Feito o balanço, o mais grave do "Apito Dourado" é a demonstração do total falhanço de uma justiça inepta e irresponsável, que actua para os jornais e não para os tribunais.
1- Imagine, leitor, o seguinte cenário: uma empresa constitui-se tendo como grande objectivo concorrer a um concurso internacional de prestígio mundial - chamemos-lhe a Empresa. O capital necessário é reunido por subscrição pública, entre pessoas com muito, com algum ou com pouco dinheiro, que acreditam no projecto - chamemos-lhes os Accionistas. Para o liderar, a Empresa contrata um dos profissionais com mais nome no mercado internacional, a quem se dispõe a pagar um ordenado milionário - chamemos-lhe o Profissional. O Profissional reúne então uma equipa de quadros altamente qualificados - chamemos-lhe a Equipa - e, durante dois anos, eles preparam-se, com todas as condições, todas as mordomias e todo o crédito, para a tarefa que a Empresa e os Accionistas lhes confiaram- chamemos-lhe o Evento. E, então, dois meses antes do evento, o Profissional aceita reunir-se em segredo com uma empresa concorrente daquela que lhe paga, com o propósito de contratar os seus serviços após o Evento. Ou seja, quando toda a gente, a começar pela Empresa que passou dois anos a pagar-lhe um ordenado de luxo, o imagina apenas concentrado no objectivo definido e a mobilizar a sua Equipa para tal, ele está a negociar um novo contrato, acautelando o futuro.
Agora, leitor, ponha os nomes às coisas: onde está Empresa, leia Federação Portuguesa de Futebol; onde está Accionistas, leia pagadores de impostos; onde está Evento, leia Mundial de Futebol; onde está Equipa, leia Selecção Nacional; e onde está Profissional, leia Luiz Filipe Scolari. Foi isso que aconteceu: o nosso Seleccionador Nacional, o mesmo que em devida altura vai fazer um apelo
ao patriotismo dos portugueses e às bandeiras desfraldadas nas varandas e nos carros, aceitou reunir-se, dois meses antes do Mundial, com representantes da Federação de Futebol Inglesa para discutir as possibilidades de trocar de bandeira, logo após o Mundial.
Sim, eu sei: vão-me dizer que ele é um profissional e que o futebol é assim, nos tempos que correm. Mas, então, por favor, não me venham com patriotismos, e "a Selecção de todos nós", e o "treinador de todos nós" e outras bugigangas que tal. Eu pago, eles que joguem, e ponto final.
Parece, também, que o "nosso" seleccionador não ficou muito entusiasmado com o convite da Federação Inglesa: o ordenado não era assim tão superior ao que lhe pagamos, o clima é pior, a segurança não é comparável, a família gosta mais de Lisboa e a imprensa aqui é bem mais simpática e compreensiva. Acho uma escolha muito legítima e sábia. Mas, por favor, não a venham depois apresentar como amor a Portugal ou "compromisso de cavalheiros". As coisas são o que são.
2-Na semana em que rebentou o "Apito Dourado" (já lá vão mais de dois anos), por entre o entusiasmo geral de quem achava que o futebol português e os seus subterrâneos iriam levar um abanão de alto a baixo, eu atrevi-me a escrever no "Público" um artigo intitulado "Apito Encravado". Nele previ que, apesar de todo aquele espa-lhafato e show off justiceiro, a montanha acabaria por parir um rato - já que o único resultado que interessaria a dois terços do país opinante era a captura de Pinto da Costa, e essa, logo ali dava para perceber que não tinha o menor sustentáculo para ir avante. É verdade que, com o "Apito Dourado", a juíza de instrução de Gondomar inaugurou uma figura nova no direito processual português: em vez da prisão após interrogatório do suspeito, passou a ver-se a prisão prévia para interrogatório. Mas, ao contrário de todos os outros envolvidos, Valentim Loureiro incluído, Pinto da Costa, que se encontrava ausente no estrangeiro, muito legítima e inteligentemente, frustrou os desejos da populaça e apresentou-se apenas quando tinha a certeza de que iria ser ouvido, assim evitando passar dois dias de cárcere público à espera que a Meritíssima o pudesse interrogar. Esse foi o primeiro tiro de pólvora seca do "Apito Dourado". O segundo, foi a dificuldade dos acusadores conseguirem demonstrar que o "JP" das escutas telefónicas ( que reclamava umas "meninas" para o distraírem") era mesmo o Jacinto Paixão, árbitro nomeado para o FC Porto-Estrela da Amadora de 2004. O terceiro, foi a dificuldade de os acusadores tornarem verosímil aquilo que em direito penal se chama o "nexo de causalidade": mesmo que "JP" fosse Jacinto Paixão, e que o presidente do FC Porto tivesse acedido ao seu pedido de umas "meninas", como se conseguiria convencer alguém de que a contrapartida disso teria sido uma arbitragem favorável do "JP", num jogo em que a então equipa de José Mourinho - praticamente já com o título na mão e a dois meses de se sagrar campeã da Europa - tinha necessidade de corromper o árbitro para vencer um jogo em casa contra o último da classificação?
Eu escrevi isto há dois anos: o único objectivo mediático do "Apito Dourado" era conseguir encravar Pinto da Costa. Mas, os "factos" que existiam para tal eram simplesmente patéticos e ridículos. Porém, a pressão da "inteligência" lisboeta era muita e o processo prosseguiu. Durante dois anos, esbanjou-se alegremente o dinheiro dos contribuintes a tentar transformar num caso judicial aquilo que não passava de um processo de intenções. Mobilizaram-se funcionários, investigadores, oficiais de diligências, chamaram-se "peritos" ex-árbitros para eles declararem (num caso até ao contrário do que ele havia escrito na altura) que um dos golos do FC Porto nesse jogo tinha sido em "off-side", e, no final, já com todos os prazos de instrução ultrapassados, juntou-se uma task-force do Ministério Público, para conseguir deduzir alguma acusação. E, finalmente, quando alguma coisa precisava de ser apresentada, mandaram-se extrair certidões para outras comarcas, para que outros continuassem a perseguir a lebre que eles julgavam ter levantado mas que não tinham conseguido caçar. E, quando chegou ao tribunal do Porto a certidão para continuar a investigar Pinto da Costa, o delegado do Ministério Público de lá arrumou com a investigação em duas penadas, fazendo a pergunta fatal: alguém me consegue explicar a necessidade do FC Porto subornar o árbitro daquele jogo contra o Estrela da Amadora?
Assim morreu, para todos os efeitos úteis, o "Apito Dourado". À boleia do cadáver, ressuscitou também o major Valentim Loureiro, aliado conjuntural do presidente do Benfica na gestão do "sistema". Todavia, há aqui uma diferença: para quem leu os extractos das conversas telefónicas entre o major e o presidente do Gondomar, o mínimo de bom-senso exigiria que ele ficasse calado e muito bem caladinho e que apresentasse, já ontem, a sua demissão da presidência da Liga de Clubes.
Feito o balanço, o mais grave do "Apito Dourado" não é a montanha que pariu o rato, nem o dinheiro inutilmente gasto a investigar pechisbeque, nem sequer - por mais grave que tenha sido -mais uma cena eloquente de falta de respeito pelos direitos dos arguidos em processo penal. O mais grave de tudo é a demonstração do total falhanço de uma justiça inepta e irresponsável, que actua para os jornais e não para os tribunais. Se houvesse vergonha, que não há, o "Apito Dourado", deveria, de facto, fazer rorolar cabeças. Outras.
Quanto àqueles que, durante estes dois anos, tantas esperanças puseram no "golpe de secretaria", deixo-lhes um conselho para o futuro: aprendam a destrinçar o espalhafato do facto, aprendam a ler os sinais para além da espuma das coisas.
3- Esta semana o Sporting está de parabéns: venceu em Vila do Conde, ficando a um empate da entrada directa na Liga dos Campeões - o que, prestígio e estatística passageiros à parte, vale hoje o mesmo do que ser campeão. E, de caminho, derrotou e por números eloquentes, a demagogia interna.
