sexta-feira, novembro 21, 2008

130 MINUTOS DE INTENSA PAIXÃO (11 NOVEMBRO 2008)

Minuto Zero: Sporting e FC Porto vinham ambos moralizados da jornada europeia para enfrentar este jogo da Taça. O Sporting, porque pela primeira vez atingira os oitavos-de-final da Champions, garantindo tal a dois jogos do fim da poule, não desperdiçando a oportunidade de tirar partido de um grupo anormalmente acessível. O FC Porto, porque arrancara a ferros e com muito brio a vitória necessária em Kiev (perdoem-me a imodéstia: como eu aqui antecipei) — com isso reentrando na disputa por um lugar nos oitavos da Champions.

Mas, à partida, as vantagens para este jogo estavam todas do lado do Sporting. Primeiro, porque jogava em casa, com o apoio largamente maioritário do público; depois, porque o seu jogo europeu a meio da semana, com o 8.º classificado do campeonato da Ucrânia e em casa, fora bem mais fácil que o jogo do FC Porto, fora, com o líder do mesmo campeonato; em terceiro lugar, porque, tendo jogado em casa, poupara-se, ao contrário do seu adversário, a uma viagem desgastante aos confins da Europa; e, finalmente, porque gozara de um dia de descanso a mais que os portistas.

Como se isto não fosse suficiente, nomearam para este jogo um dos dois árbitros que historicamente mais embirra com o FC Porto. Como não podia ser o Lucílio Baptista (que já fora o escolhido para o Sporting-FC Porto do campeonato), avançou então Bruno Paixão — que, como seria de esperar (já lá vamos), tudo fez para que o FC Porto não saísse vencedor de Alvalade.

MINUTO 1 — Mais uma vez, Jesualdo Ferreira mudou a equipa e mais uma vez houve castigados: depois de Benítez, Lino, Stepanov, Guarín, Fernando, Pelé, Pedro Emanuel, Mariano, Hulk, Farías, Helton, Nuno, Tarik e Tomás Costa, tocou a sorte agora a Sapunaru e Cristián Rodríguez. Não que não tenha tido sempre ou quase sempre razão para os castigos, mas o que isso mostra é que Jesualdo já não sabe o que há-de tentar com um plantel onde são raros os que dão garantias para todos os jogos. Enfim, pela primeira vez, Hulk teve o privilégio de jogar o jogo todo — e viria a ser um dos melhores, se não o melhor do FC Porto. E lá voltou o Mariano — que, como sempre, infalivelmente, se encarregou de mostrar que a indulgência de que goza junto do treinador já ultrapassou a fase do mistério, para se transformar numa obsessão masoquista. Durante 45 minutos, Jesualdo optou por fazer o FC Porto jogar com 10, e depois veio queixar-se da primeira parte falhada pela equipa...

MINUTO 7 — Está em curso uma impudica campanha da imprensa e adeptos rivais contra Bruno Alves, acusado de só jogar com os cotovelos. É uma acusação rotineira, que todos os anos toma como alvo um jogador do FC Porto: Deco foi a vítima durante dois anos, depois seguiu-se Ricardo Quaresma e agora é a vez de Bruno Alves. Não por acaso, os alvos escolhidos são sempre grandes jogadores e determinantes no FC Porto. Todavia, ao minuto 7 foi Liedson quem enfiou uma cotovelada descarada na cara de Fucile: Bruno Paixão viu, tanto que assinalou a falta, mas cartão nem vê-lo.

MINUTO 27 — Com um pontapé para trás, Fernando isola Liedson. E, claro, o melhor avançado do campeonato bate tranquilamente e com classe Pedro Emanuel e Helton.

MINUTO 30 — Bruno Alves segura a gola da camisola de Liedson e o levezinho rebola-se de dores, gritando agarrado à cara. Amarelo para Bruno Alves, delírio em Alvalade.

MINUTO 43 — Azar de Fucile: desta vez é Postiga (incansável à procura de sarilhos desde o início) quem lhe prega outra valente cotovelada. Bruno Paixão, a dois passos, voltou a ver e a marcar a falta— e mais nada.

