sábado, abril 24, 2004

A paixão de Bruno ( 20 Abril 2004)

1- Ausente doPaís, não tive ocasião de ver o Boavista-Sporting, que definitivamente encerrou a vaga ilusão (não mais do que isso), de o Sporting discutir com o FC Porto o título até final, tirando partido do cansaço crescentemente acumulado dos portistas, coma sua batalhaemtodas as frentes. Li, depois, que os dirigentes, treinador e jogadores do Sporting se revoltaram contra a arbitragem de Bruno Paixão, a quem atribuíram, em exclusivo, a responsabilidade pela derrota, chegando alguns a sugerir a irradiação ou afastamento definitivo, por despromoção, do árbitro de Setúbal que, segundo eles «deixou de ter condições para dirigir jogos do Sporting».Na imprensa desportiva do dia seguinte, li depois que eram dois os factosemque se concretizava a revolta sportinguista: umpenalty por marcar contra o Boavista e a expulsão de Rui Jorge, quando oSporting ainda ganhava por 1-0. Enfim, no painel de ex-árbitros deOJogo (tantas vezes citado por sportinguistas como fonte idónea e definitiva), li que, unanimente, achavam eles que não houve penalty algum, mas,emcontrapartida concordavam que a expulsão havia, de facto, sido injustificada. Temos, pois, que as razões da revolta sportinguista se resumem a isso: a expulsão injusta de Rui Jorge. Para trás ficaram, entretanto— e como nos recordava a edição de ontem deste jornal — três anos e 12 jogos arbitrados porBruno Paixão em que o Sporting foi parte e jamais encontrou razões de reclamação. Assim sendo, a segunda conclusão impõe-se por si: bastou a primeira de 13 arbitragens de que não gostaram para que os responsáveis sportinguistas chegassem à conclusão de que Bruno Paixão tinha deixado de reunir condições para voltar a arbitrar jogos do seu clube. Houve, porém,umaexcepção— et pour cause—a este passado virgem de queixas sportinguistas relativamente a Bruno Paixão: Fernando Santos lembrou que esta era a segunda vez que «via vermelho » com a actuação deste árbitro. Compreende-sebemque ele se lembre e os responáveis do Sporting não: é que Fernando Santos estava a referir-se ao celebérrimo jogo do FC Porto emCampo Maior, em queBrunoPaixão surgiu comoum cometa vindo do além na arbitragem portuguesa, assinando aquela que foi—juro-o, com toda a sinceridade — a mais vergonhosa, a mais tendenciosa e a mais despurada arbitragem em prejuízo de uma equipa que alguma vez vi, ao vivo ou na televisão, em mais de quarenta anos a ver futebol. Só que, ironia da história, nessa noite em CampoMaior e graças aBrunoPaia xão, o FC Porto perdeu a possibilidade de conquistar o sexto título consecutivo e quem saiu a ganhar com aquele inqualificável momento de vergonha absoluta foi precisamente o Sporting, que aí ganhou as esporas de campeão dessa época. Alguém ouviu, então, aos responsáveis sportinguistas, uma palavra que fosse sobre a exuberante falta de qualidade e de isenção de Bruno Paixão? Não, obviamente. E, muito embora este árbitro, que em Setúbal toda a gente sabe que cor defende, tenha continuado, de então para cá, a revelar uma total falta de qualidade e de categoria, os sportinguistas nunca entenderam necessário preocupar-se com o assunto, porque nunca antes de sábado passado no Bessa tiveram razões de queixa dele, antes pelo contrário. E foi assim, com cumplicidades destas, que Bruno Paixão chegou onde chegou: a internacional. Ele, que nasceu para tudo menos para arbitrar jogos de futebol. Sem embargo, repito o que já aqui disse uma vez: é incrível que não haja árbitros afastados tão logo se percebe, em início de carreira, que não têm qualquer aptidão ou vocação para o ofício.Éincrível, que bem à portuguesa, eles vão subindo sempre, paulatinamente e por piores que sejam, por simples antiguidade e regra do «deixa andar».

