terça-feira, novembro 16, 2004

Há horas de verdade ( 9 Novembro 2004)

A vitória azul começou da maneira que todos os portistas desejavam: com
um «frango» de Ricardo. Um clássico «frango» de Ricardo: saída falhada a
uma bola alta na pequena área. Do alto da sua inabalável soberba,
Ricardo declarou: «Infelizmente não se quer ver as coisas como elas
são». Pois não, e ele é ainda o único que acredita que todos nós não
vemos e que todos nós compreendemos as evidentes e gritantes razões
pelas quais é ele o titularda baliza de Portugal...

1. A QUENTE, SOBRE O F.C. PORTO-SPORTING: — Sempre achei estranho que os
treinadores conseguissem ler o jogo a partir do «bunker» onde o vêem.
Qualquer adepto de estádio sabe que, quanto mais alto subir no estádio,
melhor vê o que se passa lá em baixo. Talvez por isso, não é raro
observar grandes treinadores que seguem o jogo em pé, em lugar de
sentados ao nível do chão, no «banco». No final do FC Porto- Sporting,
Victor Fernandez (um dos que seguem os jogos sentados), disse que ao
intervalo, na cabina, tinha «corrigido a posição do Diego e a do
Costinha». A verdade é que o Diego — que havia feito uma primeira parte
igual ao costume, isto é, a leste do jogo —, ressurgiu na segunda parte,
acabando até por marcar um grande golo. Pergunto-me se Fernandez teria
visto o mesmo e feito as alterações que conduziram o FC Porto a uma
clarividente vitória se a estulta Comissão Disciplinar da FPF o não
tivesse remetido, de castigo, para a bancada... — Durante uma hora certa
— dos 15 aos 75 minutos — o Sporting não fez um único remate à baliza de
Baía. Em 96 minutos não dispôs de uma só e flagrante oportunidade de
golo. Manifestamente, servia-lhe o empate, não sendo o milagre possível.
O FC Porto, inversamente, dispôs de uma, duas, três, quatro, cinco,
oportunidades de golo: à sexta, marcou. Deus não dorme durante 90
minutos. — A vitória azul começou da maneira que todos os portistas
desejavam: com um «frango» de Ricardo. Um clássico «frango» de Ricardo:
saída falhada a uma bola alta na pequena área. Do alto da sua inabalável
soberba, Ricardo declarou no final, sobre o golo: «Infelizmente, não se
quer ver as coisas como elas são». Pois não, e ele é ainda o único que
acredita que todos nós não vemos e que todos com preendemos as evidentes
e gritantes razões pelas quais é ele o titular da baliza de Portugal.
Tinha aqui, no Dragão, uma oportunidade única para calar os seus mais
críticos. Mas, azar seu, desperdiçou-a e logo da pior maneira para
alimentar essas críticas. Em lugar da humildade, preferiu, como sempre,
a fuga em frente, reclamando-se de uma pretensa falta que a televisão
desmente, sem piedade. Podia, depois do jogo e antes de falar, ter ido
olhar para as imagens, mas preferiu continuar a chamar-nos a todos
parvos. Recomendo-lhe a leitura da célebre fábula do Rei que ia nu. — De
igual modo, não salvam o Sporting, desta vez, as habituais desculpas com
a arbitragem e as «coisas estranhas»: António Costa fez um jogo de um só
sentido — o das cores verde e branca. De um penalty perdoado a uma
expulsão perdoada, sobram-me três folhas de bloco-notas de sentido
único: na dúvida, sempre e sempre a favor do Sporting. — Mais unilateral
ainda que a arbitragem de António Costa, só mesmo os comentários da
SportTV, na sua habitual e infalível linha antiportista. Desta vez, aos
comentários da «casa» juntaram-se os inacreditáveis comentários do
sportinguista Manuel Fernandes, de todo esquecido do mínimo de isenção
exigível à função que exerce. Passo por cima de todo o facciosismo
demonstrado para me reter na profundidade subtil do comentário que lhe
mereceu o segundo golo do FC Porto: «Animicamente, este golo foi mau
para a própria equipa (do Sporting)». Pode crer. E o terceiro ainda foi
pior.

2. Como ontem se escreveu aqui, nem A Bola, este Porto-Sporting foi um
derby anormal, pelo simples e extraordinário facto de ter sido precedido
por uma semana de absoluta ausência de hostilidades orais de parte a
parte. Não houve «bocas» entre treinadores, dirigentes ou jogadores, não
houve suspeições prévias sobre o árbitro (eu, por exemplo, só soube quem
era o árbitro quando o jogo começou), não houve declarações sobre o
«sistema», não houve provocações entre claques, nem sequer houve (nem
poderia haver!) reclamações pelo facto de o FC Porto ter retribuído ao
Sporting a «gentileza» de lhe reservar apenas mil bilhetes. Dá que
pensar, em função do que se viveu no último Benfica-Porto — antes,
durante e após o jogo. Dá ideia de que o «suspeito do costume» esteve
ausente do país, esta semana, ou então de que o «suspeito do costume»
afinal não é, ou não é sempre, o «troublemaker» do costume...