MINUTO 46 — Rochemback comete falta a meio-campo sobre Lucho e desaba no relvado, quase ferido de morte: cartão amarelo a Lucho. Nesta altura, a contabilidade da TVI assinalava: seis faltas cometidas pelo FC Porto e três amarelos; 16 faltas cometidas pelo Sporting e zero amarelos. A partir daí, e julgando os jogadores do Sporting que tudo lhes seria consentido, o árbitro foi forçado a tornar-se quase equitativo no dilúvio de amarelos que iria distribuir até final.

MINUTO 52 — Contrariando as doutas opiniões do relator/comentador da TVI, o Hulk, que ele insistia em que Jesualdo fizesse sair, pegou na bola à saída da sua área e foi por ali fora até fuzilar Rui Patrício: 1-1.

MINUTO 61 — Hulk arranca outra vez, deixando Polga em pânico; na hora do remate fatal, dentro da área, cai, embrulhado com Polga, e pede penalty. As opiniões dividem-se; a minha, mesmo após as repetições, é que tanto pode ter sido como não.

MINUTO 66 — Agora, sim, não fiquei com dúvidas: Hulk persegue uma bola longa, dentro da área do Sporting, juntamente com Caneira; Rui Patrício sai da baliza e enfia um descarado empurrão nas costas a Hulk, derrubando-o e impedindo-o de disputar a jogada: é penalty, em qualquer lado do mundo, mas não em Alvalade. Na sequência, Caneira cai sobre Hulk, levanta-se e encosta-lhe a testa, ficando ambos a fazer votos de eterna amizade. Bruno Paixão vê aí uma excelente oportunidade para mostrar um amarelo a Hulk, que estava a ser o perigo em campo, disfarçando com uma decisão salomónica. Mas esqueceu-se que Caneira já tinha um amarelo e caiu das nuvens quando o auxiliar o avisou que era o segundo. Durante alguns minutos viveu-se um fenómeno extraordinário nos Sporting-FC Porto: o Sporting jogou em inferioridade numérica, por razões disciplinares. Até final, porém, Paixão iria encarregar-se de corrigir a anomalia e repor a normalidade da superioridade numérica do Sporting.

MINUTO 82 — Jesualdo Ferreira comete um erro crasso. Era fácil de prever que, na primeira oportunidade, Bruno Paixão expulsaria alguém do FC Porto e Pedro Emanuel — que, como sempre, já tinha um amarelo — era o candidato óbvio. Deixando-o em campo, Jesualdo expôs-se a isto: Pedro Emanuel não se conteve numa entrada perigosa sobre Moutinho, embora, de facto, não o tenha atingido, mas tenha permitido a simulação da falta ao 10 do Sporting. Seguiram-se breves e dramáticos momentos de superior representação teatral de Moutinho, até confirmar, pelo canto do olho e enquanto se contorcia no chão em gritos lancinantes, que, sim, Pedro Emanuel ia para a rua.

MINUTO 87 — Rui Patrício sobre Hulk mostra como se faz: o incrível levantou do chão como se tivesse sido arrancado por uma ceifeira debulhadora.

MINUTO 88 — Izmailov cruza rente ao chão e Rolando, que tinha escorregado e estava deitado, nem sequer vê a bola que lhe acerta no braço caído, sem fazer qualquer gesto para tal nem o podendo fazer desaparecer. Penalty!, grita Alvalade e a TVI («Matreiramente, ficou lá o bracinho», explicou o dito relator/comentador, e eu recebo a terceira chamada de amigos portistas, revoltados com os seus comentários).

MINUTO 105 — Choque entre Bruno Alves e Abel dentro da área do FC Porto ou, na versão sportinguista, obstrução de Bruno Alves. Penalty!, voltam a gritar. Mas, ainda que fosse obstrução, seria só livre indirecto e penalty é livre directo. Pormenor.

MINUTO 110 — Canto contra o Sporting, bola no ar e Rochemback a afastar com o braço Rolando no momento do salto, de forma ostensiva e nas barbas do árbitro. Falta contra o FC Porto, decide Bruno Paixão. Sábia decisão. E aí vão pelo menos dois penalties a favor do FC Porto que não ocorreram a Bruno Paixão.

MINUTO 111 — Hulk, outra vez, entra na área em velocidade, adianta a Rui Patrício e atira-se para o chão. Segundo amarelo e este, sim, justo. Reposta a normalidade numérica a favor do Sporting e Rui Patrício cheio de sorte.