1- Imagine, leitor, o seguinte cenário: uma empresa constitui-se tendo como grande objectivo concorrer a um concurso internacional de prestígio mundial - chamemos-lhe a Empresa. O capital necessário é reunido por subscrição pública, entre pessoas com muito, com algum ou com pouco dinheiro, que acreditam no projecto - chamemos-lhes os Accionistas. Para o liderar, a Empresa contrata um dos profissionais com mais nome no mercado internacional, a quem se dispõe a pagar um ordenado milionário - chamemos-lhe o Profissional. O Profissional reúne então uma equipa de quadros altamente qualificados - chamemos-lhe a Equipa - e, durante dois anos, eles preparam-se, com todas as condições, todas as mordomias e todo o crédito, para a tarefa que a Empresa e os Accionistas lhes confiaram- chamemos-lhe o Evento. E, então, dois meses antes do evento, o Profissional aceita reunir-se em segredo com uma empresa concorrente daquela que lhe paga, com o propósito de contratar os seus serviços após o Evento. Ou seja, quando toda a gente, a começar pela Empresa que passou dois anos a pagar-lhe um ordenado de luxo, o imagina apenas concentrado no objectivo definido e a mobilizar a sua Equipa para tal, ele está a negociar um novo contrato, acautelando o futuro.
Agora, leitor, ponha os nomes às coisas: onde está Empresa, leia Federação Portuguesa de Futebol; onde está Accionistas, leia pagadores de impostos; onde está Evento, leia Mundial de Futebol; onde está Equipa, leia Selecção Nacional; e onde está Profissional, leia Luiz Filipe Scolari. Foi isso que aconteceu: o nosso Seleccionador Nacional, o mesmo que em devida altura vai fazer um apelo
ao patriotismo dos portugueses e às bandeiras desfraldadas nas varandas e nos carros, aceitou reunir-se, dois meses antes do Mundial, com representantes da Federação de Futebol Inglesa para discutir as possibilidades de trocar de bandeira, logo após o Mundial.
Sim, eu sei: vão-me dizer que ele é um profissional e que o futebol é assim, nos tempos que correm. Mas, então, por favor, não me venham com patriotismos, e "a Selecção de todos nós", e o "treinador de todos nós" e outras bugigangas que tal. Eu pago, eles que joguem, e ponto final.
Parece, também, que o "nosso" seleccionador não ficou muito entusiasmado com o convite da Federação Inglesa: o ordenado não era assim tão superior ao que lhe pagamos, o clima é pior, a segurança não é comparável, a família gosta mais de Lisboa e a imprensa aqui é bem mais simpática e compreensiva. Acho uma escolha muito legítima e sábia. Mas, por favor, não a venham depois apresentar como amor a Portugal ou "compromisso de cavalheiros". As coisas são o que são.
2-Na semana em que rebentou o "Apito Dourado" (já lá vão mais de dois anos), por entre o entusiasmo geral de quem achava que o futebol português e os seus subterrâneos iriam levar um abanão de alto a baixo, eu atrevi-me a escrever no "Público" um artigo intitulado "Apito Encravado". Nele previ que, apesar de todo aquele espa-lhafato e show off justiceiro, a montanha acabaria por parir um rato - já que o único resultado que interessaria a dois terços do país opinante era a captura de Pinto da Costa, e essa, logo ali dava para perceber que não tinha o menor sustentáculo para ir avante. É verdade que, com o "Apito Dourado", a juíza de instrução de Gondomar inaugurou uma figura nova no direito processual português: em vez da prisão após interrogatório do suspeito, passou a ver-se a prisão prévia para interrogatório. Mas, ao contrário de todos os outros envolvidos, Valentim Loureiro incluído, Pinto da Costa, que se encontrava ausente no estrangeiro, muito legítima e inteligentemente, frustrou os desejos da populaça e apresentou-se apenas quando tinha a certeza de que iria ser ouvido, assim evitando passar dois dias de cárcere público à espera que a Meritíssima o pudesse interrogar. Esse foi o primeiro tiro de pólvora seca do "Apito Dourado". O segundo, foi a dificuldade dos acusadores conseguirem demonstrar que o "JP" das escutas telefónicas ( que reclamava umas "meninas" para o distraírem") era mesmo o Jacinto Paixão, árbitro nomeado para o FC Porto-Estrela da Amadora de 2004. O terceiro, foi a dificuldade de os acusadores tornarem verosímil aquilo que em direito penal se chama o "nexo de causalidade": mesmo que "JP" fosse Jacinto Paixão, e que o presidente do FC Porto tivesse acedido ao seu pedido de umas "meninas", como se conseguiria convencer alguém de que a contrapartida disso teria sido uma arbitragem favorável do "JP", num jogo em que a então equipa de José Mourinho - praticamente já com o título na mão e a dois meses de se sagrar campeã da Europa - tinha necessidade de corromper o árbitro para vencer um jogo em casa contra o último da classificação?
