terça-feira, novembro 08, 2011

VISTO DE FORA (15 FEVEREIRO 2011)

1- A Sport TV, que já chegou ao Brasil, transmitindo os jogos do campeonato português, infelizmente não se encontra em nenhum lugar público, como hotéis, bares, restaurantes. E assim, como me acontece já há longos anos, de cada vez que estou no Brasil perco sempre um ou dois ou mais jogos do meu FC Porto. Este fim-de-semana, tive de perder o Braga-Porto, que acompanhei à distância, entre o nervoso e a esperança, através de sms primeiro, e depois através dos sites de relato escrito minuto a minuto. Nestes, o que mais me custa, aquilo que se torna repugnante mesmo, é acompanhar também os comentários dos frequentadores do site que vão sendo feitos em simultâneo. O menos de tudo ainda acaba por ser o facciosismo doentio de todas as clubites, sem excepção, revelando gente que não é capaz de ver e apreciar um jogo de futebol por si mesmo. O pior porém, é a linguagem desbragada de ódio, de insulto, de miséria moral que ali se encontra. Eu sei que não é multo diferente dos comentadores dos sites de política, de sociedade, do que quer que seja.

Vive na net a coberto do anonimato, uma mu1tidão do seres doentios, cobardes, transtornados pela raiva e que, a salvo de qualquer consequência, dão largas aos seus instintos de autênticos animais. Qualquer tentativa de os identificar, para efeitos processuais, junto dos servidores americanos, encontra fatalmente a oposição das autoridades judiciais dos Estados Unidos, invocando a hipócrita razão da liberdade de pensamento. Como se a liberdade se confundisse com o direito ao insulto e à calúnia, sem riscos nem consequências! Enfim, adiante.

Pelo que vi e li, posteriormente, não ficaram dúvidas algumas sobre a justiça dos triunfos do Benfica e FC Porto. O Benfica ganhou por três, mas ainda atirou duas bolas à barra e falhou um penalty. Dizia um conformado Manuel Machado, no final, que «tentámos dar a posse de bola ao Benfica, mas eles marcaram». Bem, tentar, e conseguir, dar a posse de bola ao adversário não custa muito e normalmente acaba com ele a marcar e a ganhar. Se era essa a táctica para evitar a derrota...

Quanto ao FC Porto, dizia o site do Record, aos 74 minutos, que já havia feito dez remates à baliza contra nenhum do SC Braga. Mas, logo no minuto seguinte, escrevia que o Helton tinha acabado de fazer uma fantástica defesa - a primeira que teve de fazer nos últimos três jogos do campeonato. E, pelo relato do jogo, também deu para perceber que o resultado de 2-0 só pecou por escasso. Semi-desmantelado no mercado de Janeiro, o SC Braga também já deixou de ser um obstáculo à caminhada a dois que é este campeonato: Benfica e Porto estão muito longe de todos os outros.

Na véspera, Jorge Jesus tinha vindo repetir a sua afirmação de que ninguém joga melhor do que o Benfica, actualmente. Eu concordo, claro — é o que está vista. Mas, se quisesse ser justo, Jesus teria dito que este FC Porto, que há mais de um mês e nove jogos está desfalcado de Álvaro Pereira e Falcao, só poderia ser comparado, no momento actual, a um Benfica desfalcado de Fábio Coentrão, Saviola e Cardozo. Aí, sim, poder-se-ia comparar. Porque, quando ambas as equipas estavam completas, sabe-se o que foi…

Jesus está a ficar nervoso porque o FC Porto abana mas no cai e os 8/11 pontos de avanço já começam a parecer demasiados à medida que caminhamos para o final: mais duas ou três vitórias consecutivas e ponto final. Com declarações daquelas ou semelhantes, Jorge pretende duas coisas: uma, pôr pressão na equipa do FC Porto, a atravessar um período difícil marcado por sucessivas lesões e agora com mais a frente europeia. Outra, a de ir preparando os adeptos do Benfica para o segundo lugar no campeonato. «Não ganhámos, mas fomos a melhor equipa» - é o que ele provavelmente dirá daqui a dois meses, recuperando a estratégia em que o Benfica sempre foi bom nos últimos anos: justificar a objectividade das derrotas com a subjectividade das opiniões. Pois que se console com isso: a oportunidade de Braga, em que os benfiquistas depositavam tantas esperanças, já a perdeu.


2- A não ser por razões absolutamente excepcionais, percebe-se mal que os dirigentes do futebol retirem o protagonismo aos jogadores, aos treinadores, ao próprio jogo. E que um presidente de clube possa fazer toda uma gigantesca manchete de primeira página, como fez o presidente do Marítimo, Carlos Pereira, na edição de sábado deste jornal.

