domingo, janeiro 13, 2013

OS NEGÓCIOS DE JANEIRO (03 JANEIRO 2012)

1- Sabem os meus leitores portistas como eu temo a abertura da época das contratações, no início de cada Verão. Temo, não apenas a saída dos melhores jogadores (que são aqueles que têm mercado que vale a pena), e temo igualmente a contratação em série de sul-americanos e outros, segundo uma fórmula que, se tem trazido alguns bons jogadores para o clube, também se tem revelado financeiramente ruinosa: por cada grande jogador que sai, entram quatro; e, por cada quatro que entram, um é bom e os outros são apenas um encargo sem retorno, durante quatro ou cinco anos. De há uns anos para cá, para aumentar os meus receios, abriu-se uma nova época de contratações, ao longo de todo o mês de Janeiro - mais uma oportunidade de negócio dada aos parasitas do futebol. É essa época que agora acaba de se abrir.

Numa longa entrevista ao Jornal de Noticias, Pinto da Costa veio tentar, como é hábito, sossegar os adeptos, garantindo três coisas: que o clube não está vendedor; que nenhum dos jogadores essenciais sairá em Janeiro; e que ninguém sairá por menos que as cláusulas de rescisão. A primeira afirmação não é verdadeira: o FC Porto está vendedor e empenhadamente vendedor. A eliminação da Liga dos Campeões e a necessidade crónica de sustentar uma folha de pagamentos com alguns 70 jogadores sob contrato, a isso obrigam constantemente. A verdade é que o FC Porto está sempre vendedor, umas vezes com mais premência, outras menos: desta vez, consta que está vendedor em busca de realizar 25 milhões de que a caixa precisa. A segunda afirmação - a de que não sairá agora nenhum jogador essencial — é subjectiva: depende de quem o treinador e o presidente têm como essencial. E, sendo certo que o critério do presidente não é difícil de imaginar, tratando- se de alguém que percebe de futebol, já o critério do treinador é todo um mundo de adivinhação. Creio que, por razões de qualidade, de disciplina interna ou de oportunidade financeira, há uma série de jogadores do plantel inicial que o FC Porto não se importaria nada de vender já em Janeiro: Sapunaru, Rolando, Fernando, Moutinho, Guarin, Cristian Rodriguez, Walter e Varela. Duvido que consiga vender um só deles, sobretudo por um preço justo: os tempos são de contenção e o mercado não é parvo. Assim, também a terceira afirmação de Pinto da Costa (de que ninguém sairá abaixo da cláusula de rescisão) não é para ser tomada à letra, como nunca foi. Só espero que não se aplique ao Hulk.

Por junto, parece que o FC Porto está em vias de despachar o Walter, de volta à procedência. dejois de definitivamente perdidas as esperanças de inverter um óbvio erro de casting (que, por acaso, aqui previ, logo que foram conhecidas as negociações). Mas, como é evidente, não vai conseguir vendê-lo, mas apenas emprestá- lo e, muito provavelinente, ficando a pagar metade ou mais do ordenado para o ver jogar por outro clube: um clássico, um mau hábito de clube rico.

Em matéria de aquisições, e embora Pinto da Costa também diga que não há compras em vista, toda a gente sabe que o FC Porto procura um ponta-de-lança, que gritantemente lhe falta, para mais, depois de despachar o Walter e ficar reduzido ao até agora inócuo Kleber, que ainda não se percebeu se é ou não outro erro de casting. O problema, é claro, é que bons pontas-de-lança, livres a meio da época, não abundam e não são baratos - impossível chegar lá sem vender antes e bem. Consta para aí que o FC Porto estaria disponível para dar 8 milhões por um colombiano com nome de artista de Love Boat, um tal de Jackson Martinez, jogador de um clube mexicano chamado Jaguares Chiappas, da terra da droga. Eu espero sinceramente que não se vá por aí, que se tenha o bom senso de perceber que um ponta-de-lança de 25 anos, absolutamente desconhecido e a jogar num clube desconhecido, de certeza que, se fosse bom e valesse 8 milhões, já estaria na Europa ou nou-tro clube. É que 8 milhões, mesmo para quem paga habitualmente alto de mais, como a SAD do FC Porto, não são trocos: a título de comparação, basta pensar que o Sporting deu 5,5 milhões pelo Van Volswinkel... 8 milhões por um candidato a novo Walter seria, de certeza, muito dinheiro a perder-se no circuito e a ir parar aos bolsos de quem nos está sempre a impingir barretes, que depois temos de sustentar anos a fio, com ordenados que os tornam inegociáveis.

2- Em matéria de negócios cuja utilidade para os clubes não se alcança, também gostava de perceber o que levou a direcção do Olhanense a prescindir dos serviços de Daúto Faquira, a favor de Sérgio Conceição, a trocar um treinador com provas dadas por um absoluto estreante. O Olhanense está a três pontos da linha de água? OK, mas era suposto estar aonde? Está em 10º lugar, fazendo um campeonato tranquilo e de acordo com as suas melhores expectativas. Alguém reproduzindo as intenções do presidente do Olhanense, escreveu que o clube espera que desta mudança de comando resulte uma equipe a jogar «um futebol atraente e ofensivo» e bater-se por um lugar na Europa. Deveras? E onde estão os jogadores, as estruturas, os sócios e o dinheiro para tal?

3- Este sábado tenho marcado um programa em cheio: acordo às seis e meia da manhã e vou caçar tordos - a minha caça favorita no prato, não no tiro. Depois, almoço com amigos - companheiros das noites e madrugadas de caça, amigos do coração. Espero voltar para casa ainda a tempo de me deixar cair na cama, exausto, fazer uma sesta, acordar para um duche e sentar-me em frente da televisão a tempo de começar a ver o FC Porto silenciar Alvalade.