Eu escrevi isto há dois anos: o único objectivo mediático do "Apito Dourado" era conseguir encravar Pinto da Costa. Mas, os "factos" que existiam para tal eram simplesmente patéticos e ridículos. Porém, a pressão da "inteligência" lisboeta era muita e o processo prosseguiu. Durante dois anos, esbanjou-se alegremente o dinheiro dos contribuintes a tentar transformar num caso judicial aquilo que não passava de um processo de intenções. Mobilizaram-se funcionários, investigadores, oficiais de diligências, chamaram-se "peritos" ex-árbitros para eles declararem (num caso até ao contrário do que ele havia escrito na altura) que um dos golos do FC Porto nesse jogo tinha sido em "off-side", e, no final, já com todos os prazos de instrução ultrapassados, juntou-se uma task-force do Ministério Público, para conseguir deduzir alguma acusação. E, finalmente, quando alguma coisa precisava de ser apresentada, mandaram-se extrair certidões para outras comarcas, para que outros continuassem a perseguir a lebre que eles julgavam ter levantado mas que não tinham conseguido caçar. E, quando chegou ao tribunal do Porto a certidão para continuar a investigar Pinto da Costa, o delegado do Ministério Público de lá arrumou com a investigação em duas penadas, fazendo a pergunta fatal: alguém me consegue explicar a necessidade do FC Porto subornar o árbitro daquele jogo contra o Estrela da Amadora?
Assim morreu, para todos os efeitos úteis, o "Apito Dourado". À boleia do cadáver, ressuscitou também o major Valentim Loureiro, aliado conjuntural do presidente do Benfica na gestão do "sistema". Todavia, há aqui uma diferença: para quem leu os extractos das conversas telefónicas entre o major e o presidente do Gondomar, o mínimo de bom-senso exigiria que ele ficasse calado e muito bem caladinho e que apresentasse, já ontem, a sua demissão da presidência da Liga de Clubes.
Feito o balanço, o mais grave do "Apito Dourado" não é a montanha que pariu o rato, nem o dinheiro inutilmente gasto a investigar pechisbeque, nem sequer - por mais grave que tenha sido -mais uma cena eloquente de falta de respeito pelos direitos dos arguidos em processo penal. O mais grave de tudo é a demonstração do total falhanço de uma justiça inepta e irresponsável, que actua para os jornais e não para os tribunais. Se houvesse vergonha, que não há, o "Apito Dourado", deveria, de facto, fazer rorolar cabeças. Outras.
Quanto àqueles que, durante estes dois anos, tantas esperanças puseram no "golpe de secretaria", deixo-lhes um conselho para o futuro: aprendam a destrinçar o espalhafato do facto, aprendam a ler os sinais para além da espuma das coisas.
3- Esta semana o Sporting está de parabéns: venceu em Vila do Conde, ficando a um empate da entrada directa na Liga dos Campeões - o que, prestígio e estatística passageiros à parte, vale hoje o mesmo do que ser campeão. E, de caminho, derrotou e por números eloquentes, a demagogia interna.
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