sábado, março 27, 2004

A hora das decisões que restam ( 16 Março 2004)

1- Esta noite em Braga e amanhã na Luz decidem-se os finalistas da Taça de Portugal. Mais difíceis as tarefas de Braga e Porto — o quarto classificado do campeonato recebe o indiscutível primeiro mas contrabalança o seu menor poderio com as vantagens de jogar em casa e a muito maior frescura física que tem obrigação de mostrar (afinal de contas, os jogadores podem ser melhores ou piores mas a preparação física, essa depende apenas da capacidade de trabalho e sofrimento). E algum dia há-de ser, algum dia o FC Porto — que este ano ainda só foi batido no Mónaco pelo Milan e nas Antas por um inatingível Real Madrid—há-de tropeçar intramuros. Porque, por maior que sejam a vontade e a capacidade de resistência física, a concentração e a falta de lucidez hão-de falhar em alguma ocasião. Neste momento, em que já se pede a lua ao FC Porto, chegar à final da Taça com um percurso que não foi fácil, ganhar o campeonato e atingir as meias-finais da Liga dos Campeões, a somar à vitória inicial na Supertaça, é um resultado global que não fica aquém da época de ouro do ano que passou. A tarefa do Belenenses, que caminha a passos largos para a segunda divisão e, curiosamente, parece ter piorado substancialmente com os oito (!) reforços de Inverno que adquiriu, essa parece impossível, muito embora também possa e deve atrever-se a explorar o maior cansaço do Benfica. Quanto aos encarnados, esforço continuado à parte, saiu-lhe, no sorteio das meias-finais da Taça, a melhor das seis hipóteses possíveis, culminando um percurso de uma felicidade quase irrepetível, que lhe permitiu estar a um pequeno passo do Jamor sem nunca ter saído da Luz durante as eliminatórias. Mas, fora a sobrecarga de jogos, esta meia-final contra o Beleneneses vem na melhor altura para o Benfica, que finalmente começa a mostrar algum banco (Geovanni, Manuel Fernandes, João Pereira) e que frente ao Inter, e mesmo a espaços contra o Marítimo, mostrou o melhor futebol que se lhe viu este ano. Na Luz, contra o Inter, aconteceu ao Benfica o que havia acontecido uma semana antes ao Rosenborg: encontrou pela frente um guarda-redes que tudo defendeu. Mas o Inter, que já vai em três jogos consecutivos sem marcar um golo, não é forçosamente inultrapassável em San Siro e mesmo já com Vieri. É preciso que o Benfica jogue sem medo, como jogou na Luz, e seja capaz, pelo menos, de marcar um golo. Era bonito e era uma compensação merecida para o grande exército de adeptos benfiquistas, há tanto tempo afastados da emoção e do prazer das grandes noites europeias, como a de quinta-feira passada.

2- No sorteio da Liga dos Campeões o FC Porto, em minha opinião, também acertou na mouche, saindo-lhe a menos difícil das sete alternativas em jogo. E, de repente, da quase certa hipótese de não ir além dos oitavos-de-final—face à má sorte de um sorteio que lhe reservou o Manchester e simultaneamente a lesão do Derlei — o FC Porto passou para uma forte probabilidade de atingir as meias-finais. Mas falta passar o Lyon, que vai ser um obstáculo tremendo, e espero bem que a Liga não deixe de aceder ao pedido de ambos os clubes para adiar o Nacional-FC Porto, permitindo algum descanso aos portistas. Seria absolutamente impensável e injustificável que o não fizesse e, por isso, nem vale a pena especular sobre o assunto, cujo desfecho já deve ser conhecido hoje, quando este jornal sair para a rua.

