sábado, fevereiro 28, 2004

Como é ténue a fronteira ( 27 Janeiro 2004 )

NINGUÉM deveria morrer assim, em directo, perante o olhar impúdico e instantâneo de milhões de pessoas. Ninguém deveria morrer aos 24 anos, ninguém deveria morrer a jogar futebol, num estádio, perante a multidão. E depois, apesar de tudo, Mikki Fehér teve uma morte linda: morreu a fazer o que mais gostava, morreu a jogar futebol perante um estádio pronto a saudá-lo como um artista, morreu depois de sorrir à vida, morreu de um só golpe, e não consumido aos poucos pela morte, e, já morto, enquanto tentavam em vão reanimá-lo, terá escutado o último cântico de apoio e de homenagem dos adeptos que entoavam o seu nome e acompanhavam o cântico ao ritmo de palmas, como se elas pudessem conseguir o milagre de ressuscitar o seu coração fulminado. Como as palmas dos jogadores do Sporting no dia seguinte, como as muitas palmas que iremos escutar este fim-de-semana nos estádios do país, no final do minuto de silêncio durante o qual iremos rever, como num pesadelo, aquelas insuportavelmente cruéis imagens. Há 30 anos, quando Fernando Pascoal das Neves, dito Pavão, o melhor jogador de então do FC Porto, caiu fulminado ao minuto 13 do FC Porto-Vitória de Setúbal, nas Antas, não havia televisão a transmitir em directo nem as imagens da sua morte foram registadas para mais tarde correrem país e mundo. No exacto minuto em que ele caiu morto com a camisola do meu clube, eu estava a jogar futebol de 5 com amigos, no terreiro do castelo de Monsaraz, e foi através do relato de um transístor de um ocasional espectador que tomei conhecimento da tragédia. Relatava o Nuno Brás («este tão infausto acontecimento », nunca mais me hei-de esquecer das suas palavras) e foi o seu relato e o relato dos jornais no dia seguinte que formaram na minha cabeça o «filme» da morte de Pavão. Agora foi bem pior, tivemos direito a ver tudo em directo, uma vida que se apagava e que desesperadamente não conseguia ser reanimada, ali, à nossa frente, assistindo minuto a minuto a uma tragédia que se adivinhava desde o primeiro instante em que ele caiu de costas em câmara lenta, despedindo-se da vida e olhando um céu nocturno sem estrelas, antes de pousar suavemente a cabeça como se fosse apenas dormir. Nunca mais nos curaremos destas imagens. A morte é assim: não pede licença, não dá aviso, não escolhe vítimas. Vem à traição, como ave de rapina, interrompe até um sorriso, os mais ambiciosos projectos, os mais sonhados sonhos, a mais leve juventude, para nos lembrar que a vida é só uma distracção passageira da morte, amais ténue linha entre a alegria e a inconsciência de uma vida que só existe porque o sangue corre nas veias e o instante súbito em que o coração deixa de bater e tudo submerge num definitivo e eternamente inexplicável buraco negro. Nós, portugueses, porém, temos este defeito moderno de não acreditar na fatalidade das coisas que não têm sentido se não para aqueles que acreditam no transcendente. Tem de haver sempre uma explicação aceitável ou, na ausência dela, um culpado: a ambulância que demorou a entrar e veio em marcha-atrás, o desfibrilador que não estava a postos na linha lateral, os meios (sejam eles quais forem) que não estavam disponíveis e ai Jesus que vem aí o Euro. Tomara qualquer vítima de um acidente cardio-respiratório súbito poder ter os médicos e paramédicos, os meios e a velocidade de intervenção de que dispôs Mikki Fehér! Simplesmente, estava escrito que aquele era o seu último dia, a última hora, o último minuto. É assim a vida, é assim a morte. Entre tantas coisas apesar de tudo bonitas que se viram no meio daquela tragédia inominável, sobraram alguns repórteres infelizmente obcecados em encontrar o «culpado», como se estivessem perante um enredo de Agatha Christie e não perante a mais pura e simples das tragédias. Como sobrou o estupor de saber que houve uma centena de adeptos que esperaram até às três da manhã o autocarro do Benfica, no seu regresso à Luz, para descarregarem uma ira irracional sobre os jornalistas presentes. E, porquê, pergunta-se? Por os jornalistas serem responsáveis pela morte de Fehér? Por quererem filmar ou fotografar os jogadores? Mas os adeptos não estavam ali também para os ver e sem sequer terem como desculpa a necessidade de informar, mas apenas esse voyeurismo doentio dos espectadores de tragédias? Ao menos em momentos destes podia cessar o ódio irracional, as frustrações transformadas em bestialidade, sem destinatário certo nem razão alguma de inteligência. Ah este povo do futebol... Hoje esta crónica sai curta. Menos de vinte e quatro horas depois do minuto 91 do jogo de Guimarães, nada mais tem dignidade para ser falado. Um jovem na flor da vida, que amava o futebol e que por ele lutou sempre por um lugar ao sol, que nunca chegaria a alcançar, caiu morto em pleno campo de batalha, vergado ao golpe, entre todos, decisivo. De que mais se pode falar, nesta hora? Dos jogos do fim-de-semana, da beleza daquela jogada do Deco, abrindo caminho para o primeiro golo do Porto, ou daquele voo do Moreira sobre o avançado do Guimarães? Sim, talvez, noutras circunstâncias. Falar do jogo do título, do Sporting-Porto, do próximo sábado? A única coisa que me ocorre agora é esperar que ninguém se magoe, no campo, nas bancadas ou fora do estádio. Nada mais sobra para dizer. Apenas um desejo: que lá, onde está agora, o Mikki Fehér possa ao menos continuar a seguir os jogos de futebol de que tanto gosta através do Satélite Tranquilidade.