Em pose e atitude de ‘agarrem-me que eu não tenho medo de ninguém!’, Carlos Pereira aproveitou mal os seus dez minutos de fama. A dita «coragem» ficou-se por insinuações não concretizadas, bois sem nomes e bravatas sem interesse nem sentido. Em contrapartida, mostrou saber bem a que devia a honra da primeira página de A BOLA e colocou-se à altura do encargo: dizer mal do FC Porto — coisa que sempre garante audiência na imprensa desportiva de Lisboa, Imagine-se que ele queria antes dizer mal do Benfica ou do seu presidente: acredita que lhe dessem toda essa atenção?

Tudo isto, claro, a propósito do interminável folhetim Kléber. Ora, eu percebo que o presidente do Marítimo tenha, como direito e obrigação, defender o que entende serem os interesses do clube a que preside. Também percebo que, tendo-se criado um imbróglio jurídico a propósito da situação contratual de Kléber, ele tenha feito valer as suas razões, enquanto o assunto não se esclarece na FIFA. No impede que ele está como alguém a quem um amigo empresta por dois anos uma casa de que não precisa e, quando ao fim de um ano, o amigo lhe vem pedir a devolução da casa, porque tem uma excelente proposta para a vender, responde: «Não quero saber disso, foi-me emprestada por dois anos e só a largo aí.» Pode ter toda a razão jurídica e até contratual, mas não é propriamente uma atitude de louvar. Acontece até que, no caso, entrava em jogo o interesse e a vontade de uma terceira pessoa, por acaso a mais importante: o próprio jogador. Kléber, o Atlético de Minas Gerais, proprietário do seu passe, e o FC Porto, todos estavam interessados e de acordo com o seu ingresso nos azuis-e-brancos. O Marítimo boicotou e atrasou tudo isso um ano. Como disse, está no seu direito, mas é provável que, daqui para a frente, qualquer outro clube pense duas vezes antes de emprestar um jogador ao Marítimo.

Mas as coisas tornaram-se ainda mais claras, quando Carlos Pereira não resistiu a abusar da sua posição e tentou agora, à papo-seco, uma manobra para desviar o jogador para o Sporting, mostrando assim que, mais do que conservar Kléber enquanto pudesse, o que passou a interessar foi impedir que ele fosse para o FC Porto. Quando agora vem dizer que a proposta do FC Porto ao Atlético Mineiro não era superior à do Sporting, está a ser ridículo, metendo-se naquilo a que não é chamado: por acaso é ele dono do passe do jogador? O que tem a ver com o negócio entre Atlético e o FC Porto? Há dias, ouvi na rádio o sportinguista Alfredo Barroso dizer que, mais uma vez, o FC Porto tinha boicotado um negócio ao Sporting. Achei extraordinário: então não foi o Sporting que tentou boicotar o negócio ao FC Porto? Não sabiam que ele estava desde Junho a tentar comprar o Kléber?

Isto merecia um castigo e claro que Pinto da Costa não perdoou: na próxima época, além de perder Kléber, Carlos Pereira vai perder também o Djalma. Terá de ir pedir ajuda ao Benfica.

O mais irónico de isto tudo é que, apesar da sua pose de homem livre, independente e sem medo de ninguém, Carlos Pereira dirige o clube menos livre e independente de Portugal e vive no permanente terror dos achaques do Dr. Jardim, que é o verdadeiro dono do Marítimo.

Sem o Dr. Jardim a decidir quanto do dinheiro dos nossos impostos é que vai para sustentar o Marítimo, o Marítimo (clube histórico do futebol português, que respeito) não existiria na primeira divisão. Tanto o Marítimo, como o Nacional, mas mais aquele, são dois casos de autentica concorrência desleal. Agravado pelo facto de o Marítimo, na composição das suas equipas, ser o menos português de todos os clubes portugueses, É fácil dirigir um clube nestas condições. Veja-se o fantástico exemplo do novo Estádio dos Barreiros, que Carlos Pereira tão bem explica nesta entrevista. O luxo vai custar 39 milhões de euros, das quais o Governo Regional avaliza 31 milhões. Ou seja, vai pagar 31 mi1hões, porque é evidente que o Marítimo, por si, nunca os pagará. A obra está, alias, interrompida porque, segundo se percebe, o Marítimo não consegue que os bancos lhe emprestem dinheiro para os 8 milhões que lhe cabem — tamanha é a independência do clube. Mas, sem se desmanchar a rir, Carlos Pereira diz que fez contas e que, calculando o «tempo de vida útil do estádio», o Fisco ainda acabará a arrecadar 79 milhões, em troca dos 31 ou 39 que os contribuintes (do continente, claro) agora lá vão ter de enfiar, a fundo perdido. Fantástico raciocínio: olha se todas as empresas portuguesas propusessem semelhantes negócios ao Estado!

Carlos Pereira perdeu uma excelente oportunidade para estar calado e não mostrar exuberância o que é um dirigente desportivo português no seu melhor.

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