3. E, todavia, o «suspeito do costume» até teve razões de sobra para ter
montado um cenário bem diferente, face à provocatória decisão do
Conselho de Disciplina da FPF. O que diriam os dirigentes do Benfica ou
do Sporting se, nas vésperas de ter de defrontar o FC Porto, vissem o
seu treinador remetido de castigo para a bancada, por ter, num jogo da
Taça, levantado os braços ao alto e exclamado, de modo a que o árbitro o
ouvisse: «Isto é falta!»? Mais extraordinário ainda é que a sanha
justiceira dos senhores juízes do CD, punindo um treinador com o
curriculum completamente imaculado porque, à vista de todos, é um
verdadeiro cavalheiro do futebol, tenha deixado passar em branco, tal
como o árbitro o havia feito, as arrepiantes imagens do Bráulio a partir
o nariz do Areias, numa «bicicleta» impensada e, sobretudo, as da
entrada de uma violência inaudita do Flávio Meireles, só por milagre não
deixando o Costinha morto no relvado. Já se sabe de há muito (e eu já o
escrevi várias vezes), que o desígnio dos Conselhos de Disciplina, da
Liga ou da Federação parece ser o de perseguir o FC Porto e estabelecer,
sem qualquer pudor, uma dualidade de critérios, que se aplica através de
uma fórmula simples: uma justiça para o FC Porto, outra para todos os
outros. Mas, apesar de tudo, deveria haver limites, que parece que não
há. Esta decisão do CD da FPF ultrapassou todos os limites do aceitável,
denunciando-se a si própria como aquilo que é: uma paródia de justiça.
Registo o silêncio alheio à volta. Mas ele só vai durar até que outrem
se sinta atingido por decisão até muito menos grave do que esta. Nessa
altura, claro, ninguém se irá lembrar da doutrina estabelecida pelo CD
da Federação.

4. Qual é o verdadeiro Benfica, versão 2004/05? O Benfica de consumo
interno, das vitórias contra adversários menores, o Benfica líder
provisório do campeonato e prometido campeão à 7.ª jornada, o Benfica
dos discursos inflamados dos seus dirigentes, o Benfica que claramente
apostou este ano, quase em desespero, ser campeão nacional, custe o que
custar? Ou o Benfica dos jogos decisivos, dos jogos difíceis, dos palcos
europeus, onde sucumbe «naturalmente» perante qualquer equipa mediana? O
Benfica capaz de vencer tranquilamente um Vitória de Setúbal na Luz e
proclamar aos quatro ventos que, não fosse o «sistema» e toda a gente
constataria a sua evidente superioridade, ou o Benfica que paralisa de
terror face a um Anderlecht ou um Estugarda? É que, por muito que isso
pese aos benfiquistas, a segunda versão retira credibilidade à primeira
e aos argumentos em seu favor. Não é campeão quem se proclama
antecipadamente como tal, mas quem, em qualquer cenário, demonstra
justificá-lo. «Quod est demonstrandum».

5. E eis uma boa notícia para os portistas. Ou melhor, uma boa notícia
teórica: a UEFA prepara-se para introduzir nas regras do jogo a
penalização subsequente dos «simuladores», cujas simulações tenham
enganado os árbitros durante um jogo, em termos de justificar decisões,
como penalties, livres perigosos e expulsões dos adversários, que acabam
por influir injustamente no desfecho do jogo e que são, para todos os
efeitos, uma forma de batota. Em termos objectivos, esta é uma boa
notícia para os portistas porque, há muitos anos, que não temos um
«simulador», treinado para tal e utilizado até como arma secreta para
resolver jogos complicados— ao contrário de alguns dos nossos rivais,
que dispõem de verdadeiros artistas na matéria. Porém, e como disse,
para os portistas a boa notícia é apenas teórica. É que, se ela for
avante como nova lei do futebol, quem a irá aplicar, entre nós, são
exactamente os Conselhos de Disciplina. E, pelo exemplo agora visto, em
que o Costinha acabou castigado e o Flávio Meireles impune, corremos o
risco de no futuro vermos um jogador do Porto sair do campo com um
traumatismo craniano e depois ainda ser condenado como «simulador».
Pensando bem, mais vale que a UEFA deixe tudo como está.

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