sábado, dezembro 08, 2012

FUTEBOL IGUAL AO PAÍS (15 NOVEMBRO 2011)

1- Por mais que lancemos as culpas para cima da Sr.ª Merkel, ou de José Sócrates, ou de Passos Coelho ou dos políticos, Portugal está arruinado porque todos - Estado, empresas, famílias se endividaram alegremente, acreditando poder viver eternamente a crédito e que alguém trataria depois de pagar a conta. O que aconteceu ao país vem acontecendo também ao futebol e aqueles que aqui me seguem há vários anos sabem que não me tenho cansado de mostrar a minha perplexidade com a irresponsabilidade financeira em que vive o futebol português.

À revelia da euforia geral, fui convictamente contra a realização do Euro 2004 em Portugal, porque antecipei o que seria o desperdício de construir estádios condenados ao vazio. Não era preciso ser economista para antecipar que cidades como Aveiro, Coimbra, Leiria, Faro e mesmo Braga, Guimarães e Porto (estádio do Bessa) e os clubes aí sediados não tinham massa crítica desportiva que chegasse para alimentar a dimensão e os custos dos novos estádios, e a solução só poderia ser, como foi e é, um encargo financeiro tremendo e permanente sobre os ombros das autarquias. A teimosia e a euforia nacional com o Euro (Jorge Sampaio, presidente, chegou a declará-lo «desígnio nacional») podem muito bem servir de exemplo eloquente da mentalidade de novo-rico que nos conduziu ao desastre actual.

Mas também sempre manifestei a minha perplexidade para com a forma como os três grandes administravam as suas contas, vivendo eternamente a crédito e a acumular passivo. Na gestão corrente, nunca percebi uma política de comprar por atacado no estrangeiro, levando à formação de plantéis profissionais com uma folha de ordenados reuniudo 50, 60, 70 jogadores sob contrato, ao mesmo tempo que ouvimos os treinadores, invariavelmente, dizer que só querem trabalhar com um máximo de 25. Que empresa pode sobreviver quando, precisando apenas de 25 trabalhadores, paga ordenados a 70? E, com a excepção, este ano interrompida, do Sporting, também nunca entendi porque gastam os grandes dinheiro com a formação e as escolas de jogadores, se depois não aproveitam nada e preferem as razias de Verão no estrangeiro, para mais confiando quase sempre não nos seus olheiros, mas nos catálogos dos empresários.

No sábado, no particular contra o Galatasaray, Miguel Vítor, do Benfica, conseguiu destacar-se, não por ter marcado um golo, mas por ser uma excepção de um jogador que vem da escola do Seixal e por ter sido o primeiro golo português marcado pelo Benfica em oito meses! Nem se vê como poderia ser diferente, se o onze actual e habitual que Jesus põe em campo não contempla um único jogador português, o que ó verdadeiramente arrepiante para um clube que tinha nos seus estatutos originais a proibição de jogar com estrangeiros. Aliás, A Bola trazia ontem uma relação dos jogadores vindos da formação que tinham chegado a jogar como titulares no Benfica, nos últimos dez anos: foram apenas 15, dos quais 12 portugueses. Desses 15 nomes, apenas Moreira, a espaços, João Pereira, muito pouco, e Manuel Fernandes, em transição para o estrangeiro, atingiram o mínimo de relevo com a camisola do Benfica. De facto, para quê ter e manter uma escola? E, se falo do Benfica, é porque, infelizmente, ainda não vi publicada idêntica relação referente ao FC Porto — mas, de memória, parece-me que será ainda pior, pois que, por aquelas bandas, todos os jovens revelados nas escolas são rapidamente emprestados para nunca mais regressarem. Lembro-me de um rol de jovens promessas portislas, emprestados sem regresso ou abandonados à sua sorte, a quem o clube e os seus treinadores jamais deram uma oportunidade a sério para provarem que valeu a pena investir na sua formação. Mas, em contrapartida, não consigo lembrar-me qual terá sido o último jogador vindo das escolas do clube que se afirmou como titular nos seniores — o Fernando Couto, o Vítor Baía? Já o Sporting, tentou durante muito tempo seguir um caminho diferente (e daí o Nani ou o Cristiano Ronaldo), mas este ano parece ter-se rendido à lei do mercado, dir-se-ia que imperativa para conseguir ganhar alguma coisa: actualmente, ver o Sporting jogar com 9 ou 10 estrangeiros também não causa estranheza . Aliás, este é o primeiro campeonato em que os estrangeiros são maioritários na divisão principal. Eu sei que não é caso único no planeta futebol, mas precisamente porque não temos o poderio económico dado por contratos bilionários com televisões, como sucede em Espanha ou Itália, nem sheiks árabes, milionários asiáticos ou semi-mafiosos russos a financiar os nossos clubes, como acontece em Inglaterra, seria de prever que soubéssemos aproveitar melhor os nossos recursos próprios. Aproveitar e segurar, porque é uma verdadeira dor de alma ver todos os nossos bons jogadores saírem para o estrangeiro, abrindo caminho para que uma quantidade de estrangeiros, tanta vezes piores, venham para cá ocupar os seus lugares. Por favor, não vejam nisto nada de xenófobo ou de nacionalismo bacoco, que abomino. Alguns dos melhores jogadores do FC Porto de sempre, sem dúvida a maioria, eram estrangeiros, e até me dá um frémito só de recordar os seus nomes: Cubillas, Aloísio, Jardel, Drulovic, Kostadinov, Branco, Geraldão, Doriva, Zahovic e, claro, Rabah Madjer, o melhor jogador que alguma vez vi vestir a camisola do FC Porto. Mas, e pensando apenas no lado financeiro do futebol actual, na estrutura dos seus custos e receitas, eram outros tempos, que agora não são mais reproduzíveis. No casino de milhões em que se transformou a indústria do futebol, um país pobre e pequeno, mas com o futebol no sangue, como nós somos, ou tira mais partido daquilo que tem ou não sobrevive.