2-Já que estou com a mão na massa, não posso deixar de referir outro exemplo de um árbitro que, pelo que lhe vi fazer no outro dia (e eu, ao contrário de outros colunistas desportivos, não guardo registo organizado de árbitros e arbitragens), me parece um caso gritante de falta de qualidade e vocação. Refiro-me a João Ferreira, que esta quarta-feira passada na Madeira, arbitrou o Nacional- FC Porto. Para que não haja dúvidas, esclareço, todavia, que não foi por culpa do árbitro que o Porto não ganhou aquele jogo:não houve qualquer caso determinante e mal ajuizado tecnicamente. Em contrapartida, a actuação do árbitro foi decisiva para que se assistisse a um péssimo jogo de futebol. Começou por não ser capaz de distinguir jogo viril de jogo violento e de jogo deliberada e sistematicamente faltoso, permitindo, numa primeira fase, que o Nacional intimidasse os jogadores do FC Porto, naturalmente receosos que aquelas entradas de arrasar os viessem a afastar, por lesão, do decisivo jogo com oCorunha, já amanhã.Umfulano chamado Cleomiro teve três entradas violentas a adversários, no espaço de cinco minutos, terminando o jogo sem ver sequer um amarelo.Umoutro, chamado Fernando Cardoso, teve uma entrada pontapé directo à cara do Deco que, em qualquer lado do Mundo, daria direito, nem sequer a vermelho directo, mas a cartão negro e queixa-crime: ficou-se o árbitro pela marcação da falta e nada mais. Ao intervalo tudo mudaria de figura, ao sabor da disparidade de critério do árbitro: avisadamente, Mourinho tirou Deco, depois de o ter visto escapar milagrosamente a três entradas para rachar. Os jogadores doFCPorto entraram também a responder no mesmo tom, Maniche viu o árbitro perdoar-lhe um vermelho directo, ao mesmo tempo que desatou a mostrar amarelos aos portistas por coisas simplesmente ridículas. Balanço final: três amarelos para os jogadores do Nacional e oito para os do FCPorto. Quem não tenha visto o jogo, deve ter imaginado que o Porto é que deu um festival de pancada. Este JoãoFerreira mostrou não ter qualquer critério disciplinar, exibiu uma confrangedora incapacidade de defender o futebol do antijogo e, tendo virado o critério da primeira para a segunda parte, passando de um total laxismo para uma fúria justiçeira ridícula, acabou a estragar o jogo e a inverter por completo a «verdade disciplinar» daquilo que se passou em campo.

3-Já agora, mais uma nota sobre este jogo de há seis dias atrás. Não foi apenas a total incompetência do árbitro que tornou impossível que as duas equipas que, segundo Mourinho, melhor futebol jogam neste Campeonato dessem umespectáculo que o próprio Mourinho reconheceu não valer o preço do bilhete. Diversos outros factores contribuíram para isso e eles são motivo de meditação, sobretudo para aqueles que defendem que um campeonato com dezoito equipas é excelente, desportivamente atraente e economicamente viável. A ver: a)—ONacional, enquanto clube da Superliga, não existe: é uma ficção, sustentada pelos dinheiros do governo regional, ou seja pelos contribuintes do continente. Sem prejuízo da justiça devida ao campeonato que tem feito, ao lugar que ocupa e a algumas boas exibições que tem protagonizado, a verdade é que só por ficção se pode dizer que faz parte do campeonato português: contra o FC Porto e sob o comando de um treinador brasileiro, exibiram- se dez brasileiros ( e não pôde jogar o Serginho Baiano), um argentino e... dois portugueses. Há equipas estrangeiras que têmmais portugueses do que o Nacional da Madeira. b)—Oestádio onde se exibe esta equipa sul-americana do campeonato português não chega sequer a serumcampo de IIIDivisão: éum quintal do terceiro-mundo, rodeado rodeado de arame emtrês lados e com o quarto lado preenchido por uma amostra de bancada para 2000 pessoas. Écertamente o único estádio de qualquer campeonato europeu onde as transmissões televisivas dos jogos (com a câmaramontada nessa única bancada), não mostram umúnico espectador—o que, como espectáculo, é simplesmente fantástico. c)—Nessa pobre e solitária bancada habitam os adeptos locais, que passam um jogo inteiro a arengar o banco da equipa adversária (cujo treinador deve ficar muito quietinho sem se atrever a pôr a cabeça de fora, sob pena de consequências desagradáveis), e a desesperar os ouvidos e a paciência dos espectadores televisivos, vomitando para cima dos microfones da televisão um insuportável bailinho da Madeira (talvez a pior música do Mundo), animado por um rufar ininterrupto de tambores que serve de pano de fundo aumaespécie de coro histérico de mulheres berberes (consabidamente a pior música do Mundo).Se aquilo põe os nervosem franja aos espectadores, imagino o efeito que não causará aos jogadores adversários. Deve ser esse o objectivo pretendido. d) — O quintal, como é óbvio, tem dimensões mínimas, como convém aomau futebol, nivelando por baixo todas as equipas: as que sabem e querem jogar bem e as que não sabem e odeiam as que sabem. e)—Para agravar mais ainda as coisas, o quintal está exposto a todas as condições climatéricas adversas, que, quarta-feira passada, consistiamnumvendaval que varria o campo num sentido, originando jogadas caricatas, e numa humidade colada à relva que fazia de alguns jogadores aprendizes de patinadores no gelo. Uma delícia para o futebol de qualidade que se diz pretender. f)—Enfim, os rufadores de tambores e o coro berbere estão ali com a intenção, legítima, de ajudar a sua equipa a vencer. Mas, e como tantas vezes sucede por esses estádios fora, esse parece ser o seu único desejo: ver futebol não faz parte do programa. Por isso, os bons jogadores do adversário são insultados e assobiados, mesmo quando se rebolam no chão depois de levaruma castanhada daquelas que deveriam fazer corar de vergonha e indignação qualquer amante do futebol. Para que servem os dez novos estádios do Euro e os investimentos feitos no Euro para melhoria da qualidade do nosso futebol, quando esses estádios e essa melhoria teórica têm de conviver na mesma competição com coisas terceiromundistas como este chamadoEstádio da Choupana? E pensar que um bilhete ali custa o mesmo que um bilhete no Dragão!