Lamento pelos meus amigos sportinguislas (sobretudo, os amigos sportinguistas da caça, que são muitos), mas, para mim, o FC Porto é o grande favorito para o jogo de Alvalade. Em condições normais, o FC Porto que eu me habituei a conhecer, chega ali e ganha o jogo, categoricamente. Mas devo dizer não para provocar, mas com sinceridade — que há duas coisas que eu temo, todavia: Vítor Pereira e o árbitro. De Vitor Pereira, temo que ele se ponha a inventar, que contrarie a tendência natural daqueles jogadores de tomarem conta do jogo e, obviamente, vou ter o terror de o ver avançar para as substituições. Do árbitro, que não faço ideia quem seja, temo a terrível e infernal pressão a que Alvalade o vai submeter, como sempre faz. É uma pressão que começa muito antes dos jogos decisivos e que se alimenta até onde o Sporting está em condições de ameaçar o que quer que seja. Este ano, as pressões começaram logo na primeira jornada e não mais pararam, ao ponto de já não se conseguir suportar o discurso de que todos e cada um dos pontos que o Sporting perdeu esta época — todos, sem excepção - terem sido roubados pelos árbitros. Ele é golos mal anulados, penalties por marcar, adversários por expulsar (embora tantos o tenham sido já...). Ainda na última jornada, em Coimbra, uma daquelas jo- gadas que tantas vezes se vêem, em que um defesa ganha a dianteira ao avançado e se coloca entre este e a bola, sem tocar em nenhum deles, foi logo visto como um penalty por assinalar (sendo falta, que não foi, seria obstrução e a obstrução dá livre indirecto, e não penalty). E logo veio a habitual lógica calimero dos sportinguistas: "nós achamos que foi falta, portanto foi - sendo falta e dentro da área, teria de ser penalty - o penalty seria convertido pelo Van Volswinkel - com esse golo, teríamos ganho o jogo por 2-1, em vez de o empatar; e assim, roubaram-nos mais dois pontos”. É desta pressão constante, que vem de fora do estádio para dentro e das bancadas para o relvado, que eu tenho medo, em Alvalade. Ali é muito difícil um árbitro manter- se frio e isento, quando lhe basta assinalar um livre contra o Sporting para todo o estádio desatar a assobiar, e onde um erro banal e inócuo dá imediatamente lugar a um coro de 'gatuno!', de uma multidão que sabe bem o que faz: a estratégia consiste exactamente em levar o árbitro a compensar um livre a meio campo contra o Sporting com um penalty inexistente contra o adversário ou um cartão amarelo a um sportinguista com um cartão vermelho forçado a um adversário.

Podem dizer, claro, que eu agora estou a fazer o mesmo. Mas é o que penso: sem nenhum menosprezo, acho, sinceramente, que a qualidade, a experiência e a cultura de vitória desta equipe do FC Porto lhe garante ainda vantagem sobre o Sporting, em jogo jogado e em condições de igualdade. Mas temo que, antes de se completar meia hora de jogo, o FC Porto já esteja reduzido a dez, que uma bola chutada à queima-roupa contra o braço ou o ombro de um portista sirva de penalty ou que uma jogada em que o Hulk vai disparado para o golo termine em falta atacante inexistente ou em off-side mal visto. Temo, sim.

Em contrapartida, se nada disto acontecer (e desejo que não), se o Sporting ganhar sem favor do árbitro e merecidamente, cá estarei terça-feira para o reconhecer.

sábado, janeiro 12, 2013

2011, UM ANO INESQUECÍVEL (27 DEZEMBRO 2011)

1- O ano que agora termina ficará para a história como um dos mais extraordinários de sempre do FC Porto - e de qualquer outro clube português. Em 2011, o FC Porto conquistou o campeonato nacional com 27 vitórias, três empates e nenhuma derrota, ficando a dever a um erro de arbitragem o terceiro empate cedido, que o impediu de igualar o mítico registo do Benfica dos anos setenta de Jimmy Hagan, que se imaginava irreproduzível nos tempos de hoje.

Conquistou a Taça de Potugal, com uma brilhante última exibição da temperada passada, na final do Jamor, esmagando por 6-2 o Vitória de Guimarães (e teriam sido 7-2, se um último golo, perfeitamente legal, de Mariano González, na sua despedida, não tivesse sido anulado por off-side inexistente). Venceu a Supertaça nacional - quer a referente a 2010, disputada ainda nesse ano, quer a referente a 2011, disputada já nesta temporada. E venceu a Liga Europa, depois de uma campanha absolutamente brilhante, batendo o recorde de vitórias, pontos, golos e do melhor marcador europeu (Falcão). Pelo meio, cometeu ainda as proezas de esmagar o Benfica por 5-0 no Dragão, para o campeonato, e vencê-lo por 2-1 na Luz, apesar de sofrer um golo de penalty inexistente, e celebrando o titulo no estádio do principal rival, com direito a apagar a luz do estádio e abrir o chuveiro em pleno relvado. E conseguiu, nas meias-finais da Taça, roubar o ouro ao bandido, virando uma desvantagem frente ao mesmo Benfica, de 0-2 trazida do Porto, numa qualificação após vitória na Luz por 3-1. No final do último jogo da época, no Jamor, enquanto observava os jogadores portistas a receberem as medalhas e a Taça de Portugal, já com saudades da época que ali terminava, disse ao meu filho: «Goza bem este momento. porque tão cedo não voltaremos a ter um ano como este!».

2011, para os portistas, deveria ter terminado depois desse jogo do Jamor, encerrando uma época de esplendor, em que tudo o que não se tinha ganho fora a Taça da Liga — ostensivamente, aliás, desprezada por Villas Boas. Mas como o ano civil não coincide com o ano desportivo, neste último quartel de 2011, o FC Porto viu fugirem-lhe também, já sob a responsabilidade de Vítor Pereira, a Supertaça Europeia, perdida com honra para o Barcelona, a Taça de Portugal, perdida sem honra para a Académica e a Liga dos Campeões, perdida estupidamente para o Zenil de S. Petersburgo e para o APOEL de Nicosia.

Para 2012, os portistas esperam e exigem de Vítor Pereira o campeonato, e desejam, embora sem esperar muito, por causa do sorteio, uma defesa com honra do título de campeões da Liga Europa.