MINUTO 121 — Na hora de se avançar para o desempate por penalties, o speaker de Alvalade não se cansa de incentivar os leões e grita «Sporting!, Sporting!». E pode, num campo oficialmente neutro? Infelizmente, daí a pouco chegaria a vez de a claque do FC Porto borrar também a pintura, insultando João Moutinho, vá-se lá saber porquê.

MINUTO 130 — Finalmente, o FC Porto ficou a dever em parte uma vitória a Helton. Três grandes defesas durante os 120 minutos e dois penalties defendidos. Neste caso, o castigo foi verdadeiramente redentor, funcionando como um utilíssimo banho de humildade. Parabéns a Helton — até porque, dos seis penalties cobrados pelos portistas, só dois foram bem marcados.

E foi assim que um portista viu o jogo. Com revoltada Paixão. Mas, mesmo assim, espera-se um comunicado da direcção do Sporting a queixar-se de pouca Paixão.

AMANHÃ GANHAMOS (04 NOVEMBRO 2008)

1- Se bem conheço o espírito de equipa do FC Porto (ou melhor, o que ali resta daquele espírito de campeões que tantas alegrias nos deu em anos recentes), eu sou capaz de apostar que amanhã em Kiev o FC Porto vai ganhar ou, pelo menos, tudo fazer por isso. Quando li que o Bruno Alves se tinha dirigido aos adeptos no final do jogo na Figueira da Foz, pedindo o seu apoio e a sua compreensão neste momento de tanta frustração e descrença, percebi que o espírito do Dragão ainda não está morto naquele balneário. É verdade que o Bruno Alves é um dos últimos que restam para passar de mão em mão o testemunho dessa atitude que foi o que, mais do que tudo, fez do FC Porto uma equipa ganhadora — perante o desespero e a incompreensão dos seus rivais. Mas, pelo menos, ele e poucos outros ainda lá moram e nós sabemos que esses não são de reclamarem prémios e darem-se por felizes com terceiros lugares. Por isso, eu mantenho a fé e a esperança, sabendo que, apesar das evidentes limitações da equipa, que estão à vista de todos e sobre as quais muito escrevi já e tudo mantenho, são exageradas as notícias sobre a morte irremediável do FC Porto. Mesmo deste FC Porto.

E até concordo com Jesualdo Ferreira, quando ele fala no empenho dos jogadores e na falta de sorte. Quanto ao empenho, de facto, não tenho visto ali ninguém parado, sem correr nem lutar, ninguém conformado com a nova lei das derrotas em série. Empenho não tem faltado a ninguém; o que falta, e gritantemente, é talento e classe. Por isso, bem pode Pinto da Costa fazer as suas tradicionais visitas aos treinos ou ao balneário, na sequência das derrotas; a questão não é amedrontar os jogadores ou puxar-lhes pelo brio; é conseguir tornar jogadores banais em jogadores ao nível de uma Champions — e isso não é culpa deles, mas justamente da política de contratações de Pinto da Costa.

Quanto à sorte, ou à falta dela, também me parece que tem sido evidente e, às vezes, sabe-se como isso faz toda a diferença. Vi, por exemplo, o Benfica sofrer a bom sofrer em Matosinhos e sair de lá com um empate tão feliz quanto injustificado; vi-o sofrer a bom sofrer para derrotar a Naval em casa, conseguindo-o a três minutos do fim e, com isso, logo despertando hinos e loas de toda a parte. E anteontem vi-o, com um a menos é certo, enfiar o autocarro diante da baliza durante toda a segunda parte e assim sair com uma feliz vitória em Guimarães. É verdade que foi melhor na primeira parte, que marcou um golo belíssimo e que tem gente com talento e até sobejante. Mas a segunda parte que fez, contra um Vitória também banal e impotente, mais parecia de quem luta por não descer de divisão do que por ser campeão. Durante 45 minutos, o Benfica renunciou a qualquer tentativa sequer de contra-ataque e acantonou nove jogadores dentro da area a jogarem de pontapé para a frente e para onde estavam virados; bastaria que a sorte lhe tivesse virado costas um instante e a vitória ter-lhe-ia escapado. Mas, afinal, li que o Benfica tinha feito uma extraordinária demonstração de espírito vencedor e de «capacidade de sofrimento». Pois, talvez, mas uma bola que bate na trave e não entra afinal pode traçar a fronteira entre o espírito vencedor e o espírito perdedor. Sobretudo, quando se deseja tanto a vitória de um e a derrota de outro. Tivesse o FC Porto ganho na Figueira com um golo tão absurdo como o da Naval e jogado o resto do tempo como o Benfica jogou em Guimarães e ter-se-ia escrito que a vitória se devera apenas a sorte.