quarta-feira, abril 14, 2004

Nunca tanto foi pedido a tão poucos ( 13 Abril 2004)

Após o recente Portugal Itália, Fernando Santos queixou-se de que apenas dispunha de dois dias para preparar a equipa, com os jogadores que tinham estado ao serviço da Selecção, para o próximo compromisso interno do Sporting. Todavia, dos três sportinguistas seleccionados para esse compromisso, um não chegou a jogar, outro jogou parte do tempo, e apenas Ricardo jogou o jogo todo, mas no lugar menos desgastante que é na baliza. O Sporting apenas jogava no domingo seguinte e os jogadores que foram à Selecção receberam a quinta-feira de folga. Agora, compare-se com o FC Porto: teve cinco jogadores na Selecção e um deles, o Costinha, veio a ser o único jogador pertencente a uma das oito equipas que ainda estavam em prova na Liga dos Campeões, a manter-se em campo o tempo todo, na desgastante função de médio defensivo. Do compromisso com a Selecção até ao próximo jogo interno, o FC Porto tinha ainda menos um dia de intervalo que o Sporting, pois jogava no sábado e, logo depois, quarta-feira em Lyon, um jogo determinante. Resultado: os seus jogadores não dispuseram de folga alguma, seguiram da Selecção directos para o clube. A factura pagou-a em Guimarães, com a primeira derrota no Campeonato. Seguiu-se a noite magnífica de Lyon, infelizmente só beliscada por aquele já imprevisto empate cedido no último minuto. Continuando sem direito a qualquer descanso, os jogadores regressaram de Lyon na madrugada de quinta-feira e sessenta horas depois já estavam em campo outra vez, frente a um Marítimo que soube explorar até quase ao fim o cansaço acumulado pelo seu adversário. Conseguida a vitória a cinco minutos do fim, os jogadores voltaram ao estágio e ao trabalho de imediato, mesmo com sacrifício do domingo de Páscoa, porque já amanhã estão de novo em acção, na dificílima deslocação ao campo do Nacional, onde se joga parte importante e porventura decisiva do desfecho do Campeonato. Três dias depois, no sábado, nova deslocação fora de casa, ao terreno do Beira-Mar, onde sempre o FC Porto encontra tradicionais dificuldades. Mais quatro dias e segue-se a grande jornada do Dragão, contra o Corunha, que pode abrir as portas do impensável sonho de chegar à final da Champions League. Outros quatro dias volvidos e outro jogo para o Campeonato, com o Alverca, em situação de desespero, e que pode ser ou a confirmação do título, ou a manutenção da luta com o Sporting ou um imponderável que ponha em risco um campeonato que já se tem por adquirido. Normalmente, seguir-se-ia finalmente uma semana sem jogo a meio, dando sete dias para preparar a próxima deslocação para o Campeonato — com foros de decisiva, se o Sporting não tiver escorregado até lá — e a jornada , essa sim decisiva, da Corunha. Mas sucede que Scolari, ao contrário de outros seleccionadores do Europeu, resolveu convocar mais um jogo de preparação para essa quarta-feira, e não me parece que vá prescindir dos massacrados jogadores do FC Porto. Daqui até final, poupo aos leitores à sequência do calendário dos portistas, até porque ele ainda não é inteiramente previsível: haverá de certeza a final da Taça contra o Benfica, pode haver ou não disputa do Campeonato até final com o Sporting, e pode haver uma final da Liga dos Campeões contra Mónaco ou Chelsea. Mas o que atrás fica descrito, a tal maratona infernal de sete jogos em 22 dias (fora a Selecção), revela até que ponto a tarefa dos jogadores portistas é quase desumana. Muita gente responsável, por essa Europa fora, tem já questionado várias vezes a terrível sobrecarga de jogos — entre campeonatos e taças nacionais, competições europeias e Selecções Nacionais — a que estão sujeitos os jogadores dos principais clubes. Por isso, se têm eles oposto determinadamente à louca ideia de acumular tudo isto com um Mundial de Clubes — um irresponsável projecto da FIFA, com o único objectivo de acumular receitas para si mesma, à custa dos jogadores e dos clubes que lhes pagam, e ainda com a inevitável consequência de gerar um efeito de saturação entre adeptos e telespectadores. Não é apenas o excesso de jogos que impressiona, pela exigência e desgaste físico que inevitavelmente traduz. É também o tremendo desgaste psíquico causado pela necessidade de ter de ganhar sempre, em dias de inspiração ou de desinspiração, em dias de sol, de chuva ou de nevoeiro. Uma equipa como o FC Porto desta época, que está na posição única entre todas as equipes europeias de poder ganhar tudo, acumula um desgaste psicológico que a torna, nesta altura da época, muitíssimo mais vulnerável aos assaltos de clubes mais pequenos e que normalmente não lhe