2- Como é óbvio, quem está habituado a ganhar a este nível e habituado a lutar a sério pela vitória em todas as frentes, tem de aliviar alguma pressão em alguma ou alguma delas. Sem surpresa, o FC Porto tem-no feito na Taça da Liga, essa competição desenhada a regra e esquadro para dar o título a um dos três grandes e servir para os treinadores e as equipas derrotadas na época tentarem lançar poeira para os olhos dos adeptos, acenando-lhes com a conquista da Taça da Liga, como se fosse um título igual aos outros, aos que importam. Este ano e antes de se estrear em prova, em Paços de Ferreira, Vítor Pereira seguiu as pisadas de Vilas Boas, declarando o óbvio: para uma equipa e um clube com o historial recente do FC Porto, a Taça da Liga é praticamente um fait-divers, cuja utilidade é apenas a de rodar jogadores e experimentar alternativas de jogo. Assim ele fez em Paços de Ferreira, deixando vários titulares de fora e apenas fazendo entrar Moutinho e Hulk quando as experiências estavam feitas e se tratava, já agora, de ganhar o jogo. Perfeitamente normal, banal, lógico. Mas muito me ri, vendo as dores de cotovelo de alguns comentadores benfiquistas, despeitados por Vítor Pereira ter metido o Hulk e ter então ganho o jogo: já antecipavam uma surpresa como a da época passada, com o FC Porto eliminado da poule e o Benfica a conquistar o direito à final vencendo em casa um Paços de Ferreira ou um Estoril. Ficaram desapontados por Vítor Pereira não ter cumprido por inteiro a sua promessa de menosprezar a Taça da Liga e por não ter respeitado a tradição de a deixar como coutada benfiquista, garantindo ao Glorioso mais um título, para não deixar cavar um fosso entre o total dos títulos que junta em toda a sua história e aquele que junta o FC Porto — e que, desde a época passada, já é superior. Adorei os comentários — sobretudo, pelo que eles revelaram de um assumido complexo de inferioridade em relação ao grande clube do Norte. Pois é. É uma chatice, mas provavelmente lá terão de nos enfrentar e ultrapassar, a caminho de mais um desses particulares títulos da Taça da Liga!

3- Com idêntico objectivo - o de rodar jogadores pouco utilizados e ensaiar esquemas de jogo - saúde-se o regresso das equipas B à competição e agora na Liga Orangina, um degrau acima da experiência anterior, o que promete tornar tudo mais atraente, quer desportiva, quer financeiramente. Pelo menos vai servir para ver em acção e saber que estão a trabalhar todos aqueles que sobram no plantel dos grandes, recebendo o orde- nado ao fim do mes, apenas para ficarem à espera de uma oportunidade.

4- Após o final do seu longo mandato à frente da FPF, Gilberto Madail dedicou-se a relembrar alguns dos casos que enfrentou e dizer sobre eles o que antes deixou reservado. Entres esses casos, lamentou que Scolari tivesse afastado Vítor Baía da Selecção, sem nunca ter dado uma explicação, pública ou privada, para tal. E la-mentou-o, frisando que Baía foi sempre dos jogadores mais dedicados à Selecção e que ele próprio, Madail, não sabia qual a razão do seu afastamento. Tenho dúvidas que, em tal caso, o presidente da FPF não devesse ter exigido do seleccionador uma explicação pública para o saneamento sumário de que Vítor Baía foi alvo. Mas, se ele não conhece a explicação, eu posso, fornecer-lhe, pelo menos, a minha teoria.

Quando Scolari chegou a Portugal, o FC Porto estava no seu auge: tinha ganho a Taça UEFA e preparava-se para vir a vencer a Liga dos Campeões, uma proeza inimaginável para um clube português. Fora e voltaria a ser campeão nacional, com toda a autoridade e mérito. Tinha aquele que era já um treinador por todos visto como diferente e excepcional, José Mourinho. Tinha os melhores defesas e médios portugueses e o guarda- redes titular da Selecção, Vítor Baía. Instalado em Cascais, muito bem relacionado e apoiado pela imprensa desportiva lisboeta, Scolari não tardou a perceber que a maioria do país desportivo se torcia de inveja do sucesso do FC Porto, assim confirmando aquela que é a nossa mais profunda e prejudicial característica como nação. E Scolari - que nunca foi um bom treinador (vejam-se os resultados), mas apenas um bom psicólogo para alvos limitados e um bom vendedor de si mesmo - percebeu ali uma oportunidade de oiro para conquistar logo a imprensa e a maioria do país do futebol: enfrentar e afrontar o FC Porto. E, então, aconselhado ou não, escolheu como alvo predilecto para tal Vítor Baía - capitão e símbolo do FC Porto. E foi por isso que o afastou, para conquistar o aplauso da turba e mostrar quem mandava.

Vítor Baía foi afastado da Selecção (e até humilhado, quando Scolari, numa provocação reles, resolveu convocar o terceiro guarda-redes do FC Porto, que nunca ninguém vira jogar, nem ele próprio), numa manobra escusa de entendimento entre a ambição pessoal de um homem e a conivência geral dos outros. Baía foi afastado porque Scolari quis garantir apoio antes de ter resultados para apresentar e porque grande parte da nossa imprensa desportiva, percebendo muito bem o que estava em jogo, alinhou nesse jogo, não se importando de silenciar o espezinhamento de um homem que merecia o respeito de todos os que gostam de futebol. Só porque isso servia os interesses do sr. Scolari e afrontava e ofendia o sr. Pinto da Costa e todos os portistas. Pense nisso, dr. Madail.

5- Há gente com sorte e há gente estúpida. Sorte, tem-na tido David Beckham ao longo de toda a sua carreira. Estúpidos são os responsáveis do PSG que vão pagar 800 000 euros por mês a um tipo que nunca soube fazer outra coisa que não marcar cantos e livres e andar pelas revistas cor-de-rosa ao lado da sua inimitável esposa - a tal que se gabava de nunca ter lido um livro na vida, por falta de tempo para tal.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

OS SUSPEITOS DO COSTUME (20 DEZEMBRO 2011)

1- Com o empate cedido em Coimbra, o Sporting vê chegar o Natal a seis pontos de distância dos seus rivais, confirmando a sua alergia a esta época festiva. Claro que, em comparação com épocas anteriores, este Natal do Sporting é completamenle diferente, fruto de um trabalho notável de Domingos Paciência, o treinador portista que conseguiu transformar um grupo de jogadores vindos de todos os lados e que jamais se tinham encontrado numa equipa com ideias próprias e assimiladas por todos eles. Porém, será no dia 8 de Janeiro, quando encerrar a primeira volta recebendo em Alvalade o campeão nacional, que o Sporting de Domingos Paciência dirá se é ou não para contar com ele já este ano como candidato ao título. E nada menos que uma vitória poderá confirmar essa candidatura: o empate será comprometedor e a derrota praticamente encerrará a questão e deixará a questão do título entregue aos suspeitos do costume: Benfica e FC Porto.

Em Coimbra, num bom jogo de futebol, o Sporting poderia ter chegado à vitória se Van Wolswinkel (que alguns sportinguistas já comparam a Van Basten) estivesse de pontaria afinada. A última meia hora do Sporting foi de candidato, mas o empate pareceu-me justo pois também a Académica dispôs de várias oportunidades que poderiam ter colocado o resultado num 2-0, provavelmente irrecuperável.