Manda, todavia, a verdade que diga que há uma diferença, esta época, entre Benfica e FC Porto, e não pequena: o Benfica tem no ataque jogadores desequilibradores, capazes de resolver um jogo complicado num rasgo de talento: Reyes, Aimar, Suazo, Cardozo, às vezes Di María. O FC Porto só tem dois: Lucho e Lisandro e uma promessa chamada Hulk, que Jesualdo não está a conseguir integrar e aproveitar da melhor maneira. Como aqui escrevi há dias (e como escrevi antes, perspectivando o pós-Quaresma) a capacidade desequilibradora ofensiva deste FC Porto versão 2008/09, resume-se à inspiração coincidente de Lucho e Licha. Se ambos estiverem em dia-sim, há uma hipótese; se um deles, ou ambos, estiverem em dia-não, o FC Porto é uma equipa pouco menos que banal.

A chave do jogo de amanhã em Kiev passa pela prestação destes dois jogadores. É preciso que Lucho deixe o seu futebol à solta, esquecendo tudo o resto que eventualmente o tem trazido «fora de jogo». E é preciso que Lisandro — a quem nunca falta o prazer e a gana de jogar — acabe também ele com a sua falta de sorte e começe a acertar na baliza (mesmo em Londres, no descalabro contra o Arsenal, ele teve nos pés e desperdiçou uma oportunidade imperdível de pôr o FC Porto à frente no marcador). E, já agora, para ganhar em Kiev, vai ser preciso uma outra coisa, pelo menos: que, seja quem for que vá para a baliza — Helton, Nuno (ou Ventura…) — não aconteça a fatalidade, já banalidade, de oferecer um golo ao adversário…


2- Não há como fugir à questão: a dos prémios dos administradores da SAD do FC Porto. Como disse o Dr. Pôncio Monteiro, prémios aos administradores das sociedades, em função dos resultados, são normais. Pois são: até, acrescento eu, na origem da crise financeira e económica mundial que actualmente se atravessa está exactamente a filosofia de prémios aos adminstradores das grandes financeiras americanas, convidando-os a obterem resultados a qualquer preço. Todavia, há diferenças substanciais, como o Dr. Pôncio Monteiro, apesar de toda a sua boa-vontade, não ignorará.

Em primeiro lugar, sendo a SAD do FC Porto uma sociedade anónima, isso significa que tem accionistas, e não há memória de sociedade alguma distribuir prémios pelos administradores sem distribuir dividendos pelos accionistas. E, como é sabido, jamais a SAD do FC Porto, ou qualquer outra de clube português, distribuíu ou distribuirá um euro que seja de dividendos. Pelo que a mim me parece imoral que administradores, que já são pagos milionariamente, como é o caso, ainda se atribuam prémios por resultados a que os accionistas são absolutamente alheios. Entendam-me: eu não sou contra a remuneração de dirigentes de clube. Sei que há muitos — a grande maioria, aqui e lá fora — que não são pagos. Mas, se o negócio é profissional, como hoje é, se é necessário abdicar de quase tudo para administrar um clube de topo, acho que a carolice é muito bonita, mas não é exigível a ninguém. Só que uma coisa são ordenados, ainda que milionários, outra coisa é acrescentar-lhes alcavalas sem justificação alguma.

Em segundo lugar, eu não entendo a lógica e a legitimidade de os administradores da SAD do FC Porto receberem prémos pelos resultados financeiros, quando eles são positivos, e não serem penalizados quando eles são negativos — o que acontece quase sempre. Foi assim no ano em que o FC Porto foi campeão europeu, em 2004, quando aos milhões da Champions se vieram juntar os milhões do início do desmantelamento da equipa campeã europeia. Nesse ano, os administradores da SAD tiveram direito a prémio por resultados financeiros positivos (ou seja, tiveram direito a prémio por terem vendido o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho, o Deco, o Alenitchev, o Costinha, o Derlei, o Maniche, o Carlos Alberto). Pior ainda é pensar que, mesmo com um défice acumulado de dezenas de milhões, os administradores recebem prémios como se não houvesse passivo para liquidar no futuro.

Em terceiro lugar (e isto sim, é verdadeiramente de estarrecer), foi ficar-se a saber que os administradores também têm direito a prémio pelos resultados desportivos! Duvido que haja um só clube no mundo onde isto aconteça também. Eu julgava que os administradores respondiam pelos resultados da gestão e os jogadores e os treinadores pelos resultados desportivos. Mas não, ali são originais. Só não se percebe é a razão pela qual, se os administradores são premiados (e sumptuosamente!) quando a equipa é campeã ou quando vai à Champions, porque não hão-de os jogadores ser premiados também duas vezes: quando ganham em campo e quando a SAD dá lucro?

Enfim, cereja no topo do bolo: e se os jogadores do FC Porto fossem premiados por ficarem em terceiro lugar no campeonato ou conseguirem ir à Taça UEFA? Quem os convenceria amanhã a deixarem a pele em campo para vencer em Kiev?

NEM TANTO AO MAR NEM TANTO À TERRA (28 OUTUBRO 2008)

1- Parece que um grupo muito especial de adeptos portistas fez uma espera aos jogadores, após a derrota com o Leixões, e, entre outros desacatos, atacou o carro de Cristian Rodriguez, numa triste repetição do episódio sucedido há anos com Co Adriaanse. Não vale a pena tecer grandes considerações sobre o assunto, porque ele é pacífico: este é o futebol que vamos tendo, aqui e lá fora, e é por isso que há cada vez menos gente decente a frequentar o futebol. Diga-se, porém, e em abono da verdade, que as claques organizadas não são apenas um cancro do futebol, mas o reflexo de uma sociedade sem valores. A «coragem cívica» das multidões organizadas em gangues de intervenção é o contraponto exacto da falta de coragem individual. Sozinhos, os portugueses não se atrevem a nada; em bando, atrevem-se a tudo.

Uma das demonstrações da falta de coragem individual é a renúncia à capacidade crítica contra os poderes instalados. A multidão do Dragão, justamente irritada com o que vai vendo, é capaz de fazer esperas aos jogadores, assobiar a equipa e acenar com lenços brancos contra o treinador. Mas ninguém, individualmente, se atreve a levantar a voz e assinar por baixo uma crítica aos verdadeiros responsáveis: a administração do clube, que, ano após ano, vende os melhores para comprar camionetas de jogadores de terceira categoria, com isso destroçando a equipa, arruinando o clube e prestando um péssimo serviço ao futebol português — que exporta para a Roménia, Chipre ou equipas nacionais sem projecção, os jovens valores formados nas escolas, em benefício de sul-americanos de ocasião, que proporcionam negócios rentáveis a quem não devia.

Quando uma simpática e persuasiva funcionária do FC Porto me telefonou em Agosto, lembrando que eu ainda não havia renovado o meu dragon seat, eu respondi-lhe, meio a sério, meio a brincar, que, constatando o esforço titânico que a administração estava a fazer para vender o Quaresma a qualquer preço (como viria a suceder), eu perguntava-me para quê renovar o lugar no Dragão: para ver Adelino Caldeira a fazer cruzamentos de letra ou Pinto da Costa a marcar golos de trivela?

A razão pela qual o FC Porto desta época é o que está à vista é simples, tremendamente simples: porque, como aqui o escrevi há semanas para grande escândalo de outros observadores para quem há gente e coisas intocáveis, é que este FC Porto é a pior equipa da década, pelo menos. A geração que ganhou a Liga dos Campeões em 2003, foi destroçada, e, da que se lhe seguiu, já só restam Lucho e Lisandro. Mas Lucho, que havia começado a época em grande, entrou em crise psicológica e não tem quem pegue na equipa em vez dele, e Lisandro está em guerra surda com a SAD — que é capaz de pagar 200.000 euros por mês ao Cristian Rodriguez (apenas 50.000 a menos do que Quaresma foi ganhar para o Inter), é capaz de pagar alguns 50.000 a jogadores que nem na Segunda B teriam lugar, é capaz de pagar uns trinta ordenados a jogadores para brilharem noutros clubes, mas não tem dinheiro para pagar ao Lisandro o que ele acha que merece. Talvez o Lisandro esteja a exagerar, mas quando os maus exemplos vêm de cima, porque não aproveitar, quando se é um dos raros ali que fazem a diferença?