poderiam causar danos: um Gil Vicente, um Marítimo, um Nacional. Quando oiço os treinadores destes clubes dizerem invariavelmente que o FC Porto é o favorito e que tem as responsabilidades todas de vencer, acho que são desculpas de quem não tema coragem de olhar para os factos e assumir, ao menos, parte dos riscos. Ao cansaço físico e psíquico vem ainda juntar-se o desgaste e a saturação com as viagens, os treinos, os estágios constantes, os dias de folga que são sistematicamente queimados, as semanas seguidas em que pouco sobra para a família, para o descanso, para a distracção ou o divertimento, enfim, para todas as outras coisas que são parte essencial da vida de cada um de nós, para além do trabalho. Por isso, esta equipe do FC Porto, que já cometera a incrível proeza de vencer tudo na época anterior, e que, ainda por cima, viu o azar das lesões levar-lhe o seu melhor jogador a meio desta época e a grande esperança que era, e é, o César Peixoto, logo a abrir a época, é credora de uma gratidão e um reconhecimento sem fim dos seus adeptos—e que, aliás, lhe não tem sido negado. Mas tudo o que se diga, tudo o que se reconheça, tudo o que se elogie, tudo o que se agradeça, é pouco ainda. Só uma enorme equipa, só — um por um — profissionais de excepção, e só um grande treinador e condutor de homens poderiam ter chegado até onde o FC Porto chegou, nestes últimos dois anos. Quando, nestes dias de euforia, em que já toda a gente pretende exigir ao FC Porto nada menos do que uma «natural» eliminação do Corunha (sim, é um clube mais pequeno que o FC Porto, mas tem quase o dobro do orçamento para o futebol...), seguida de uma vitória na Liga dos Campeões, José Mourinho tem toda a razão quando diz que a ninguém — sobretudo aos de fora—é legítimo pressionar ou exigir mais deste grupo de jogadores e respectiva equipa técnica. As exigências devem antes ser feitas sobre aqueles que apenas têm de jogar tranquilamente um jogo por semana, sobre aqueles que, quando chegam à Europa, falham sistematicamente na coragem e na força de vontade para ganhar, ou sobre a Selecção de Scolari, a que nada tem faltado para apresentar resultados que não se têm visto. Para melhor se poder avaliar aquilo que o FC Porto já conseguiu, em termos europeus, nem é preciso citar o ranking da CNN, onde o FC Porto surge esta semana como a equipa n.º 1 do Mundo (!). Basta atentar no destino das outras equipas que marcaram esta época europeia. O Manchester United, o clube mais rico e próspero do Mundo, perdeu o campeonato a benefício da Liga dos Campeões, onde, afinal, soçobrou às mãos do FC Porto, e resta-lhe a hipótese da Taça de Inglaterra. O Arsenal, que estava também nas três frentes até há dez dias atrás, tem o campeonato quase garantido, mas, em contrapartida, numa semana foi afastado da Taça de Inglaterra e da Liga dos Campeões. O seu carrasco europeu, o Chelsea — onde Abramovitch investiu mais de vinte milhões de contos em compras de jogadores esta época, conseguiu as meias-finais da Champions, mas está afastado da Taça e falhou, quase de certeza, o campeonato. O galáctico Real Madrid perdeu, no espaço de quinze dias, a Taça do Rei, as meias-finais europeias e a liderança do campeonato, pagando, como disse Luís Figo, a factura da exaustão física. O Mónaco, que cometeu a proeza de afastar o Real, pagou já o esforço com a perda da liderança do campeonato, esta semana, a favor do Lyon — a vítima do FC Porto. O Milan, campeão europeu em título, manteve a liderança do campeonato italiano graças a um golo de penalty a três minutos do fim, que, todavia, não compensa a imensa frustração da sua eliminação impensável na Corunha. E o Depor, finalmente, foi, a par do FC Porto, o único dos quatro semifinalistas da Liga dos Campeões que conseguiu vencer para o campeonato após a jornada de glória europeia. Mas foi cedo afastado da Taça do Rei e está praticamente afastado do título, disputado mano-a-mano por Valência e Real (mesmo assim, defendendo um terceiro lugar que lhe dá direito a acesso directo à próxima Liga dos Campeões). Ainda bem que internamente ainda tem alguma coisa a defender: talvez assim Irirueta não possa, como já disse ser o seu grande objectivo nos próximos dias, fazer descansar a equipa antes dos confrontos decisivos com o FC Porto. Ou seja: de todas as grandes equipas europeias do momento, o único que se mantém em todas as frentes e para ganhar é o FC Porto. O que quer dizer também que, de todos os quatro semifinalistas da Liga dos Campeões, o único que não pode descansar em frente alguma, que não pode encarar nenhum jogo despreocupadamente, que não pode folga rum dia, é o FC Porto. Nunca tanto foi pedido a tão poucos.

