições. E merecia-o: as suas equipas nunca jogam à toa, o seu futebol é tão bonito e corajoso quanto possível e ele é sempre um cavalheiro a falar. Ninguém merece menos o último lugar do que este Rio Ave de Carlos Brito.

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