É fácil, facilíssimo, atirar as culpas para cima do treinador: é sempre assim, quando não se sabe gerir. Eu acho que Jesualdo tem feito o melhor que pode, com equipas que, de ano para ano, são cada vez piores. E, como já aqui o disse, tirando erros pontuais às vezes incompreensíveis — como a insistência no Mariano González ou essa fatal tendência dos treinadores portugueses para mudarem a equipa toda e renunciarem ao ataque, de cada vez que têm um jogo difícil pela frente — Jesualdo só pode, eventualmente, ser culpabilizado por ter sido cúmplice ou testemunha silenciosa dos negócios que desmantelaram a equipa e a puseram a falar castelhano e a jogar um futebol que depende da inspiração de não mais do que dois ou três jogadores.

À vista de todos, a este FC Porto falta, para começar, um guarda-redes a sério e é incrível que não o tenha. Todas as equipas que conheço devem vitórias e resultados aos guarda-redes: não me lembro, desde que Adriaanse reformou Baía, de um só jogo em que se possa dizer que o FC Porto ficou a dever o resultado ao guarda-redes. Depois, falta-lhe um lateral-esquerdo de categoria internacional, até para libertar o Fucile para a direita, onde ele é bem melhor do que Sapunaru. E mais uma vez é incrível como é que, tendo comprado 13 (!) defesas-esquerdos nos últimos dez anos, não se comprou um único que desse garantias. Falta-lhe, a seguir, pelo menos dois grandes médios de ataque, que libertem o Raul Meireles para o lugar de trinco (onde, entre os cinco vindos este ano, não há um só que preste!) e libertar o Lucho (enquanto lá está...) do peso de ter de carregar em exclusivo a equipa para a frente. E falta-lhe, para terminar, dois extremos a sério, pois que só tem um e Jesualdo nem sequer gosta de apostar nele: o Candeias. Borda fora foram, além do Quaresma, o Pittbull, o Vieirinha, o Alan, o Hélder Barbosa, o Diogo Valente. É preciso ir às compras em Dezembro, mas calma: não vale a pena ir já a correr reservar um charter para a América do Sul. Há muita gente aí, emprestada, que deve ser mandada voltar para casa e, embora eu duvide, se possível, trocada por uma dúzia de inutilidades que por lá andam.

Com esta equipa, não vale a pena alimentar ilusões nem agitar lenços brancos. Não vale a pena caírem em cima do treinador, porque nem Mourinho conseguia fazer daquilo uma equipa a nível europeu. E, depois, também manda a verdade que se diga, que Jesualdo não tem tido sorte. O Dynamo de Kiev não fez nada para merecer ganhar no Dragão: fez tanto como o Sporting fez para merecer ganhar em Donestk. Com a mesma sorte do Sporting (aquele remate de Lucho ao poste, por exemplo), o FC Porto teria ganho ao Dynamo e com justiça. E com a sorte que o Benfica teve contra a Naval, teria ganho, ou pelo menos empatado, com o Leixões e não se estaria agora a falar em crise. Mas as coisas são o que são e estamos todos habituados a ver o FC Porto a superar erros de arbitragem e bolas ao poste. Foi o que fizemos em Alvalade, contra o Sporting e contra Lucílio Baptista e aí escreveu-se que estava de volta o FC Porto dos últimos anos. Não estava e logo se viu. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A fórmula actual é simples: em dia de inspiração de Lucho e Lisandro, o FC Porto ganha; em dia de desinspiração deles, não ganha, porque não há ali ninguém mais que tenha categoria para desequilibrar um jogo.

2- No momento em que escrevo, não sei o desfecho do Braga-Estrela da Amadora, mas, ao ler que Jorge Jesus afirmou que este jogo era mais difícil do que o confronto com o Portsmouth, dá-me ideia de que estava já a preparar os adeptos para um fracasso e a desresponsabilizar os seus jogadores, por antecipação. Ele lá sabe, melhor do que ninguém, o que a equipa pode ou não dar. Agora, há uma coisa que, francamente, já enerva como desculpa: que é a do cansaço do jogo europeu a meio da semana (ainda para mais, jogado em casa e sem necessidade de viagens). Nunca percebi porque razão as equipas ditas pequenas se batem tanto por um lugar europeu, quando depois, na época seguinte, vivem a queixar-se do cansaço dos jogos europeus a meio da semana. E também nunca percebi porque é que o cansaço há-de atacar mais os pequenos do que os grandes: alguém se lembrou de justificar as más exibições de FC Porto, Sporting e Benfica, nesta jornada, com o cansaço do jogo europeu?