3- Com a vitória sobre o Boavista — que era um dificílimo teste de resistência física e anímica depois da jornada histórica de Manchester — o FC Porto parece ter garantido definitivamente o título. Esperava muito mais do Boavista, não só pelo suposto factor de mobilização extra que representava o regresso de Jaime Pacheco mas também porque o Boavista não tinha nada a perder e tudo a ganhar. Mas afinal o que se viu foi o mesmo Boavista de sempre, o Boavista com a marca indelével de Jaime Pacheco. Um futebol feito de faltas sistemáticas, lesões simuladas e perdas de tempo, nenhuma apetência atacante e uma defesa do castelo assumida como única estratégia. Enfim, o futebol mais feio do campeonato. Só não se percebe é porque foi despedido Sanchez se ele se limitou, afinal, a herdar e repetir a fórmula de Pacheco, com ligeiramente piores resultados correspondentes a uma pior equipa recebida. E também não entendo porquê só recentemente é que alguns comentadores deram pelo tipo de futebol do Boavista e passaram a embirrar com ele: é o mesmo futebol de há anos para cá. Quando o Boavista foi campeão, há quatro anos atrás, escrevi aqui que tinha sido bom para o clube e mau para quem gosta de futebol. Mas como, nesse ano, o Sporting e o Benfica cedo ficaram afastados da luta pelo título e foi o FC Porto que amanteve até à penúltima jornada, terminando o campeonato a um ponto de distância e com uma vitória por 4-0 sobre o novo campeão, soltou-se um coro geral de elogios ao Boavista, que certamente teria desafinado se os vencidos tivessem sido outros.

4- E, se o FC Porto parece ter garantido o bicampeonato, o Sporting parece ter igualmente firme o segundo lugar e o correspondente acesso directo à Liga dos Campeões na próxima época. Apesar disso, e apesar de uma pontuação que, em várias épocas, seria suficiente para lhe garantir a liderança, é indisfarçável um sentimento de frustração entre o povo leonino. Porque um bom Sporting não chegou para fazer sombra ao FC Porto no campeonato, porque nas Antas foi claramente batido pelos portistas e em Alvalade só o não foi graças a um penalty inexistente e à célebre jogada que o antecedeu, porque na Taça foi eliminado em casa por uma equipa da 2.ª divisão e na UEFA por uma equipa que, embora estando a ser a surpresa da prova, não consta nem da terceira divisão europeia. E, sobretudo, porque neste Março de todas as decisões, enquanto portistas e benfiquistas mantêm em aberto as três frentes de competição e a adrenalina dos adeptos permanentemente carregada, os sportinguistas arrastam-se no único terreno de luta que lhes resta, sem outro objectivo aparente que não o de cumprirem as oito jornadas que restam, mantendo um olho vagamente vigilante sobre o Benfica e uma esperança mais que remota em sucessivos tropeções do FC Porto. Abaixo do terceiro lugar — também ele praticamente garantido ao Benfica—a luta pelo que resta de espaço europeu aparenta igualmente estar já decidida a favor do Braga e do Nacional, com o consequente afastamento de outros que tanto prometeram de início e rapidamente se deslumbraram: Beira-Mar e Marítimo e o tropeçante Boavista. O que resta por decidir resume-se assim aos lugares do inferno, onde existem quatro candidatos a ocuparem as duas vagas de despromação, além da já reservada ao Estrela da Amadora: Guimarães, Paços de Ferreira, Académica e, mais remotamente, o Alverca. Tirando este último caso (é aliás um milagre e um contra-senso a presença de uma equipa sem qualquer sustentação institucional como o Alverca na primeira divisão), todos os outros ameaçados estão na situação em que estão essencialmente por má gestão dos clubes. Não é um problema de treinadores nem de jogadores mas de gestões amadorísticas e incompetentes. Particularmente no caso do Vitória de Guimarães, é evidente que o problema principal chama-se Pimenta Machado e a solução tem de passar, mais tarde ou mais cedo, com descida ou sem descida, pelo fim do seu longo e exaurido reinado. Só o próprio ainda o não percebeu.

Sem comentários: