Deixemo-nos de hipocrisias e cerimónias: esta equipa do Boavista treinada por Jaime Pacheco é um caso lamentável de antijogo, verdadeiro paradigma das razões pelas quais o público se afasta dos estádios
1. No momento em que escrevo isto não sei ainda se o Derlei terá ou não de ser operado, se estará afastado dos relvados duas ou muitas semanas. Seguramente não jogará a final da Supertaça contra o Benfica nem a final da Supertaça europeia contra o Valência. A entrada assassina que sofreu do Toñito prejudica seriamente os interesses do clube que lhe paga e os do próprio jogador – que é um exemplo de combatividade, espírito de sacrifício e lealdade, que torna ainda mais chocante o acto de que foi vítima. Se o Conselho de Disciplina da Liga não existisse quase só para perseguir o FC Porto e proteger o Boavista, o mínimo – repito, o mínimo – que sucederia ao Toñito era o que sucedeu ao Paulinho Santos, quando partiu o nariz ao João Pinto: ficar de fora até que o Derlei regresse em pleno. Quando soube que o FC Porto iria deslocar-se ao Bessa para um «jogo amigável» fiquei logo apreensivo e achei demasiado temerária a atitude da direcção portista de aceitar tal jogo: sabendo nós como joga o Boavista de Jaime Pacheco, tudo o que vá para além dos jogos oficiais, de onde se não pode fugir, é um risco a evitar. E, mal o jogo começou, eu bati três vezes na madeira, desejando que nenhum jogador do FC Porto saísse dali lesionado, aumentando ainda o impressionante rol de baixas para o jogo com o Benfica, na próxima sexta-feira. Infelizmente, a sorte não ajudou e sucedeu aquilo que é o mais normal suceder contra esta equipa do Boavista. E porquê? Porque, deixemo-nos de hipocrisias e cerimónias, esta equipa do Boavista treinada por Jaime Pacheco é um caso lamentável de antijogo, verdadeiro paradigma das razões pelas quais o público se afasta dos estádios. Quando o Boavista de Pacheco foi campeão, eu escrevi isto mesmo – ainda bem para o clube, que já o merecia, ainda mal para o futebol, que o não merecia. Mas, como o Campeonato foi ganho ao FC Porto, o inimigo público do resto do país, toda a gente se desfez em elogios. Criaram um monstro e agora ninguém o segura. Mas, se eles cometerem o erro de partir uma perna ao Mantorras ou ao Liedson, então vão ficar todos indignados. O Campeonato está à porta e porque, segundo afirma o próprio, é este o Boavista que Pacheco quer, é assim que ele gosta das equipas e entende o futebol, não há lugar a pensar que o que se passou anteontem no Bessa foi um acidente de percurso e não o início do percurso que se pretende. E, como a opinião é livre, quer de um lado quer do outro, vou dizer o que penso sobre o «futebol» deste Boavista de Jaime Pacheco: a) O Boavista de Jaime Pacheco não joga nem pretende jogar futebol: pretende apenas evitar que os adversários joguem; b) Para isso, vale tudo, rigorosamente tudo, o que os árbitros, como esse lamentável Paulo Costa, lhe consentem: rasteiras, cotoveladas, socos, pontapés por trás, faltas constantes e sistemáticas a meio-campo para evitar a organização ofensiva do adversário, insultos, intimidações, perdas de tempo, tudo menos assumir o risco de querer jogar futebol; c) O Boavista não joga para marcar golos, mas apenas para os evitar. O zero-zero é um grande resultado, o 1-0 uma goleada; d) Por isso, nenhum jogo onde intervenha o Boavista, particularmente se disputado no Bessa, pode ser um bom jogo de futebol. Porque o adversário é inibido e impedido de jogar, os seus jogadores mais criativos são implacavelmente massacrados e todo o seu jogo construtivo é destruído à nascença pelo recurso sistemático à falta, que corta jogo, desgasta fisicamente e desmoraliza. Quando joga o Boavista, não há golos, não há oportunidades de golo, não há jogadas levadas do princípio ao fim sem faltas. Há, em contrapartida, interrupções constantes, cartões sem fim, uma média de faltas superior a minuto e meio, um tempo útil de jogo que nunca chega aos cinquenta por cento, violência, «sururus», agressões, expulsões – normalmente, e por ironia absoluta, dos adversários. Por alguma razão Jaime Pacheco não se aguentou mais do que um trimestre em Maiorca: porque os espanhóis gostam de ver futebol e por isso é que têm os estádios cheios, enquanto o Bessa está sempre às moscas; e) Mas o pouco público boavisteiro que vai ao Bessa merece inteiramente a equipa que tem e o futebol que vê: são eles, como ainda se constatou no jogo de ontem, que, ao verem um jogador da casa perseguir um adversário, gritam lá para dentro «dá-lhe, dá-lhe!». Este público, que não se importa que a equipa desdenhe do espectáculo e do jogo, que enxovalhe o nome do clube à vista do país na televisão, é