NÃO HOUBE CRÓNICA (21 OUTUBRO 2008)

Não houve crónica.

COMO FALAR DE FUTEBOL? (14 OUTUBRO 2008)

1- Como falar de futebol quando o mundo inteiro sustém a respiração para que não impluda um sistema financeiro que foi deixado em rédea solta, entregue a especuladores e gestores sem qualquer noção da finalidade social da riqueza? E como falar de futebol quando a FPF resolve, à 5ª jornada do campeonato, suspendê-lo durante três semanas, já depois de o ter suspendido outras duas à 2ª jornada — ou seja, cinco jornadas de campeonato, cinco jornadas de interrupção: que começo empolgante!

Mas falemos então da crise financeira e do que ela pode afectar o futebol. Aparentemente, e por estranho que possa parecer, eu acho que ela pode trazer mais benefícios do que prejuízos. Comecemos pelas más notícia evidentes para os nossos adversários, que, muitas vezes, são boas notícias para nós. Os grandes clubes ingleses, que têm dominado as competições europeias nos últimos anos, fruto das enxurradas de dinheiro que neles têm sido investidas (sobretudo no formidável quarteto Arsenal, Man. United, Chelsea e Liverpool), preparam-se para atravessar tempos difíceis, fruto das dificuldades que enfrentam os seus sponsors e patrões. Basta dizer que o grande patrocinador do campeão europeu, a AIG, maior seguradora mundial, foi salva da falência pelos governos americano e europeus à custa dos contribuintes e seguramente que não haverá agora descaramento para gastar o dinheiro destes a ajudar a financiar a vida de luxo do clube mais rico do mundo. Mas tendo também grande parte dos clubes ingleses de referência caído nas mãos de especuladores internacionais, que bancaram dinheiro suspeito a fundo perdido, com origem nos Estados Unidos, na Rússia, no mundo árabe ou na Ásia, os seus donos estão agora com dificuldades para manterem estes seus brinquedos de luxo, enquanto os seus castelos de cartas financeiros se desmoronam como merecem.

A falência ou o regresso forçado à poupança dos principais clubes ingleses e não só é uma boa notícia para os clubes das potências médias do futebol europeu, como os portugueses. É o fim de uma forma primária de concorrência desleal que, se por um lado tem dado muito jeito ao FC Porto e ao Sporting, por exemplo, para aliviar os seus défices de tesouraria e de gestão corrente, por outro diminui de forma drástica a sua capacidade competitiva ao mais alto nível europeu — o que, a prazo, significa também menores receitas e menor viabilidade económica.

Eu, pessoalmente, tendo sido sempre contra esta sangria precoce de todos os nossos melhores valores, «raptados» pelos milhões dos irmãos Glazer ou do Sr. Abraamovitch, saúdo entusiasticamente o aviso do presidente da Federação Inglesa de Futebol de que os clubes ingleses têm de mudar de hábitos rapidamente, sob pena de um estoiro monumental. Até porque não acho sério que o Arsenal, que esmagou o FC Porto, tenha jogado apenas com um jogador inglês no onze que entrou em campo. Assim não vale… ou não devia valer.


2- Também acho que, por tabela, podem ser boas notícias para os clubes portugueses — os grandes, sobretudo. Daqui para a frente, eles irão perceber que já não podem contar, em cada final de época, com negócios fantásticos de vendas dos seus melhores por preços que lhes permitiam disfarçar todos os erros de gestão, todos os tiques sumptuários e a vida de novos-ricos inconscientes que mantinham. Para clubes como o Benfica e o FC Porto, as notícias que vêm de fora têm de fazer soar uma campainha de alarme: é o requiem por uma política desportiva que passa por pagar salários a 60 ou 70 profissionais, dos quais só 15 ou 20 são aproveitados, por pagar vencimentos incomportáveis a jogadores que não o justificam, e por desprezar as escolas de formação, em benefício de mercados estrangeiros subitamente descobertos e que se transformaram em coutada de negócios de empresários que só funcionam num sentido: são exímios a impingir maus jogadores, mas depois são incapazes de ajudar os clubes a desfazerem-se dos «barretes» que lhes enfiaram.