O resultado desta política suicidaria dos três grandes está espelhado no estudo apresentado pelo professor do ISEG António Samagaio. Juntos, os três grandes devem à banca 350 milhões de euros, com o Benfica à cabeça. Juntos, acumulam um passivo de 700 milhões (324 o Benfica, 200 o Sporting, 193 o FC Porto) . Para se financiarem fora da banca, já chegaram ao ponto de emitir empréstimos obrigacionistas a três anos que pagam a melhor rentabilidade do mercado: 8% as obrigações da SAD do Benfica e do FC Porto, 9,5% (!) a do Sporting. Enfim, os déficites de exploração acumulam--se quase todos os anos, com excepção do FC Porto, devido ao volume excepcional de vendas de jogadores no mercado (compensado com uma massa salarial que é 50% superior à do Sporting).

É óbvio que isto não é sustentável durante muito mais tempo, agora sobretudo, que o país está em crise e a banca sem dinheiro. Luís Filipe Vieira, que está habituado a gerir empresas e a ter de pagar salários a muita gente no final de cada mês, já o percebeu e já declarou que vêm aí tempos difíceis e que vai ser preciso desinvestir no futebol, comprando menos lá fora e aproveitando melhor o que tem cá dentro. Mas dificilmente o conseguirá fazer se não encontrar da parte dos rivais a mesma atitude de contenção e alerta — uma espécie de acordo de cavalheiros, não declarado nem assumido, que promova tréguas na loucura colectiva. Se assim não for, por mais assustado que esteja o presidente do Benfica e por mais louváveis que sejam as suas intenções, a massa associativa não quererá saber de relatórios e contas e menos ainda de contenção de despesas, se vir algum dos rivais passar-lhe desportivamente à frente, seguindo uma política oposta. Foi o que sucedeu este ano no Sporting, onde a pressão para obter resultados levou a nova direcção a jogar a cave, sem margem de reserva financeira para falhar ou esperar por resultados.

2- À hora do Portugal-Bósnia estarei num avião sobre o Atlântico e espero, pelo menos, poder seguir o desfecho do jogo por informações da cabine. Mas decerto que será um voo tranquilo, pois não vejo hipóteses de outro resultado que não a nossa vitória. Já sei que, segundo Paulo Bento, há 50% de hipóteses para cada lado, mas isso é conversa de treinador a valorizar a sua missão. Com a defesa e o ataque que tem (mesmo sem um ponta- de-lança ao nível do resto), Portugal é claramente superior à Bósnia, com Dzeko e tudo. Temos, de facto, um ponto fraco no meio-campo — talvez o pior meio-campo que me lembro de ver na Selecção. Talvez fosse melhor apostar num meio-campo claramente ofensivo, fazendo recuar o Nani ou metendo lá o Danny, no lugar do Miguel Veloso. Paulo Bento não o fará, excepto em estado de necessidade, mas, mesmo sem um meio-campo desequilibrador, sobram desequilibradores para nos qualificar sem grandes sobressaltos. Não há desculpas para outro resultado que não a vitória.

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