2- Bastante diferente foi a tarefa do FC Porto frente ao Marítimo - que deu uma lição de futebol defensivo, mas apenas isso. Por ironia das coisas, também o Maritimo se poderia ter colocado em vantagem, na única e flagrante oportunidade de que dispôs em todo o jogo, um minuto antes de o FC Porto conseguir, enfim, chegar ao golo. Num minuto tudo pode mudar num jogo e o FC Porto bem mereceu essa felicidade ao minuto 79, pois consta que bateu vários recordes do campeonato: 67% de posse de bola, 65 ataques, 34 remates e 16 cantos! Este tipo de jogos, em que só uma equipa ataca, enquanto que a outra apenas defende e confia ao seu guarda- redes uma exibição de luxo, são profundamente irritantes e estão a tornar-se regra em todos os jogos dos grandes contra os outros. É certo que o Marítimo pode usar a desculpa de ter jogado 50 minutos com um a menos, mas tenho para mim que a superioridade numérica em jogos destes e quando essa superioridade favorece a equipa que quer construir o resultado e ainda o não conseguiu, acaba por se revelar quase sempre uma armadilha. Foi o que sucedeu neste jogo: se, com onze, o Marítimo mantinha só um homem na frente, com dez passou a não ter nenhum e a defender com todos dentro da área a maior parte do tempo. Se bem que Pinto da Costa tenha aberto uma surpreendente excepção para vir dizer que desta vez Vítor Pereira acertou nas substituições (!), a verdade é que me parece que, face à lesão de James e com um a mais, Vítor Pereira deveria ter feito entrar logo dois avançados e não apenas o Kleber, prescindindo do Fernando e de jogar com dois médios defensivos. Como habitualmente, a crítica desportiva apressou-se a resgatar o Cristian Rodriguez ape- nas porque a bola lhe foi parar aos pés para o remate do primeiro golo - assim como poderia ter ido parar aos pés de qualquer um dos oito jogadores com que o FC Porto atacava dentro da área do Marítimo. Eu compreendo que, vendo que o FC Porto tem, para a ala esquerda, o James, o Iturbe, o Varela, o Djalma e ainda vem o Christian Atsu, haja o maior interesse em convencer Vítor Pereira que a melhor escolha para o lugar... é o Cristian Rodriguez.

3- Duarte Gomes, o árbitro do FC Porto-Marítimo, não podia evitar reagir de alguma maneira às criticas de Pinto da Costa, que veio lembrar os últimos penalties polémicos que este árbitro assinalou ou deixou por assinalar. A prestação de Duarte Gomes não prejudicou o FC Porto apenas nesse lance, mas ele foi, de facto, o mais incompreensível e poderia ter tido consequências determinantes para o campeonato. Fez bem Duarte Gomes em reconhecer o seu erro, embora tenha ficado por explicar como é que o mesmo árbitro que conseguiu ver três penalties de bola na mão a favor do Benfica em apenas vinte minutos do jogo contra o Vitória de Guimarães, não conseguiu ver, ali a dois passos, um penalty tão flagrante cometido sobre o Belluschi. Mais estranho que isso só a cerimónia com que os dois comentadores da TVI evitaram tomar uma posição firme sobre o lance e nunca mais se referiram a ele, como se tivesse sido um fait-divers durante o jogo.

Mas Pinto da Costa veio também dizer uma coisa que nunca havia sido dita e que merece reflexão, em vez das habituais ironias dos moralistas de serviço. Que a profissionalização dos árbitros poderá servir para evitar eventuais conflitos de interesses entre a sua profissão civil e a missão de arbitrar jogos de algumas equipas. E é fácil de imaginar situações dessas. Confesso que não tenho opinião formada sobre o assunto da profissionalização dos árbitros, mas concordo que a questão do conflito de interesses tem de ser olhada mais de perto e tida em conta. Faz todo o sentido.

4- Saúdo aqui três treinadores portugueses que este fim de semana reagiram com grande fair Play a resultados desfavoráveis. Carlos Brito, do Rio Ave, que viu o Benfica anular a vantagem da sua equipa graças a um daqueles sempre subjectivos penalties de bola no braço, veio dizer que o penalty tinha sido bem assinalado - uma raridade. Pedro Martins, do Maritimo, não se desculpou com a inferioridade numérica nem culpou o azar pela derrota no Dragão: disse, sim, que ela tinha sido justa e a sua equipa tinha jogado mal quando ainda estava com onze. E Domingos Paciência não recorreu ao azar ou ao árbitro para justificar o empate em Coimbra, antes reconheceu erros próprios na origem do meio desaire.

5- Não consigo entender como é que uma equipa que vem de um terceiro lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões e que é detentora do título da Liga Europa entra nos dezasseis avos desta competição sem o estatuto de cabeça-de-série. O critério de apenas o serem os quatro melhores terceiros classificados dos grupos da Champions não faz sentido e permite que equipas como o FC Porto tenham estatuto inferior ao Sporting, cujo currículo europeu não tem nada que ver com o dos portistas. Mas, mesmo mantendo essa regra, acho inadmissível que não haja lugar reservado como cabeça-de-série para o detentor do título.

E assim, uma série de conjugações negativas (e todas derivadas do dramático e injusto empate a zero com o Zénith no Dragão) fizeram com que o FC Porto, em lugar de ser cabeça-de-série nos oitavos-de-final da Champions seja já candidato a sair nos dezasseis avos-de-final da Liga Europa. Porque, infelizmente, não tenho grandes ilusões sobre a possibilidade de ultrapassar o pior de todos os adversários em prova, o Manchester City - que logo temi que nos haveria de calhar em sorte. Sorte teve o Sporting (por enquanto), face a um mais do que acessível Legia de Varsóvia. E sorte teve tambem, e como habitualmente, o Benfica, que vai enfrentar um Zenit acabado de regressar de dois meses de defeso. Não se prevê que Danny venha a ter ocasião para voltar a fazer de cão urinante, coisa a que o público da Luz certamente não iria achar muita graça.

6- Seis meses esteve o Santos a preparar-se para enfrentar o Barcelona. Reteve o Danilo, já vendido ao FC Porto, evitou a saída do Neymar, abdicou do campeonato, fez parar um país inteiro na expectativa de desfazer a lenda do Barcelona e de Leonel Messi. Saldou-se tudo por uma derrota por 4-0 que, só não foi maior, por delicadeza dos catalães. Não há volta a dar e só me resta repetir-me: nunca houve nem haverá uma equipa de futebol como esta. Tem razão Neymar, quando, no final, confessou: «Hoje aprendi o que é jogar futebol».

quinta-feira, janeiro 10, 2013

UMA EQUIPA PARA A ETERNIDADE (13 DEZEMBRO 2011)

1- Domingo, José Mourinho acordou com uma das piores ressacas da sua vida: mais uma vez o seu Real sucumbiu às mãos do Barcelona de Guardiola e mais uma vez isso aconteceu em Chamartin, à vista dos seus adeptos e em circunstâncias duras de encaixar. Desta vez, sem se poder voltar contra o árbitro, Mourinho justificou -se com a sorte, que, segundo ele, fez toda a diferença. Não é verdade e Mourinho deve sabê-lo bem. A sorte não desempenhou aqui nenhum papel, como já não desempenhara nos 5-0 para o campeonato da época passada ou nos 0-2, também em Chamartin, para a Champions.

O que aconteceu foi que a melhor equipa que o futebol alguma vez viu, no momento da verdade, levou de vencida, com toda a tranquilidade e naturalidade, um Real Madrid a quem este Barcelona consegue quase sempre reduzir à condição de uma simples agremiação de grandes jogadores, cada umpor si.

Entre nós, há quem ache que Cristiano Ronaldo (quanto mais não seja, porque é português) é muito melhor jogador que Messi e até se encontra quem declare que o futebol deste Barça é uma chatice. Com todo o respeito, não percebem nada de futebol. Cristiano Ronaldo é um sobredotado como atleta, mas não tem comparação com Messi, como jogador. No futebol moderno, para se ser fenomenal, não basta correr os 100 metros em dez segundos e possuir um remate demolidor: nisso, Ronaldo é melhor do que Messi. Mas falta-lhe o resto, aquilo que Messi esbanja em cada jogo: inteligência em movimento, capacidade de desequilíbrio constante, um poder de finta que nunca é inútil mas, pelo contrário, abre espaços e deixa adversários para trás, fora da jogada, e uma visão de passe e desmarcação como jamais vi.

A imprensa espanhola de domingo dedicava-se a e dissecar as razões pelas quais Messi nunca falha nos grandes jogos e Ronaldo falha quase sempre. Algumas teses sustentam que é exactamente a comparação com o seu rival directo ao lugar de n.21 mundial que inibe o português, quando do outro lado está o argentino. Não creio que seja essa a razão, mas sim o facto de o futebol de Ronaldo perder capacidade quando enfrenta defesas de grande categoria e experiência. Pode sempre acontecer que ele arranque um remate do outro mundo, como aquele que conseguiu no Dragão, ao serviço do Manchester United, e que ditou uma injusta eliminação do FC Porto dos quartos-de-final de uma Champions. Mas raramente será o man ofthematch, porque os seus jogos de eleição não são os grandes jogos — como bem temos visto na Selecção.

Quanto ao Barcelona de Guardiola, pode ser que não seja a melhor equipa de todos os tempos, conceito sempre subjectivo e discutível. Mas quem terá sido melhor, então? O Brasil de 70, no México, comPelé, Rivelino, Jairzinho, Tostão? Era, sem dúvida, uma equi-pa-espectáculo inesquecível, mas duvido que vencesse este Barcelo -na, que não acabasse sufocada pelo futebol dos catalães. O Ajax deCruyff, Nèeskens, Krol? Talvez sim, a comparação é possível, até porque esse Ajax, pela mão de Cruyff, foi o precursor deste Barcelona. Mas não vejo que outra equipa mais se poderá comparar a esta. E já lá vão uns quatro ou cinco anos de consecutivo esplendor!

2- eve muito azar o FC Porto contra o Zenit, mere-j ceu amplamente, pela segunda parte que fez, o golinho solitário que o teria colocado no primeiro lugar do grupo, em vez de despejado na Liga Europa. Os jogadores foram autênticos heróis de vontade, sacrifício e talento, mas não conseguiram derrotar uma equipa em que apenas o guarda-redes mereceu a qualificação.

Vítor Pereira, como eu temia e esperava, repetiu todos os erros para os quais eu tinha chamado a atenção aqui, no próprio dia do jogo: Maicon a lateral-direito, Rolando no centro da defesa e Hulk sacrificado aponta-de-lança. Corrigiu o enp de Hulk na segunda parte, mas ingenuamente veio dizer que o fez porque Defour se tinha lesionado. Não vou repetir as críticas que já tentas vezes fiz e que agora reuniram a unanimidade de todos, mas custa-me a aceitar que um treinador não perceba que deixar Hulk isolado entre dois centrais, numa posição que não é a sua e desperdiçando a fantástica mais-valia que é tê-lo num dos flancos, onde dispõe do espaço que precisa para os seus arranques fulgurantes, é dar um tiro no pé.
Quando, pelos vistos forçado pelas circunstâncias, Vítor Pereira fez Hulk regressar à sua posição natural e quando descobriu aquilo que eu também já tinha escrito há muito tempo — que James pode ser um número dez vagabundo, genial — a equipa melhorou imediatamente. Soque, entretanto, tinha-se perdido meia parte e Hulk tinha-se desgastado em vão a batalhar fora da sua posição. Enfim, uns largos mi-Ihões que foram à vida e mais uma competição de que fomos afastados. E ninguém conseguirá convencer-me de que era inevitável.

Com esta, é já a terceira competição que Vítor Pereira perde ou de que é afastado. Em troca, ganhou a Supertaça Cândido de Oliveira, vencendo por l-0ecom uma fraquíssima exibição um vitória de Guimarães que este ano é uma completa desilusão. E vai à frente do campeonato em igualdade com o Benfica, mas tendo cedido um importantíssimo empate no Dragão contra os encarnados. E é só isso que ainda o mantém ao leme, na esperança que, depois de muitos erros, venha a sabedoria — ao menos por cansaço. Oxalá que sim, oxalá eu me tenha enganado quando previ que, com ele, o FC Porto não ia a lado nenhum.

3- Já contra o Beira-Mar, não comungo das críticas que aqui foram feitas à exibi-i ção portista. Foi um clássico jogo em que a equipa mais forte assume todas as despesas do ataque e da construção de jogo, contra uma equipa toda fechada lá atrás, jogando apenas na sorteetendo-a. No primeiro remate abaliza, o Beira-Mar viu-se aga-nhar e só não empatouno último segundo, na segunda oportunidade de golo e na segunda balda de Rolando, porque, aí sim, asorteoaban-donou. Mas teria sido uma tremenda injustiça, porque o FC Porto fez tudo o que devia para ganhar e teve períodos muitíssimo bons. Infinitamente melhores, por exemplo, do que o futebol com que o Sporting levou de vencida o Nacional e o Benfica fez o mesmo ao Marítimo.

4- O Benfica segue no seu registo habitual dos últimos tempos: muita garganta, pouquíssimo futebol, muita sorte e arbitragens felizes, como a de Jorge Sousa no Funchal, Para cúmulo, teve a sorte de ter encontrado, não o melhor Manchester United'dos últimos anos, como disse Jorge Jesus, mas sim o pior, como logo se viu no jogo inaugural, na Luz. Com o primeiro lugar caído do céu, vé-se ao abrigo de Real e Barcelona e vê tombar na Liga Europa potenciais adversários como Ajax, Valência, Manchester United, Manchester cáy... eFCPor-to. A sorte nunca explica tudo, mas às vezes é determinante.

5- Não fosse a Leonor Pinhão ter descoberto que Danny falhou de propósito um I golo no Dragão, deixan-do-se antecipar por Hel-ton, e eu diria que a passagem do luso-venezuelano pelos jogos contra o FC Porto foi uma demonstração de má educação notável. Imi-tar um cão a urinar para festejar um golo é medito em termos de mau gosto e falta de respeito pelo público e pelo adversário. Explicar que o fez e voltaria a fazê-Io a pedido dos filhos, é o mesmo que dizer que lá em casa não é o pai que educa os filhos, mas os filhos que deseducam o pai. Ficar para trás no fim do jogo, a provocar o público do Dragão e ainda voltar à carga com provocações no dia seguinte é um mau serviço prestado ao seleccionador e à Selecção, quando um dia tiverem de ir jogar ao Dragão e ele for convocado. Lá em cima é tudo filho de boa gente.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

OS SOFRIMENTOS DE JESUS (06 DEZEMBRO 2011)

1- Ainda não será desta vez que Jorge Jesus porá as mãos em cima da Taça de Portugal. Longe daqui, não assisti à tragédia do Funchal, contra o Marítimo Subsidiado F. C. , mas já tive ocasião de ouvir dois indignados benfiquistas, queixando-se amargamente das opções do seu treinador, que terá sacrificado a Taça às cautelas que entendeu tomar para defrontar o perigoso Otelul Galati, no Estádio da Luz, amanhã à noite. Mas é das tais coisas: se tivesse corrido bem, Jesus teria demonstrado a sua mestria na gestão da equipa; correndo mal, mostrou antes a sua deficiente avaliação de dificuldades. Devo confessar, que um frémito de alegria percorreu todos corações portislas, ao tomarem conhecimento da eliminação do Benfica - tão grande, pelo menos, como o que percorreu os corações benfiquistas ao saberem da hecatombe portista, há quinze dias atrás, frente à Académica. Não apenas porque assim nos sentimos desforrados, mas também porque assim mantemos a nossa vantagem de dois títulos a mais do que o Benfica, conquistada na temporada inesquecível de 2010/11. Para nos alcançar este ano, o Benfica terá agora de vencer o campeonato e a Taça da Liga; para nos ultrapassar, terá também de vencer a Liga dos Campeões. Podemos dormir descansados.

À hora a que escrevo, ainda o Sporting não se começou a desembaraçar desse pequeno obstáculo chamado Belenenses. Uma vez isso feito, os leões terão aberta uma auto estrada até ao Jamor e à conquista da Taça. Basta-lhes depois ultrapassarem o Marítimo (em casa, outra vez) e, beneficiando do sorteio e do afastamento precoce dos mais directos rivais, têm à vista essa coisa ultimamente tão rara, que é um título.

2- No youtube circula um vídeo do último Benfica--Sporting, que é, de facto, eloquente de alguns dos males de que padece o nosso futebol. Estava-se à beira do fim e o Benfica, reduzido a dez, resistia como podia às investidas do Sporting, em busca do empate. E então que Jorge Jesus abandona a sua área reservada (e que não pode ultrapassar) e corre como um louco ao longo da linha lateral, esbracejando e gritando para Artur para que ele se atire para o chão. E eis que o guarda-redes do Benfica, sem nada que o pudesse justificar, se atira para o chão, com... uma lesão muscular súbita! Lá vem o árbitro parar o jogo, fazer entrar a assistência médica e assim conceder ao Benfica uns minutos preciosos de descanso, ao mesmo tempo que quebra o ritmo atacante do Sporting. A cena oscila entre o hilariante e o indigno, deixando para cada um as considerações éticas visto que as disciplinares, certamente não se colocam. Como já não se colocaram na época passada, quando o mesmo Jorge Jesus, no final de um jogo, em pleno relvado e nas barbas do árbitro, deu uma estalada a um jogador adversário e levou 11 dias de suspensão (contados exactamente para terminarem na véspera do Benfica-Porto), enquanto que o agredido levou mês e meio.

3- Não tenho uma dúvida de que todos os que escrevem sobre futebol têm um clube da sua simpatia, o que obviamente lhes retira isenção. Todos, sem excepção. Mas isso não é grave, desde que quem escreve esteja à partida identificado como apoiante de determinado clube e seja apenas comentador. Grave é quando veste as vestes diáfanas do jornalista isento e sem clube, sem outro interesse que não servir a verdade dos factos. A propósito da gaiola inaugurada entre nós no Estádio da I.uz, vi alguns jornalistas desses - que melhor serviriam a verdade com um emblema do SLB bem à vista - defender que a gaiola é uma coisa perfeitamente normal, aceitável e civilizada e que o Benfica se limitou a copiar o que se faz lá fora (onde?) e a antecipar o que aí vem, por todo o lado. E são estes mesmos jornalistas que depois gostam de escrever textos «moralizadores», lastimando que a gente pacífica e respeitável já não possa ir ao futebol, tranquilamente, com a família ou acompanhantes. Como? Pagar 60 euros para ir ver um jogo enjaulado como animal feroz dentro de uma gaiola dita de segurança, onde, ao menor sinal de pânico, todos poderão ser esmagados contra as grades? Será isto que propõem como remédio normal e civilizado contra o vandalismo? Olhem, comigo não contem para frequentar as vossas gaiolas. Até teria vergonha que me vissem lá dentro.