O caminho para o título ( 20 Janeiro 3004)

1. A segunda volta do campeonato virou com os três grandes a cavarem ainda mais o fosso que os separa dos restantes. Como o jogo de Braga eloquentemente demonstrou, é demasiadamente profunda a distância que vai entre os grandes e os médios. Quando Jesualdo Ferreira se queixa de que, ainda com 0-0 no arcador, Barroso falhou um remate à baliza que normalmente deveria dar golo, compreendemos como eram poucas as armas e os argumentos de que o Braga dispunha para fazer frente a um FC Porto que, quando tem apenas de se concentrar no campeonato, não dá hipóteses a ninguém. Nas próximas três semanas o F.C .Porto terá (à parte o Vilafranquense, amanhã) apenas o campeonato para se preocupar. Vai ser um período decisivo para o desfecho do campeonato. Se o Porto conseguir
alargar a distância para o Sporting, ou pelo menos mantê-la depois do jogo de Alvalade, gozará de alguma margem de segurança para o terrível período de Fevereiro-Março, em que se baterá em quatro frentes (Campeonato, Taça, Europa e Selecção), enquanto o Sporting descansará de domingo a domingo. E, se é verdade que o Sporting receberá na segunda volta Porto e Benfica, enquanto o Porto terá de deslocar-se a Alvalade e à Luz, também é verdade que, tirando essas duas saídas, todas as outras com maior grau de dificuldade já foram ultrapassadas pelos portistas: Braga, Guimarães, Bessa, Restelo, Funchal, Leiria. Caminhamos, pois, para aquele que merece a designação de «jogo do título»: o Sporting-FC Porto, daqui a 12 dias e que, apesar disso, tem gozado de uma infinatamente menor promoção mediática do que o defunto derby Benfica-Sporting. No countdown para o grande jogo de Alvalade,sportinguistas e portistas tentam ainda reunir novas armas de última geração: o Sporting com a contratação do médio Tinga e o ainda namoro ao «emigrado» Hugo Viana; o FC Porto com a aquisição do também brasileiro e médio Carlos Alberto e do também emigrante Sérgio Conceição, para além da muito esperada conquista de Maciel para preencher o buraco deixado
por Derlei. Nesta guerra particular, de que o Benfica parece ajuizadamente auto-afastado, a aquisição pelo FC Porto de Sérgio Conceição (em cuja contratação o Sporting estava, ou esteve pelo menos, manifestamente interessado), causou já uma reacção clara de «dor de cotovelo» por parte do presidente da SAD do Sporting, vindo dizer que se deveria olhar com atenção para as contas de «alguns grandes» (leia-se, por junto, o FC Porto). Ora, não obstante o Sporting não estar
claramente em situação de dar lições na matéria - não só pelas aquisições que também faz, como pelos défices de exploração, tão grandes ou maiores que os do FC Porto, que mantém-a verdade é que a observação de Dias da Cunha tem razão de ser e eu também a faço. Para tudo dizer numa simples frase, é minha convicção que a compra de Sérgio Conceição foi um erro da SAD do FC Porto. E foi um erro por diversas razões que posso passar a explicar:
a) Em primeiro lugar, do ponto de vista desportivo, e embora correndo o risco de vir a ter de engolir esta opinião (mas a função do analista é arriscar opinião antes e não depois), duvido que Sérgio Conceição, na sua forma actual e que já vem de bem atrás, tenha talento para integrar o onze actual do FC Porto, para mais afastando da titularidade algum dos que lá se encontram actualmente. É verdade que se trata de um flanqueador, posição em que o FC Porto ficou este ano notavelmente desfalcado, e que isso pode permitir o regresso ao 4x3x3 clássico de José Mourinho, cujo abandono fui o primeiro a lamentar. Mas para isso era necessário que se tratasse do Sérgio Conceição que conhecemos ao serviço do FC Porto e não aquele que tem sido sistematicamente remetido para o banco de suplentes de todas as equipas por onde vem passando ultimamente, Selecção incluída.
b) Depois, o Sérgio Conceição, e muito legitimamente, é um jogador que aceita muito mal o banco de suplentes e que chega também legitimamente convicto de que vai ser titular indiscutível -o que poderá vir a ter consequências negativas no espírito da equipa;
c) Em terceiro lugar, e ainda sob o aspecto meramente desportivo, trata-se do terceiro jogador, para além de Maciel e Carlos Alberto, que, no espaço de semanas,
necessita de ser integrado e absorvido pela equipa, para além de todos os novos que chegaram este ano, como o Nuno, o Bosingwa, o Pedro Mendes, o Ricardo Fernandes, o Bruno Moraes, etc. Com tantas novidades, corre-se o risco de não aproveitar mais do que um ou dois;
d) Em quarto lugar, eu sempre fui contra os plantéis extensos, que me parece só terem desvantagens, quer desportivas quer financeiras, e sempre me fez confusão porque é que qualquer equipa portuguesa, com muito menos jogos durante a época, tem de ter plantéis notavelmente maiores do que as equipas inglesas, italianas ou espanholas. Não percebo como é que, para mais existindo equipas B e juniores para ir lançando, se trabalha uma época inteira com plantéis de trinta ou mais jogadores, dos quais só vinte, quanto muito, são verdadeiramente utilizados.
e) Em quinto lugar, se o facto de contratar um jogador que não pode jogar na Liga dos Campeões, como o Maciel, mas que veio substituir internamente o Derlei,
é uma medida tornada necessária pela força das circunstâncias, já comprar dois na mesma situação não é uma necessidade mas um luxo.
f) Finalmente, venha o Sérgio Conceição pelo tempo que vier, custa a compreender como é que um clube que ainda recentemente teve de recorrer a um empréstimo obrigacionista para resolver dificuldades de tesouraria, que mantém um défice de exploração crónico e assustador que se deve quase exclusivamente aos custos com a manutenção de um pequeno exército de jogadores sob contrato, vai contratar ainda mais um, que não serve para a Liga dos Campeões-o maior objectivo desportivo e financeiro-que internamente não aparece como reforço indispensável e cujos salários serão, certamente, ao nível máximo praticado na equipa. Pode ser que eu venha a estar enganado, mas, para que tal suceda, é necessário que no fim da época se possa dizer que o FC Porto não teria sido campeão sem o Sérgio Conceição. E duvido muito, muitíssimo, que venha a ser o caso.
Felizmente, aliás.

2. Na crónica do Benfica-Boavista, Santos Neves «executou» sumariamente o árbitro Elmano Santos, acusando-o de «só ele não ter visto aquela grande penalidade sobre o Nuno Gomes » e de ter sancionado dois offsides inexistentes. É engraçado como entre nós as decisões dos árbitros, que são necessariamente subjectivas, não gozam de qualquer contemplação por parte da crítica, mas já as próprias análises críticas, que também são subjectivas, adquirem uma aura de objectividade incontestável que, todavia, nada de especial justifica. Tenho visto inúmeras vezes como, nesta matéria, a cada cabeça corresponde sua sentença e nem sempre determinada por desvios clubistas, como não é o caso, agora. Tenho visto igualmente como os comentadores televisivos são capazes de ver numa
jogada exactamente o oposto do que eu vi, ou vice-versa, e como tal lhes serve frequentemente de fundamento para juízos categóricos de condenação das decisões dos árbitros. Na primeira parte do Benfica-Boavista (e não na segunda, como sintomaticamente refere Santos Neves), eu vi, de facto, um off-side muito mal marcado ao ataque do Benfica, porque o juiz-de-linha não respeitou a regra de, na dúvida, ser a favor do ataque, com isso anulando mal uma jogada de golo provável. Mas, no tal penalty que, segundo Santos Neves, só o árbitro não terá visto, acontece que, dos dois comentadores da Sport TV, por exemplo, um viu penalty claríssimo e o outro viu exactamente o mesmo que eu: o Nuno Gomes a adiantar a bola, o defesa do Boavista amanter-se deliberadamente estático e o avançado benfiquista a forçar o choque com ele - uma simulação clara. Independentemente de saber quem terá visto com razão, a pergunta é esta: se se trata de uma jogada em que as opiniões se dividem (ao contrário de outras, como a simulação do Silva na Luz, que não deixou dúvidas a ninguém), como se pode afirmar tão categoricamente que o árbitro errou, e para mais grosseiramente, apenas porque não teve a mesma leitura da jogada que nós próprios? Afinal de contas, como se constata, isto não é uma ciência certa. Para ninguém.

Uma semana difícil ( 13 Janeiro 2004)

1- A Instituição teve uma semana difícil, verdadeiramente complicada. E o motivo para isso não foi, ao contrário do que se possa pensar, a derrota com o cada vez mais eterno rival da Segunda Circular nem sequer a paupérrima demonstração de falta de categoria que a acompanhou. Como diz José Antonio Camacho, «não entendo que, por se perder um jogo, todos critiquem ». Também não foi o empate de domingo em Leiria, em que, bem vistas as coisas, tudo poderia ter sido pior: afinal de contas, aquela despassarada defesa apenas voltou a consentir três golos, que teriam sido cinco não fosse o Moreira (digo-vos, ó instituídos, a vossa Direcção agora parece que quer o Quim mas este rapaz que vocês têm na baliza bem justifica que façam essa economia e gastem o dinheiro, por exemplo, que sei eu, a comprar um par de centrais com algum jeito para a função). Não foi, pois, pelo lado da equipa de futebol que a Instituição viveu uma semana difícil. Mesmo coisas que podem parecer evidentes a alguns adeptos ignorantes— como esse disparate de achar que a equipa trabalha pouco— não são verdade. É certo que na semana antes do derby descansou mais um dia que o rival e logo a seguir à derrota, enquanto este voltava a trabalhar, a Instituição voltou a descansar. Mas logo na terça-feira foi ver os rapazes da Instituição a fazerem um tão intenso treino de duas horas que até tiveram de descansar na quarta e, como diz José Antonio Camacho, trabalha-se no Benfica tanto como nos maiores clubes do Mundo e o fundamental é que «se preservem os pilares colocados». Por isso é que os pilares voltaram a descansar no sábado, recuperando forças da longa viagem entre Lisboa e Vieira de Leiria. Ao contrário do que igualmente se possa pensar, também não foi aquela confusão entre o presidente e o vice-presidente que motivou a difícil semana da Instituição. É verdade que afinal acabámos por não perceber se se amam ou se se odeiam, se conspiram mutuamente ou se confiam um no outro cegamente. Ficámos apenas a saber, por comunicado, que, tendo sido eleitos com 90 por cento dos votos, representando um largo universo de seis milhões de benfiquistas, é natural que haja saudáveis diferenças de opinião entre eles — afinal de contas, 90 por cento de seis milhões de opiniões são muitas opiniões. Ficámos também a saber que tudo não passou de um mal-entendido acerca da filiação clubística de alguém contratado para o decisivo sector da propaganda e que alguns espíritos sempre atentos identificaram como um sportinguista infiltrado (a propósito, que será feito do ex-portista arrependido que ocupava funções idênticas na Instituição?). É que, como explicou alguém da casa, o problema não era apenas o de dormir com o inimigo, era a própria designação da Instituição que estava em perigo. Se, até aqui e ao que parece, já havia quem, lá na sombra dos corredores, andasse a murmurar que aquilo mais parecia o Sport Alverca e Benfica, agora corre-se o risco de murmurarem que parece o Sporting Alverca e Benfica. E isto, note-se, dito por pessoas da casa, intramuros, e não por algum daqueles arruaceiros do Fê-Cê-Pê, como aqueles que em Santa Apolónia andaram a anavalhar sportinguistas disfarçados de claque benfiquista! Não foram, pois, os resultados da equipa de futebol, nem os do vólei, do básquete, do hóquei ou do futsal—tudo derrotas —, que abalaram esta semana a Instituição. Nem sequer o foram as guerras intestinas na SAD ou o comportamento público das claques. Nada disso. O que verdadeiramente abalou a Instituição foi o caso do Evandro. O quê, não sabe o que foi o caso do Evandro? Eu explico: o Evandro é um jogador do Rio Ave que, aos 85 minutos do jogo contra o FC Porto, nas Antas, seguia isolado a caminho da baliza do Baía quando o árbitro auxiliar o assinalou em offside inexistente (para haver offside, existente ou não, é forçoso que o jogador esteja sempre isolado... mas isso é um detalhe). Facto é que o Evandro ia isolado e sabe-se como o Evandro isolado é sempre letal. No caso concreto, embora seja certo que, em 85 minutos de jogo, nem o Evandro nem nenhum dos seus colegas havia criado uma ocasião de golo ou acertado com um remate na baliza do FC Porto, não restam dúvidas de que o Evandro se preparava para percorrer os 30 metros que o separavam da glória evitando todos os defensores no seu encalce e que, uma vez isoladíssimo frente ao Baía, se limitaria a perguntar «para que lado queres?». É verdade que, antes de o Evandro ser travado quando ia marcar um infalível golo, o trio de arbitragem também errou ao não ver uma grande penalidade, todavia pacífica, contra o Rio Ave. Mas isso não interessa: erros contra o FC Porto são erros saudáveis para manter a emoção no campeonato, os outros é que não se consentem. Não fosse o erro do árbitro auxiliar e o Rio Ave teria ganho, ou pelo menos empatado, nas Antas e a Instituição não estaria agora a 11 pontos do FC Portomas sim a uns confortáveis e estimulantes 8 ou 9 pontos, suficientes para «se preservarem os pilares colocados». Como escreveu um tal de Nélson Veiga, em A Capital, há sempre «um árbitro amigo que desenrasca os momentos mais complicados » do FC Porto. Foi assim— para não ir mais atrás—que, na época passada, o FC Porto ganhou a Supertaça, a Taça de Portugal, a Taça UEFA e acabou o campeonato, salvo erro, com uns 12 pontos de avanço sobre a Instituição. São esses árbitros amigos que dão as vitórias e os títulos ao Fê-Cê-Pê e abalam os sete pilares da sabedoria.

2- Nunca percebi a mentalidade dos treinadores que, nos jogos mais importantes, deixam no banco os melhores e mais criativos jogadores que têm disponíveis, privilegiando os jogadores de tipo destrutivo-defensivo, com os quais acham que o meio-campo fica «mais sólido», a equipa «mais compacta» ou «mais coesa» ou outros chavões que tais. Vítor Pontes, treinador do Leiria, fez isso contra o Benfica, deixando no banco, o jogo inteiro, aquele que é não apenas o melhor jogador da equipa mas um dos melhores deste campeonato, um desequilibrador nato: Caíco. Aliás, em minha ignorante opinião, Vítor Pontes fez tudo o que podia para não ganhar o jogo, preferindo sempre apostar em defender o que tinha conquistado, apesar da sua fraca defesa, em lugar de buscar o KO do adversário, aproveitando a facilidade com que o seu ataque lançava o caos e o pânico na patética defesa benfiquista. Acabou por conseguir um empate, salvo que foi pela categoria dos seus avançados.

3- A avaliar pelas análises da imprensa, há um novo valor a despontar na arbitragem portuguesa: trata-se de Pedro Henriques, de Lisboa, o já célebre sargento do Exército que gosta de apitar à inglesa. Voltei a apreciá-lo no Paços de Ferreira-FC Porto desta semana e confirmei que se trata de um árbitro com qualidades evidentes: grande presença física, acompanhando em cima cada lance, tecnicamente competente nos juízos, discreto e impondo uma autoridade natural e não espalhafatosa, fruto também da ideia de total equidade nos julgamentos que transmite. São qualidades essenciais e decisivas para se fazer um bom árbitro e não tenho dúvidas de que ele vai no caminho certo. Todavia, o tal critério de apitar à inglesa deixa-me muitas dúvidas, algumas delas inevitáveis para quem escolhe um critério de risco. Sem dúvida que este critério é o que melhor defende o espectáculo, evitando as sucessivas interrupções, as simulações de faltas e fitas, que caracterizam os nossos jogos-tipos. O problema é que Portugal não é a Inglaterra e os nossos jogadores não têm a mentalidade dos jogadores ingleses. A um árbitro liberal corresponde em Inglaterra uma atitude dos jogadores que não passa pelas faltas feias, porcas e sujas. Em Portugal, porém, o tipo de arbitragem privilegiado por Pedro Henriques conduz, quase inevitavelmente, a que os caceteiros habituais achem que têm carta de alforria para pôr em campo livremente os seus dotes de antijogo. E isso viu-se no Paços de Ferreira-FC Porto: à meia hora de jogo já o Maciel tinha sido ceifado três vezes por detrás, por entradas que, em Inglaterra, teriam conduzido, cada uma delas, a expulsão directa. Pedro Henriques assistiu às duas primeiras sem sanção disciplinar e à última, verdadeiramente bárbara, a justificar não um cartão vermelho mas um negro, ficou-se por um amarelo — prolongando disciplinarmente o critério de avaliação técnica, o que já não é admissível nem recomendável nem legítimo face às regras da FIFA em vigor. Se, como cheguei a temer, o Maciel tem sido lesionado com gravidade logo no seu jogo de estreia pelo FC Porto, como se sentiria hoje Pedro Henriques e que responderia ele quando o FC Porto lhe viesse exigir responsabilidades? Uma coisa é ter um critério largo e uniforme na apreciação das faltas, permitindo que o jogo tenha mais ritmo e mais tempo útil, outra, e bem diferente, é confundir isso com a complacência para com o antijogo e a violência que chega a pôr em risco a integridade física dos jogadores, de que o árbitro deve ser o primeiro protector.

4- Enquanto a Direcção do Benfica, entretida com coisas mais importantes, não houve de se preocupar ou dizer uma palavra sobre o comportamento das suas claques, que apredrejaram o autocarro do Sporting à entrada da Luz e deixaram em perigo de vida adeptos adversários, anavalhados por um jogo de futebol, aDirecção do Sporting não deixou passar em claro a atitude das suas claques, que não respeitaram ominuto de silêncio pela morte do antigo dirigente benfiquista Fezas Vital. Louve-se a diferença.

A morte lenta de Camacho (7 Janeiro 2004)

1 Pobre Benfica! Dez anos a fio sem ganhar o Campeonato e, pior ainda,sem nunca ter estado na corrida para o ganhar! Sem uma campanha europeia minimamente digna desse nome, sem um motivo de alegria para os adeptos,excepto uma já longínqua Volta a Portugal em bicicleta, através de um grupo de espanhóis contratados ad hoc e jamais pagos! E agora, agora que tudo parecia reunido, que a equipa chegou ao Natal, como proclamou o sr.Camacho «ainda em luta em todas as frentes»; agora que o novo e belíssimo Estádio da Luz, milagrosamente construído quase sem tostão no bolso (e onde até a relva é impecável), se preparava para acolher o primeiro derby da sua história; agora, que este Benfica-Sporting havia sido promovido pela imprensa especializada como jamais jogo algum foi promovido em Portugal, até haver a certeza absoluta de que não restava um bilhete por vender; agora que os seis milhões (são seis, não é verdade?) nada mais esperavam que não a confirmação do favoritismo proclamado pelo sr. Camacho; agora, a equipa baqueia, sem apelo nem agravo, no primeiro teste de fogo (em boa verdade, o segundo, porque já antes havia baqueado na qualificação para a Liga dos Campeões, no que era o mais importante jogo do ano e em que, frente a uma Lazio em baixo de forma e em princípio de preparação foi considerado motivo para elogios ser eliminado apenas por três golos de diferença)!

2 Manda a verdade que se diga que a derrota do Benfica começou de forma falsa e antidesportiva, através de um dos tais penalties fórmula-João Pinto, que consiste em adiantar a bola e deixar um pé para trás de forma a chocar deliberadamente com as pernas ou os braços do guarda- redes e depois deixar-se cair com grande aparato (se houvesse verdadeira justiça na Liga e não aquela paródia antiportista protagonizada pelo Conselho de Disciplina, o sr. Elpídio Silva levaria agora três ou quatro jogos de suspensão por conduta antidesportiva, agravada por ter induzido o árbitro em erro e ter tido influência directa no resultado). Mestre Silva mostrou que não é em vão que se treina na Academia de Alcochete e o Sporting acrescentou a estatistica do clube que invariávelmente obtém mais golos de penalty, apesar de consabidamente ainda ficarem em média 3,83 por assinalar a seu favor em cada jogo. Mas presumo que o dr. Dias da Cunha, desta vez, não queira fazer um comunicado sobre o assunto...

3 Já se sabe que não pode haver um Benfica-Sporting sem casos. Aliás, aqui entre nós, acho que não pode haver nenhum jogo em que intervenha o Sporting sem casos - esse é mesmo um dos maiores casos do futebol português. Tudo começou, desta vez, com mais um patético comunicado da SAD do Sporting a explicar porque é que, mais uma vez, ninguém do clube, excepto os que por dever de contrato não se podiam baldar, iria estar presente na Luz. Ao menos Santana Lopes, honra lhe seja feita, não ficou em casa a redigir comunicados e a ver o jogo pela televisão. Os casos continuaram no relvado, primeiro com o penalty fantasma sacado por Silva e de que Pedro Proença foi vítima indefesa, tamanha é a perfeição daquele truque tão caro tradicionalmente aos avançados de Alvalade.
Depois, sim, o árbitro errou na expulsão do Rochembach- não no segundo amarelo mas no primeiro, em que o desgraçado, vindo e ido em rallye aéreo só para jogar metade do jogo, se limitou a levar um murro do Miguel. E acertou ao não validar um hipotético golo do Benfica em que nenhumas imagens permitem concluir que o Ricardo defendeu a bola dentro da baliza, e acertou também no segundo penalty, em que o Helder varreu,de facto, o Liedson. Conclusão: a arbitragem errou apenas uma vez e aí por mérito do artista.

4 Tal como aqui escrevi há duas semanas, para um portista, o resultado preferido deste grande derby - como sempre indigente em termos futebolísticos - era a vitória do Benfica. Porque, como ficou patente e apesar da falsidade do golo inaugural, é o Sporting a grande ameaça ao FC Porto este ano e não o Benfica. O jogo confirmou que, dos dois, só o Sporting mostrou ter uma organização de jogo, a vontade e o talento para poder ganhar. Não se pode exigir a José António Camacho que faça omoletes sem ovos. E eu, que estou de fora e que já fui grande admirador de equipas do Benfica, mesmo sem ter de recuar aos irrepetíveis anos 60, venho dizendo aos meus amigos benfiquistas, contra as suas ilusões, que não me recordo de ver uma equipa do Benfica tão má como esta. Por junto, há dois jogadores bons nesta equipa: o Moreira e o Simão - do resto, alguns têm uns fogachos de vez em quando e os outros chegam a ser confrangedores. Mesmo assim, há coisas que dão que pensar. Longe de mim pôr em causa o valor do sr. Camacho mas recordem-me lá um grande jogo feito pelo Benfica desde que ele chegou? Um teste de verdade que ele tenha vencido? Vi-o convocar o estágio da pré-época, no pino de Julho, sob 50.º graus à sombra, para Jerez de la Frontera, treinando contra os juniores das equipas amadoras do pueblo próximo do hotel e depois a equipa aparecerer no Campeonato a arrastar- se. Ouvi-o lamentar-se da
«sobrecarga de jogos», porque o Benfica tinha acumulado, à 10.ª jornada do Campeonato, os jogos nacionais com uns jogos da UEFA contra uns amadores da Finlândia ou da Noruega, cujos jogadores, coitados, ainda tinham de vender bilhetes para o espectáculo no dia do próprio jogo, enquanto os profissionais do Benfica estavam concentradíssimos num hotel de luxo. Ouvi-o lastimar-se várias vezes porque por cá as equipas pequenas jogavam sempre muito contra o Benfica, como se fosse dever delas inclinar voluntariamente a espinha perante o Glorioso. E vi-o desdenhar sobranceiramente o treino da equipa no dia 1 de Janeiro,
declarando que jamais convocaria os jogadores para se treinarem a seguir ao réveillon - enquanto no Sporting, Fernando Santos não dispensou o treino do dia 1 de Janeiro e, no FC Porto, Mourinho fez o mesmo, apesar de a equipa só jogar 24 horas mais tarde, em casa e contra o Rio Ave. Vi tudo isso mas pensei para com os meus botões: «Ele é que sabe!» Mas, depois, bem, depois, foram às Antas e não tugiram nem mugiram, receberam o Sporting e foi a confrangedora incapacidade que se viu. Não é só haver ali jogadores que já nem reparamos se ainda estão em campo ou se já foram substituídos, tamanha é a sua inutilidade e a sua ausência do jogo; já nem é aquela patética defesa eternamente aos papéis e que não merece o guarda-redes que tem, aquele meio-campo onde pontifica,
indispensável (Santo Deus!), o Fernando Aguiar, aquele ataque que vive únicamente dos dias e dos rasgos de inspiração de Simão Sabrosa. O mais impressionante de tudo é que, um ano e meio depois, o Benfica de Camacho não aparenta ter uma única ideia de jogo, uma única jogada treinada, que não os livres do Simão. O grande mistério para mim é como é que este Benfica, que joga muito menos que um Beira- Mar, que um Braga, que um União de Leiria, que um Gil Vicente, consegue estar em terceiro lugar no Campeonato. Afin a l de c o n t a s , tenho de reconhecer, deve ser por mérito do treinador.

5 José Antonio Camacho nunca foi, porém - há que reconhecê-lo - um demagogo ou um vendedor de banha da cobra. Nunca proclamou, como Mourinho, «para o ano vamos ser campeões!» Mas esse low profile, que sempre foi tido como uma qualidade e um sinal de realismo e de humildade, também pode ser lido como um sinal de conformismo e derrotismo. Sobretudo quando, no final da época passada, ele fez constar que se iria embora se a Direcção do clube não lhe desse uma equipa capaz de lutar pelo título. A Direcção do clube nada lhe deu (deu-lhe agora o tão esperado defesa-esquerdo, sob a forma de um grego, eventualmente bom
jogador, mas com todo o ar de quem vem para o Benfica gozar a reforma), e, apesar disso, ele ficou. Mas ficou, numa atitude de melancólico fatalismo, dando-se por contente quando a equipa não joga nada mas ganha ou quando joga menos mal e mesmo assim é eliminada facilmente por uma sub-Lázio. Como se exclamasse: «O que querem? É o que temos!» Ora, correndo o risco de meter a foice em seara alheia, eu penso que o Benfica é demasiado grande para tão fracas ambições. Manifestamente, há ali jogadores que não merecem a camisola nem o ordenado, há bastante falta de vontade e de profissionalismo, há demasiada falta de ambição e excesso de mediocridade aceite como coisa banal. E talvez falte quem faça o discurso exactamente contrário: «Para o ano vamos ser campeões.
Quem quiser acreditar fica. Quem não quiser, vá-se embora! » Mas, como digo, eles lá sabem e com a fraqueza alheia podemos nós bem. Continuem antes a destilar veneno e maledicência contra o FC Porto e pode ser que um dia consigam assim voltar a ser campeões...

Derlei. O melhor do ano ( 30 Dezembro 2003)

Pinto da Costa teve razão, quando disse que nenhum outro ponta-de-lança do mundo se lesionaria com gravidade estando na posição de defesa-direito, em auxílio à defesa, como sucedeu com Derlei. E, acrescento eu, talvez nenhum outro presidente de clube no mundo prorrogasse o contrato com um ponta-de-lança de 27 anos, nas condições por este pretendidas e no dia seguinte a ele ter contraído uma lesão tão grave quanto a de Derlei. São estes pormenores — a atitude de Derlei, sacrificando-se pela equipa no campo todo e mesmo num jogo sem grande grau de dificuldade, e a atitude de Pinto da Costa, retribuindo, sem hesitar e na hora mais necessária, a generosidade que Derlei tem posto em campo ao serviço do clube — que explicam, desde há largos anos para cá, as razões pelas quais o FC Porto é a equipa dominante no futebol português. Os despeitados, os invejosos, os de mau perder podem continuar a insistir até à náusea que as razões são outras e obscuras: os árbitros, o famoso «sistema» (que, por acaso é dominado, de há uns anos para cá, pela coligação Boavista/Benfica) ou outras que tal. Pois que continuem na sua, com o proveito que se conhece. O facto é que quando, por exemplo, Pinto da Costa resolveu que o clube continuaria a pagar até final do contrato, por mais dois anos, o salário de um jogador tragicamente morto, como aconteceu com a família do Rui Filipe, depois aparecem jogadores como o Derlei, que insistem em jogar a final da Taça, acabados de sair de uma intervenção cirúrgica. É o que sucede quando os jogadores sentem que, ao serviço do FC Porto, são mais do que simples artistas contratados, são parte de um clube e de uma família de valores, cuja força e mística é ser grande na hora das vitórias e continuar a ser grande na hora do sofrimento. Derlei não nasceu para o futebol no FC Porto. Mas, sem dúvida, cresceu futebolisticamente no FC Porto e, sobretudo, assumiu essa tal mística, a que dantes se chamava amor à camisola, e que, por exemplo, o Benfica tinha há 20 anos atrás e hoje desesperadamente procura reconquistar. Só que há coisas que não acontecem por simples vontade e esse tal amor à camisola, coisa tão em desuso nos dias de hoje, não se adquire apenas com um bom treinador ou até com uma boa equipa. É coisa que nasce de cima para baixo e que implica um esforço de continuidade e de coerência ao longo dos anos. Foi isso, quer queiram quer não, o que Pinto da Costa fez no FC Porto. É isso que Benfica e Sporting não têm sido capazes de fazer, por uma simples razão, que muita gente não gosta de ouvir, mas que é a minha explicação: por falta de dirigentes à altura. É preciso mais trabalho e talento do que se julga para transformar um clube grande em Portugal num clube que, segundo o ranking da FIFA, é regularmente classificado entre os 10 ou 20 melhores do mundo. Não basta viver a mandar umas bocas para o ar, queixar-se invariavelmente das arbitragens e continuar a tentar convencer os sócios de que os insucessos são sempre fruto das malfeitorias alheias. Veja-se o caso recente do João Pereira, no Benfica. É apenas um miúdo de 18 anos, lançado esta época e que teve a sorte de lhe correr bem a estreia, se não talvez não tivesse voltado a ter novas oportunidades tão cedo. O facto é que as teve e que indiscutivelmente revelou qualidades e um futuro, para ser trabalhado, pela frente. E como, além disso, era—coisa rara —produto das escolas do clube, foi quanto bastou para que se visse nele um símbolo da «alma benfiquista » recuperada e se tornasse urgente garantir a sua continuidade no futuro para o clube. Manifestamente, ele, ou alguém por ele, deu-se então conta da importância que, de repente, tinha assumido e as negociações para a renovação tornaram-se inesperadamente difíceis. Provavelmente, o João Pereira, como tantos na sua idade hoje em dia, já se imaginava, ao fim de quatro ou cinco jogos, com um pé em Itália, Espanha ou Inglaterra. Finalmente, acabou por renovar e então, e só então, proclamou-se mais um «benfiquista desde pequenino ». Qualquer semelhança entre isto e a tal mística de um clube é pura confusão. Mas falemos, então, do Derlei, objecto principal desde texto, no dia em que ele recupera da delicada operação a uma rotura de ligamento do joelho. Independentemente de todos os elogios que, nesta hora, tenho lido dirigidos ao jogador e que não duvido que sejam sinceros, também não tenho dúvida alguma de que o grosso do povo benfiquista e sportinguista está aliviado, se não feliz, com a gravíssima lesão do Derlei. Porque as coisas são como são e—esse é, aliás, o melhor elogio que se pode fazer ao Derlei—o povo sabe que, sem ele, o FC Porto fica dramaticamente enfraquecido. Venha Maciel, venha Adriano, venha Carlos Alberto, sem pôr em causa o valor deles, ninguém poderá substituir a importância de Derlei no FC Porto. Para mim, Derlei foi o melhor jogador do ano, o melhor da época de 2002/03 e estava a ser o melhor da época corrente — onde era o líder dos marcadores do Campeonato e do prémio de regularidade de A BOLA. A ele deve o FC Porto em grande parte a época dificilmente repetível que terminou em Junho passado coma conquista da Taça, a juntar às do Campeonato, Taça UEFA e Supertaça nacional. O Derlei ficará para a história do FC Porto, no que respeita a Sevilha e à Taça UEFA, no mesmo patamar mitológico que ficou o Madjer em Viena, na conquista da Taça dos Campeões. Em Sevilha, eu estava sentado exactamente no enfiamento do ataque do FC Porto, durante a dramática segunda parte do prolongamento. Eu sabia que, para ganhar o jogo, dependeríamos quase necessariamente das forças e do talento do Derlei. E via-o, quase desfalecido, arrasado pelo esforço daquela primeira parte de campeão, onde o Porto fez todas as despesas do jogo, com 50º graus à sombra, enquanto o Celtic esperava pelo cansaço dos portistas para lançar o seu contra golpe, através desse fantástico Larsson. Quando o Marco Ferreira obrigou o guarda-redes do Celtic a defender uma bola para o lado e ela foi parar aos pés do Derlei, eu olhei e vi que, entre este e a baliza, havia ainda dois defesas do Celtic para ultrapassar. Julguei a missão impossível, constatando o estado de total desgaste do Derlei. Acho que só ele acreditou que era possível, quando rompeu direito ao golo e à vitória, fintando um adversário, tirando o outro do caminho e reunindo a reserva final de energias e de lucidez para encher o pé e rematar com força e colocação suficientes para tornar impossível a parada do guarda-redes adversário. É dos tais momentos do futebol que hão-de viver comigo para sempre, porque foi o resultado da vontade invencível, da garra e do talento de um jogador que, quanto maior é a pressão, quanto maior é a dimensão histórica do instante, maior é a fé e a determinação que revela — jogando não apenas para um jogo, nem sequer para uma final, mas verdadeiramente para a história. Não há muitos jogadores como o Derlei. Há outros melhores tecnicamente, há outros ainda melhores fisicamente mas, neste tempo de mercenarismo, há raros que consigam aliar ao talento e à força, a generosidade, a entrega ao jogo e o respeito pelo clube que lhes paga, como o Derlei. Em Alverca, ele caiu literalmente em combate, traído pelas qualidades que tem e não por algum infortúnio. Podemos sempre exclamar, como eu exclamei quando o vi no chão a pedir assistência e percebi logo que era uma rotura, porque ele não é de fitas: «Mas que raio fazia ele no lugar do defesa-direito, no minuto seguinte a ter marcado um golo?» Mas a verdade é que, se ele não fosse assim, não seria o extraordinário jogador que é. Daí que, mesmo como portista, o que mais me custa nem é a baixa do Derlei para a equipa, num momento crucial do Campeonato e sabendo que ele representava quase a única ténue esperança contra o Manchester, em Março. O que mais me custa é a injustiça da lesão para o próprio Derlei. Se há jogador em Portugal que a não merecia, era ele. Que volte, igual ao que era, tão cedo quanto possível, porque não restam muito mais jogadores que mereçam a admiração que ele merece.

Balanço de Natal ( 24 Dezembro 2003)

1- Se o FC Porto tiver ganho ontem à noite em Alverca, encerra o ano e quase a primeira volta do campeonato com cinco e seis pontos de avanço sobre Sporting e Benfica, respectivamente. Caso contrário, a proximidade dos três grandes ficará mais íntima e o campeonato ganhará indiscutivelmente mais emoção. Com cinco vitórias consecutivas, Sporting e Benfica conseguiram recuperar uma distância de nove e dez pontos de atraso, que parecia já irremediável. Todavia, se tudo se passar normalmente, a recuperação poderá vir a revelar-se mais ilusória do que real. A tarefa que o FC Porto teve de levar a cabo até aqui foi muitíssimo mais difícil e saturante do que a dos seus rivais. No campeonato, embora tenham recebido águias e leões, os portistas já se deslocaram a campos tradicionalmente difíceis, como são Guimarães, Bessa, os Barreiros, Restelo e Leiria. Consentiram três empates fora de casa e a tanto se resumem as suas perdas. Na Taça, já deixaram pelo caminho um dos candidatos tradicionais-o Boavista -enquanto viram o Sporting sucumbir em Alvalade diante de uma equipa da II Divisão. Com um
sorteio feliz, o Benfica mantém-se também em prova. Na Europa, enquanto o Benfica falhou o objectivo principal (que era apurar-se para a Liga dos Campeões) e tem beneficiado na Taça UEFA de sorteios, esses sim, verdadeiramente de encomenda, e o Sporting soçobrou estrondosamente às mãos de uns turcos de existência até então desconhecida, o FC Porto, tendo começado por falhar, ainda em pleno Verão, a conquista da Supertaça frente ao Milan (perdeu anteontem pela primeira vez esta temporada!), arrancou depois para uma tranquila qualificação na fase de grupos da Liga dos Campeões, apenas cedendo uma derrota frente ao intratável Real Madrid. Em teoria, quem tem o futuro mais facilitado e desanuviado é o Sporting: disputa apenas uma competição, enquanto os seus rivais directos disputam três. Mas, daqui até Março, o FC Porto tem uma pausa nos jogos terrivelmente desgastantes da Liga dos Campeões: esse é o tempo que Mourinho tentará aproveitar, como o fez no ano passado, para concentrar todas as forças (enfim, as que o Conselho de Disciplina deixar...) no campeonato, tentando cavar nesse período um avanço irreversível. O FC Porto, que aqui chegou à frente do campeonato, mesmo tendo o grosso das energias e da atenção concentrado noutra tarefa bem mais importante, desportiva e financeiramente, fica agora e durante três meses disponível para se ocupar apenas da «questão nacional ». Para não o deixarem fugir de vez, Sporting e Benfica só têm um caminho: continuar na senda das vitórias - que, todavia se interromperá já
necessáriamente, pelo menos para um deles, na próxima jornada. Dos dois, a mim parece-me que é o Sporting quem está melhor colocado para liderar a perseguição ao FC Porto. Tem claramente melhor equipa que o Benfica e, embora vá agora perder o concurso de Rochemback durante um mês, ganha em
troca Hugo Viana, para um meio campo que já é de luxo. O Benfica parece-me uma equipa esticada até ao tutano, com alguns jogadores claramente sem categoria para uma I Divisão (quanto mais no Benfica!), e três que carregam com a equipa às costas: Simão, Tiago e Moreira - este a grande aquisição do Benfica para esta época, quando se pensa que esteve na iminência de ser suplente do Ricardo (aliás, é quase consensual que os dois guarda-redes da Selecção deveriam ser o Moreira e o Baía, e não o Ricardo e o Quim. Mas quem sabe se o seleccionador chega a vê-los jogar, ele que raramente é visto nos estádios...) Repito que,
olhando para as duas equipas, o Sporting parece-me claramente superior ao Benfica, jogador por jogador e em termos de futebol jogado. Mas, às vezes, a lógica é uma batata e acontecem desaires impensáveis, como o dos turcos ou o do V. Setúbal. Por outro lado, as vitórias moralizam muito e disfarçam muita coisa: se o Benfica conseguir vencer o jogo da Luz, é provável que vá buscar ainda novas forças aonde lhe falta talento. Mas, se acredito que uma equipa fraca possa disfarçar a sua falta de qualidade durante algum tempo, não acredito que o consiga fazer uma época inteira. Daí que, para um portista, o resultado desejável na Luz é a vitória do Benfica.

2- Para variar, o Vitória de Guimarães já mudou de treinador a meio da época. A mudança não trouxe, até à data, quaisquer resultados positivos e a equipa permanece firmemente instalada num impensável lugar de despromoção. Depois de ter responsabilizado as arbitragens, ao ponto de ter comprado uma guerra inédita com todos os árbitros internacionais, o presidente do clube virou a espingarda para o treinador e abateu-o: a culpa, afinal, não era só dos árbitros.Mudado o treinador, insinua-se agora que a culpa será dos jogadores, que não têm brio ou qualidade.
Diz-nos a experiência que, se nenhum destes culpados for suficiente para justificar os inêxitos, ainda resta a hipótese tradicional do inimigo interno, os traidores infiltrados, os destabilizadores. Há vinte e três anos à frente de um clube que geriu sempre com poderes absolutos e sem nunca conseguir fazer sair da cepa torta, o presidente do Vitória tem o azar de se achar quase sempre rodeado de incompetentes: ou o treinador,ou os árbitros, ou os jogadores, ou a oposição interna. Será que, em tanto tempo, nunca lhe terá passado pela cabeça a hipótese de o verdadeiro culpado ser ele próprio?

3- Dias da Cunha segue o estilo. Se o Sporting não ganha ou se ganha cheio de dificuldades, o culpado é sempre o árbitro e o famoso «sistema». Por exemplo, se o Sporting vence dificilmente um Leiria que joga metade do tempo com um jogador a menos, o culpado foi o árbitro, que não viu um penalty, que, de facto, existiu a favor do Sporting e quando ainda havia 0- 0. Ainda que o mesmo árbitro, segundo a generalidade da crítica, tenha igualmente esquecido um penalty a favor do Leiria e anterior a esse, ainda que tenha generosamente expulso um jogador do Leiria, ainda que lhes tenha anulado um golo completamente limpo, com 0-0 no marcador, e ainda que tenha terminado em beleza, oferecendo o penalty do 2-0 tranquilizador ao Sporting. Mas, para esses pormenores, o presidente sportinguista «está-se nas tintas». Só contam as decisões que prejudicaram o Sporting, só conta o que ele viu e ninguém mais detém a verdade e a ciência em matéria de futebol e arbitragens, como ele. Só ficou calado quando os turcos vieram dar um dos tais banhos de bola de que ele tanto fala, em Alvalade. Aí era também um dos tais árbitros internacionais, que ele reclama para virem arbitrar o Sporting. Pessoalmente, morro de vontade de assistir à experiência. De ver um dos tais árbitros que nem se dignam escutar, quanto mais ser intimidados, pelo coro de protestos com que, em Alvalade, é recebida invariávelmente qualquer decisão de um árbitro
português que não faça a vontade à bancada e não veja, em cada jogo, pelo menos três penalties a favor do Sporting. Ou então, um desses árbitros consagrados pela UEFA e pela FIFA, sempre subtilmente a favor dos fortes, como Colina, anulando, com a maior naturalidade e autoridade do Mundo, um golo limpíssimo ao Porto, nas Antas contra o Real, ou o Nielsen, levando com um sorriso o Bayern ao colo até aos oitavos-de-final, à custa do Bruges. PS-Já não tenho paciência para os desafios do Pedro Santana Lopes. Critiquei-o - politicamente- pela forma como ele dispôs de dinheiro e património público a favor do Benfica, descrevendo o que ele havia dado para o novo Estádio da Luz. Ele acusou-me de estar a mentir e eu provei documentalmente que quem mentia era ele. Para mim, ficou tudo dito. Mas vem ele agora insistir, dizendo, ufano e aliviado, que uma das benesses por mim referidas -o tal terreno que a CML, através da EPUL, havia comprado ao Benfica por seis milhões de contos- acaba de ser vendido e com lucro pela mesma EPUL a privados.
Fico contente, pelos dinheiros públicos. Mas falta esclarecer que os tais terrenos certamente que foram vendidos para construção, quando o seu fim era o aproveitamento para infra-estruturas desportivas. E não percebo como é que Santana Lopes pode afirmar que o Benfica não recebeu um tostão da Câmara. Recebeu ou não recebeu seis milhões de contos da EPUL por esses terrenos? E é ou não verdade que esses terrenos lhe foram parar às mãos por doação da própria CML (no mandato de Jorge Sampaio), com o expresso fim de neles o clube construir instalações desportivas,que, inclusive, seriam também de utilização pública? Construiu alguma coisa? Não, não construiu nem um rinque de patinagem, e depois ainda recebeu seis milhões pela venda à mesma Câmara do que lhe havia sido dado. Como diz Santana Lopes, sem comentários... Excepto este, de natureza pessoal: acusa-me Santana Lopes de ser conhecido por ofender
facilmente. Acho isso notável , vindo de quem, aqui mesmo, me acusou de mentir sabendo que eu dizia a verdade, e de quem, por si e por interposto porta-voz, aos microfones da Antena 1, me dirigiu piadinhas e insinuações torpes, de carácter pessoal. Pela minha parte, respondo com o cadastro: em 27 anos de jornalismo, de opinião, de reportagens, nunca fui julgado, e menos ainda condenado, por injúrias, ofensas ou difamações.