Melhor está o Sporting, que não precisou de crise mundial para escolher o caminho da contenção de despesas e da aposta no aproveitamento da formação, consciente de que não conseguiria sobreviver com os encargos brutais da dívida acumulada em ilusões de grandeza passada. Digam os contestatários o que quiserem da gestão de Filipe Soares Franco, a mim parece-me que é a mais «verdadeira», séria e competente gestão de todos os clubes portugueses. A entrevista que ele deu ao Diário de Notícias de sexta-feira passada é absolutamente inatacável, sob esse ponto de vista. Que venha alguém explicar como é que se pode fazer diferente, tanto mais que, como confessa o próprio presidente do Sporting, o grande problema actual do clube é a falta de militância dos seus adeptos.

Já há dois anos atrás o escrevi aqui e trata-se de uma constação pacífica de fazer, sem exaltações clubísticas: paulatinamente, o Sporting foi decaindo, enquanto o FC Porto crescia e, desde há vários anos, que se pode dizer com segurança que hoje, quer em termos de historial desportivo, quer em termos de capacidade financeira ou património, quer em termos de adeptos, sócios ou espectadores no estádio, o Sporting é o terceiro clube de Portugal, atrás do FC Porto (que, uma vez mais, na época passada, foi o clube com mais assistências nos jogos da Liga, à frente do Benfica e largamente à frente do Sporting). Não se pode viver com o esplendor do passado, mas com a realidade de hoje. Quando não se juntam mais do que 28.000 espectadores para assistir ao primeiro jogo em casa da Liga dos Campeões, é preciso «cair na real» e entender que, com menos receitas, terá de haver menos despesas. A única instituição do mundo, que eu conheça, que consegue governar-se eternamente ao contrário desta regra, é a Região Autónoma da Madeira. Só que isso tem um preço, embora aparentemente não lhes custe pagar: ela é a parcela de Portugal mais dependente da boa vontade dos portugueses, apesar das suas grandiloquentes afirmações e ameaças de independência. Sobrevivem da caridade do Orçamento de Estado, sustentada com os nossos impostos.


3- Confesso que me incomoda um pouco o tom da campanha de promoção «patriótica» de Cristiano Ronaldo a nº 1 do mundo e ganhador inevitável da próxima Bola de Ouro. Faz-me lembrar aquelas tristes campanhas «patrióticas» do tempo do Estado Novo, quando, por exemplo, os jornais gastavam rios de tinta a explicar que a nossa (sempre miserável) canção concorrente ao Festival da Eurovisão não era melhor classificada porque havia «campanhas» insidiosas contra nós — ou dos ingleses, que eram uns aliados hipócritas, ou dos espanhóis, que eram maus vizinhos, ou dos franceses, que eram chauvinistas, etc, etc.

Felizmente agora, quando se promove Ronaldo, está-se indiscutivelmente a promover um dos melhores ou talvez o melhor jogador do mundo. Mas, infelizmente, os métodos e argumentação são semelhantes: se promovemos o Ronaldo, é porque é de toda a justiça; mas se outros promovem o Messi ou outro, é porque montaram «uma campanha» em favor dele. Parece, pois, que a única campanha legítima é a nossa, as dos outros são um abuso.

Ora, eu, para estes patriotismos a propósito do futebol, como a operação montada por Scolari, nunca estou disposto a dar. Acho que deve ganhar quem for o melhor, seja Portugal ou um português ou não seja — embora, como é evidente, prefiro que o melhor seja um português ou a Selecção de Portugal. A seu tempo, o júri decidirá e, sendo o júri composto por todos os selecionadores do mundo, só por deformação pseudo-patriótica é que se pode começar a contestá-lo por antecipação. Neste momento, aliás, em que Ronaldo, até por força dos problemas físicos que teve, não está no melhor da sua forma, que fez um mau campeonato da Europa e que ainda não começou a rebrilhar nem no Manchester nem na Selecção, eu acho que há outros concorrentes de igual peso ao lugar mais alto do pódio. E, se me permitem a heresia, para mim o melhor jogador do mundo é, desde há três anos seguramente… o Leonel Messi. Terei direito a fogueira por ousar pensar isto?