4- Preocupante, é o mínimo que se pode dizer sobre a notícia, não desmentida, de que as modalidades mal- chamadas de amadoras do FC Porto estão com salários em atraso. Preocupante porque todas elas são campeãs nacionais em título e porque isto mostra bem até que ponto os clubes de topo, e não só, vivem acima das suas possibilidades e com a corda no pescoço, agora que o crédito bancário está bem mais difícil. E preocupante ain- da porque, supostamente, a SAD do FC Porto vai em cinco anos consecutivos de lucros e de prémios distribuídos pelos seus administradores e, apesar de uma dívida acumulada de 57 milhões, está ainda bem melhor do que as SAD dos seus directos rivais (104 milhões o Sporting, 109 milhões o Benfica). Na sua edição deste domingo, perguntava o jornal Público se as SAD do futebol fariam sentido, com uma cotação de bolsa ao nível da do BCP. Bom, é preciso dizer que as SAD, enquanto empresas, nunca fizeram sentido, porque nunca pretenderam fazê-lo. Só mesmo um papalvo é que poderia imaginar que, ao subscrever acções de uma SAD, se tornava um accionista de um negócio em tudo semelhante ao de qualquer outra sociedade anónima. As SAD nada mais foram do que uma oportunidade para as direcções dos clubes encaixarem um dinheiro caído do céu, graças à subscrição inicial do capital, vendida a devotos do clube. Mas nunca se preocuparam com a cotação das acções em bolsa e nunca, como é óbvio, fizeram tenções de pagar um euro que fosse a título de dividendos. Se alguém caiu na esparrela de que este era um bom investimento de poupanças, é digno de dó. Mas seria de esperar, isso sim, que as SAD tivessem um mínimo de gestão profissional e prudencial e não viessem a servir, como serviram, para subtrair todo o património dos clubes, afectando-o a si próprias e à cobertura dos prejuízos crónicos da sua gestão suicidária. Um dia alguém rebenta: só temos de adivinhar quem é o elo mais fraco.

5- Surpreenda-me, Vítor Pereira: logo à noite, contra o Zenit, não ponha o Maicon a defesa direito; deixe o Rolando no banco e ponha o Mangala e o Otamendi no centro da defesa; não deixe o Hulk sozinho no centro do ataque; e pense três vezes antes de fazer substituições: uma, para ter a certeza de que são necessárias, outra sabendo bem o que quer alterar, e outra escolhendo quem o possa fazer. Deixe-se de jogar à roleta e à lotaria, leve um plano de jogo bem definido e explicado aos jogadores e que contemple apenas as adaptações necessárias em função de circunstâncias diversas do previsto. E, por favor, trate de ganhar o jogo e colocar-nos nos oitavos-finais da Champions. A equipa está repousada (graças à Académica) e vai estar bom tempo e casa cheia. Temos tudo por nós.

6- E o meu Corinthians, o FC Porto do Brasil, lá se sagrou campeão, batendo ao sprint um valoroso Vasco. Foi um campeonato emocionante, que chegou a ter sete equipas em lula pelo título e que, finalmente, deu a Liedson aquilo que sete anos de Sporting não lhe conseguiram dar: as faixas de campeão. Aliás, justamente oferecidas à memória do grande doutor Sócrates, um homem do Timão, que explicou que se pode ser um grande jogador de futebol e, ao mesmo tempo, um grande cidadão, que não se preocupa apenas com dinheiro e contratos, automóveis de espantar, penteados e tatuagens. Como disse Lula — outro adepto ferrenho do Timão - Sócrates levou para os relvados a consciência cívica de um povo que resistia à ditadura dos generais brasileiros e precisava de símbolos para essa luta. Infelizmente, o futebol não conhece muitos exemplos destes. A regra são as tatuagens e os penteados, os automóveis e os contratos.

terça-feira, janeiro 08, 2013

O SALVADOR DE CABEÇAS (29 NOVEMBRO 2011)

1- Um treinador que tem a sorte de dispor de um jogador como Hulk tem meio caminho andado para o sucesso: o resto depende dele e dos outros dez da equipa. Mas, mesmo quando a equipe está mal e não rende, quando o treinador não dá conta do problema, basta que Hulk esteja num dia inspirado, que tenha sido minimamente motivado (o que não é difícil) e o problema resolve-se por si. Ou melhor, rcsolve-se por ele — ele, Hulk.

No espaço de cinco dias, entre Donetsk e o jogo do Dragão contra o Braga, Hulk resolveu em cinco penadas o problema do FC Porto e o problema de Vítor Pereira: na Ucrânia, massacrou, quase sozinho, toda a defesa do Shaklar, marcou o primeiro golo e construiu o segundo; no Dragão, marcou o primeiro e o segundo e inventou o terceiro. E assim se ultrapassou a crise? Não, claro que não: nem Vítor Pereira passou a ser o treinador adequado ao FC Porto, nem a equipa resolveu as suas deficiências conhecidas. Apenas duas coisas mudaram conjunturalmente para melhor: os resultados e a atitude da equipa (ao que parece, motivada pessoalmente por Pinto da Costa, em substituição do seu treinador).

Em Donetsk, Vítor Pereira experimentou uma solução já ensaiada por Jesualdo Ferreira, para jogos onde se prevê que a equipa tenha de ganhar em contra-ataque: abdicou de um ponta-de-lança típico e apostou em Hulk para essa posição. Faz sentido para esse tipo de jogo, em que Hulk sozinho desestabiliza infinitamente mais o centro da defesa adversária do que um ponta-de-lança feito presa fácil dos defesas, como seria o caso de Kleber. Mas, quando repetiu a mesma solução para o jogo com o Braga (mostrando bem como não pensa jogo a jogo e anda à deriva à procura da solução ideal), Vítor Pereira viu (terá visto?) as limitações do esquema, em jogos onde o FC Porto não se pode limitar a jogar no contra-golpe e tem sim de fazer as despesas do ataque continuado: com os alas recuados e com o excesso de velocidade de Hulk, este acaba quase sempre por se ver desamparado lá na frente, quando recebe abola. No jogo contra o Braga, assim que passou para o seu lugar natural na ala direita, Hulk arrancou dois golos decisivos para a vitória, mostrando que é ali que, de facto, pode causar mais danos à estrutura adversária.