o pior público do futebol: aquele que não vai lá por gostar de futebol, mas porque tem contas a ajustar coma vida ou problemas do foro psicológico que acham poder resolver assim; f) Curiosamente, quando o Boavista joga para as competições europeias, tudo muda de figura. Os jogadores sabem que não podem contar aí com a protecção dos árbitros a que estão habituados cá dentro e acontece-lhes até terem de jogar futebol e jogarem bem; g) O que prova que o futebol arruaceiro e caceteiro do Boavista não acontece por acaso, mas por uma atitude deliberada, ensaiada, treinada e incentivada. E por quem? Obviamente por Jaime Pacheco, que ainda anteontem, depois de mais uma entrada a «varrer» de um tal André Barreto sobre um adversário, batia palmas na lateral. Manifestamente, Jaime Pacheco deveria optar antes por ser treinador de kung-fu, kick-boxing ou wrestling. De futebol é que não. Ele faz mal ao futebol, causa danos, desrespeita o jogo, o público, os adversários. Um treinador que tivesse o mínimo de respeito pelo jogo e pelos jogadores, teria tirado o Toñito de campo logo após a sua entrada sobre o Derlei; h) Se observarem com atenção, verão que a estratégia de sarrafada do Boavista não é aleatória nem ao sabor dos acontecimentos. Pelo contrário, obedece a um plano e é ela que comanda e desencadeia os acontecimentos. Os objectivos principais são impedir o jogo do adversário, intimidar e diminuir fisicamente os seus principais jogadores, enervá-los e arrastá-los para o mesmo clima de violência e nervos à flor da pele, onde a superioridade futebolística se perde por completo. Desta estratégia decorrem algumas variantes «tácticas». Por exemplo, não começam todos a distribuir pancada ao mesmo tempo: são seleccionados um ou dois, que fazem as despesas iniciais até levarem finalmente um amarelo; aí, transformam-se em cordeirinhos e avançam outros que os substituem e assim sucessivamente. Outra variante táctica manda que os jogadores do Boavista comecem a distribuir pancada logo desde o minuto inicial e sabendo que contam com a complacência dos árbitros portugueses, que acham que os cartões não são para mostrar no início. Quando, após uma meia-hora de jogo a levar pancada sem reacção do árbitro, o adversário se enerva e começa a responder na mesma moeda, então, como que por milagre, o árbitro desperta e começa a sacar dos cartões... para o adversário. A história dos Boavista-FC Porto dos últimos anos está repleta de episódios destes. Eis a equipa do Boavista que se apresenta para disputar o próximo Campeonato. Continuem a protegê-la mas depois não venham lamentar-se de que os espectáculos são deploráveis e que não há público nos estádios.
2. O pior do futebol português esteve também presente na prestação da Selecção Olímpica contra o Iraque. Não foi só o jogo displicente, o ar de turistas em férias, a bandalheira táctica da equipa. Foi a cultura da «cotovelada», o esforço trocado pela violência gratuita, o tom de meninos mimados que não sabem ganhar nem perder. Parece que ninguém lhes explicou que estavam nuns Jogos Olímpicos. Se fosse eu a mandar, tinha-os mandado para casa imediatamente. Não há medalha que possa valer aquela vergonha. Mas este é o país onde o Amoreirinha passou impune depois de fazer o que fez em Toulon...
3. Nestas duas semanas de férias, das coisas que mais me divertiu foi ver o desespero dos articulistas do Benfica e Sporting perante o despedimento de Del Neri. Eles já afiavam o dente de contentes, ao verem, como todos víamos, que o pobre italiano da mochila tinha conseguido em menos de um mês dar cabo do trabalho de dois anos e meio e prometia continuar, se ninguém o agarrasse. Quando Pinto da Costa o mandou de volta para casa, choveram os artigos moralistas, a dizer que isso não se faz, olha que arrogância, que prepotência! Houve até quem escrevesse contra o «dócil rebanho portista», que, habituado à subserviência, já nem ousava levantar um suspiro contra as decisões prepotentes do «papa» – fingindo não perceber que o que sucedeu foi justamente o contrário: o «papa» é que escutou a vontade e a sabedoria do povo portista. Como não se conseguia destruir de fora e em campo aberto aquela equipa que mandou na Europa nos últimos dois anos, havia a fundada esperança de a ver implodir por dentro. Esteve próximo, mas falhou. Desculpem lá. Mas numa coisa eles têm razão: está por explicar como e porquê Pinto da Costa foi inventar este lírico italiano. Sendo certo que erros destes todos cometemos – senão não haveria despedimentos nem divórcios... – um erro tão evidente e tão previsível dá que pensar. Por exemplo, que a pressa é má conselheira.
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