O golo de Ricardo Quaresma contra o Gil Vicente, verdadeiramente, é dos tais golos inesquecíveis, não apenas pela clarividência e imaginação da jogada, mas também pela perfeição e certeza com que ele a executa
1 E à 10.ª jornada do campeonato, oFCPorto subiu ao comando— o seu lugar «natural »,nos últimos vinte anos.Chegou lá beneficiando do empate do Benfica na Madeira e depois de ter assinado em Barcelos uma exibição tão má, tão má, que é preciso recuar aos tempos de Octávio Machado para encontrar memória deumFC Porto tão desinspirado e tão trapalhão. Foi salvo por umgolpe de génio (mais um!) de Ricardo Quaresma, um momento de futebol absolutamente sublime, concretizadoemapenas dois toques na bola —um, para a receber, deixando simultaneamente o adversário sentado no chão e o caminho aberto para a baliza; e outro, para chutar a bola em curvatura perfeita, contornando o defesa por fora e indoentrar na baliza pelo ângulo oposto. Verdadeiramente, é dos tais golos inesquecíveis, não apenas pela clarividência e imaginação da jogada, mas também pela perfeição e certeza com que ele a executa. Obrigado, Ricardo Quaresma, momentos destes servem para nos reconciliarmos sempre com o jogo mais extraordinário que alguma vez se inventou!
E então, aí temos o FC Porto líder do campeonato após dez jogos, com o segundo ataque e a melhor defesa da prova. E depois— o que é importante—de já ter enfrentado os seus dois mais directos rivais e os ter vencido a ambos. Depois ainda de ter superado as sequelas de uma falsa partida e a necessidade de recuperar da perda de jogadores decisivos e integrar outros novos. E sem ter ainda conseguido estabilizar uma situação que, além de preocupante e condicionante, começa a ser estranha: o número inabitual de jogadores que, em cada momento, se encontram lesionados. Neste momento, por exemplo, entre os jogadores da «linha da frente », tem lesionados o Baía, o Nuno Valente, o Ricardo Costa, o Diego, o Carlos Alberto e o Luís Fabiano. Para além do número excessivo de jogadores habitualmente lesionados, o que mais impressiona é a facilidade com que as lesões têm acontecido (metade destes, por exemplo, lesionaram- se emtreinos), e a dificuldade que têm emser recuperadas. Não sei se é apenas falta de sorte ou outra coisa qualquer, mas o que sei é que a situação não é normal e tem contribuído decisivamente para que o FC Porto tarde em encontrar uma estabilidade exibicional, que é patente, por exemplo, na diferença entre o jogo contra o Sporting e o jogo contra o Gil Vicente.
No sábado o FC Porto recebe o Boavista (e não é de esperar um Boavista dócil como o que saiu ao Sporting, que sofre seis golos e apenas comete doze faltas num jogo!). E a seguir tem o terrível jogo de Moscovo, onde se vai jogar o seu destino europeu desta época. Regressado deMoscovo, vai a Setúbal, onde mora o terceiro classificado do campeonato. Barcelos foi um curto momento de tréguas, antecedendo uma quinzena onde se vai jogar muito do desfecho da época.
2 Tal como Trapatonni, também acho que o Benfica nem perdeu nem ganhou pontos contra o Marítimo: registou um resultado justo e sério, num jogo em que tanto poderia ter ganho como perdido. Continuo a achar que o Benfica deste ano é substancialmente melhor, mais combativo emais competitivo que o do ano passado — pelo menos, para consumo interno. Mas não acho, obviamente, que o Benfica seja, como o declaram os seus responsáveis, candidato natural ou preferencial ao título (ainda há dias, um dirigente benfiquista afirmava, sem hesitar, que se não houver interferências da arbitragem, o Benfica será naturalmente campeão). Apetece perguntar se o Benfica joga sozinho e se os outros não contam. Eu, pessoalmente, embora reconhecendo que o Benfica melhorou e que tem outra atitude de conquista, continuo também a achar que tem a pior equipa e que pratica o pior futebol dos três candi- datos. Apesar de toda a sua irregularidade exibicional, tanto o Porto como o Sporting são capazes, a espaços, de apresentar um futebol e arrancar exibições que nunca vi ao Benfica este ano.
3 O Sporting tem, para mim, três dos melhores jogadores deste campeonato: o Rochembach, o Liedson e o Douala. No Dragão, foram todos estranhamento metidos no bolso pela estrutura defensiva do FC Porto e, com os três «fora de jogo», o Sporting sucumbiu naturalmente aos golpes dos valores individuais do Porto. Contra o Boavista sucedeu o contrário: com os três, de forma igualmente estranha, à solta, o Sporting cilindrou o Boavista, produzindo o melhor do seu futebol, que é aquele jogo largo, rápido, de espaços e desmarcações em constante movimento, que enchem o olho a quem o vê e deixa todos a pensar que ali está o principal candidato ao título. Mas, depois, o Sporting sai do conforto de Alvalade (onde, entre outras vantagens, tem sempre o público a pressionar o árbitro, como em lado algum, do primeiro ao último minuto), e transforma-se numa outra equipa, sem capacidade de reacção às adversidades e sem espírito de conquista, remetida a um chorinho de lamúrias e queixas dos outros, com as quais pretender iludir as fraquezas e responsabilidades próprias. No dia em que o Sporting conseguir passar o seu Rubicão quinzenal, com esta ou outra equipa, será sempre um candidato sério e crónico ao título.
4 Vista de fora, vista do lugar das «vítimas», foi deliciosa e eloquente a polémica prévia ao Sporting-Boavista, entre Jaime Pacheco e José Peseiro, sobre qual dos dois dispunha de um mais eficaz «simulador» na equipe: se Liedson se João Pinto. Pena que as circunstâncias do jogo não tenham permitido que o público de Alvalade tenha sentido na pele a sensação de sofrer um penalty «à João Pinto». Em vez disso, tiveram o prazer de, pela segunda semana consecutiva, terem visto os árbitros perdoarem- lhes um penalty e uma expulsão: mas, até porque isso acabou por não ser decisivo em qualquer dos jogos, é certo que não entrará em conta naquelas estatísticas muito particulares sobre as vilanias da arbitragem com que os sportinguistas gostam de se entreter.
5 E depois de uma semana em que se confirmou a ideia que o guarda-redes sportinguista faz sobre o que seja o direito à crítica numa imprensa livre e num país democrático (em resumo, só aceita elogios, as críticas são sempre ataques «pessoais» e encomendas alheias), eis que também o treinador dos leões veio tocar o mesmo instrumento, embora em ré menor. Com Ricardo, nem vale a pena gastar mais palavras: ele, pura e simplesmente, não quer compreender e, por todos, acho que o Vítor Serpa lhe respondeu aqui, em termos que subscrevo por inteiro.Mas o José Peseiro—que vem de um país onde a crítica futobolística émuitíssimo mais contundente e de um clube que na época passada foi arrasado pela crítica — deveria mostrar outra atitude e outra cultura profissional. Assim, fica a ideia feia de que em Espanha tudo teve de consentir, mas em Portugal já se acha com o direito a reclamar silêncio. Quando ele veio dizer, após a retumbante vitória sobre o Boavista, que «esta é uma resposta inequívoca a todos aqueles que falam e escrevem», ele está perigosamente enganado. O que o clube por ele treinado faz em campo é uma resposta aos seus apoiantes, aos sócios que lhe pagam o ordenado e à Direcção que o contratou. Ele responde perante o clube e os que falam e escrevem respondem perante o órgão de informação que lhes paga. E ambos respondem perante o público. É assim
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