Contra o Shaktar, tudo podia ter acontecido, mas Hulk e os deuses da fortuna estiveram com Vítor Pereira. Foi uma sorte as duas bolas nos postes de Helton e as três oportunidades de golo desperdiçadas pelo Shaktar, quando ainda havia 0 0; e foi providencial o génio de Hulk para resolver o jogo à beira do fim. Compreende-se a alegria incontida de Vítor Pereira no final do jogo: a sua pele tinha estado no assador e, no último instante, veio de lá o Indiana Jones e salvou-a. Num e noutro jogo, porém, a grande transformação foi a atitude de conquista, de luta e de sacrifício dos jogadores todos. Viu-se a equipa a correr e a lutar pela bola e por cada lance como há muito não se via. Viu-se que o espírito de conquista não estava afinal morto e a grande incógnita é porque razão andou tanto tempo adormecido.

Contra o Braga, apesar dos lampejos iniciais dos minhotos, eu percebi desde o início que os jogadores do Porto tinham vindo para tratar de ganhar o jogo e não para ficar à espera que as coisas acontecessem por si. Repetir a equipa de Donestsk não fez sentido, mas Vítor Pereira ficou pelo mais fácil: em equipa que ganha, não se mexe, mesmo que os jogos sejam à partida diferentes. Mesmo assim, até aos 63 minutos, o Braga não tinha criado uma ocasião de golo nem o Helton tinha feito uma defesa. Errada ou não, na sua estrutura e composição, a equipa estava completamente por cima, dominando o jogo em todo o campo, não acusando o cansaço do jogo e da viagem a meio da semana e ameaçando a todo o tempo o segundo golo. Um treinador atento teria apenas uma coisa a fazer: não mexer na equipa, deixá-la concentrada, uns com os outros, entregue ao jogo. Mas isso seria pedir de mais a Vítor Pereira: ele não resiste a fazer substituições erradas. Debaixo de um coro de assobios do Dragão (que percebe muito mais de futebol e conhece muito melhor a equipa do que o treinador), Vítor Pereira resolveu tirar dois jogadores que estavam a jogar muitíssimo bem (Defour e Djalma) para meter o Souza e o Cristian Rodriguez. Como seria de temer, eles nada trouxeram de melhor ao jogo, a equipa perdeu as suas ligações e consistência e Leonardo Jardim lançou então as suas substituições e fez o Braga regressar a um jogo de que há muito estava afastado. Não fosse o extraordinário segundo golo de Hulk, em jogada de puro génio individual, seguido de novo golpe de mestre a oferecer o terceiro golo, e o Braga teria empatado um jogo que de todo não mereceu empatar. Hulk, mais uma vez, corrigiu o erro do treinador e sal-vou-lhe a pele. Mas não é certo, nada certo, que este o tenha percebido.

E, sobre este jogo, tenho infelizmente, que me ocupar de um assunto sempre desagradável. O FC Porto ganhou e pode-se escrever que a equipa de arbitragem não influiu no resultado, se bem que tenha anulado um golo limpo, que seria o 3-0, ao FC Porto. Podíamos, pois, deixar passar, dizendo que tudo está bem quando acaba bem. Porém, não posso deixar passar. A arbitragem de Artur Soares Dias, que muitos vêm como uma das certezas da nossa arbitragem, foi intolerável. Começou numa atitude de, na dúvida, decidir sempre contra o FC Porto, mas logo evoluiu, acompanhando o crescendo portista, para uma outra atitude de hostilidade gritante, sem disfarce nem ocultação. Não tenho uma dúvida de que, se dependesse dele, o FC Porto não teria ganho o jogo — tantas e tão chocantes foram as suas decisões sempre em prejuízo do FC Porto. Acho que a comissão de arbitragem tem estrita obrigação de rever o vídeo do jogo atentamente e agir em conformidade. Porque o que aconteceu não é, simplesmente, normal.

2- Após o Benfica-Sporting, estalou uma polémica entre um dirigente sportinguista, que dizia que a «gaiola» tinha excesso de lotação, e o porta-voz do SLB, João Gabriel (muito dado a polémicas, de onde nunca sai bem), garantindo que até sobravam lugares. Infelizmenle para o Benfica, a sentença foi dada por um jornalista, sério e competente, e que até é benfiquista: Ferreira Fernandes, do Diário de Notícias, foi ver o jogo na gaiola re- servada aos adeptos do Sporting e escreveu, preto no branco, que havia duas filas de adeptos comprimidos em cada fila e que a segurança era uma ficção. É quanto me basta para saber a verdade.

O Sport Lisboa e Benfica saiu mal da história da gaiola de segurança, como já havia saído mal da história das luzes apagadas e do chuveiro súbito no final do jogo com o FC Porto, na época passada. E de muitos outros episódios que se vão repetindo e que dão do Benfica uma imagem pública que não coincide com o discurso oficial. Se havia 60.000 benfiquistas na Luz contra 4.000 sportinguistas, é evidente que a gaiola só poderia servir para proteger estes daqueles. E, se assim foi, o que o Benfica mostrou é que não responde pelos seus adeptos e não consegue assegurar a realização de um jogo no seu estádio, em condições de segurança. É lastimável. Lastimável que tenhamos de ir a um estádio enfiados numa jaula, como macacos, para nos defenderem da turba-multa. Eu gostava de ver o Benfica atrever-se a isto num jogo internacional e a explicar à UEFA que, ou era assim, ou não respondia pelas consequências... E nada disto é anulado pela inacreditável vendetta posterior dos enjaulados leões, que consistiu em tentar incendiar o estádio! E são estes dois clubes que, volta e meia, reúnem as direcções em almoços e fazem pungentes apelos ao fair-play... dos outros!

Quanto ao derby jogado, foi de fraca qualidade, com raras jogadas dignas de se ver, e, do meu ponto de vista, duas confirmações: o miúdo Carrilho como o caso mais interessante deste Sporting, e o guarda-redes Artur como a melhor aquisição do Benfica esta época, tal como o escrevi em Agosto, logo que vi o Benfica actuar pela primeira vez. Talvez o resultado justo tivesse sido um empate, mas o Sporting, apesar de tudo e da vantagem numérica (mais uma vez!), nunca deu mostras de poder ir além disso, nunca esteve sob suspeita de poder ganhar o jogo. E, para um sportinguista, deve ter sido frustrante perder e não poder acusar o árbitro de coisa alguma.