O milagre segundo Scolari ( 6 Abril 2004)

1- De repente, um sobressalto colectivo parece ter atravessado a nação futebolística. Consumada mais uma derrota e uma decepção da Selecção de Scolari, uma quantidade de gente, até aqui calada, ousou enfim levantar as suas dúvidas em voz alta: será Luiz Felipe Scolari capaz de nos levar a uma prestação pelo menos honrosa no Europeu?
Tenho a vantagem – e o correspondente risco, se os resultados forem bons – de ter duvidado de Scolari desde quase o início e de ainda na passada terça-feira, véspera do jogo com a Itália, ter repetido as razões par tal. Como os leitores atentos recordarão, penso que fui o primeiro, ou dos primeiros, nas páginas deste jornal, a defender a contratação de um treinador estrangeiro, na ressaca da vergonha asiática. Disso não me arrependo. Pareceu-me, e continua aparecer-me, que só alguém longe das tricas clubísticas da pátria portuguesa , e que não tivesse de prestar vassalagem à geração de Riade e outros poderes fácticos do nosso futebol, estaria em condições de começar tudo ou quase tudo de novo e, com dois anos de trabalho pela frente, apresentar no Euro-2004 uma Selecção nova de nomes e de mentalidades, salvaguardando do passado aqueles e aquilo que se justificava manter. Mas acontece que o Luiz Felipe Scolari, contra todo o bom senso e toda a expectativa, resolveu começar exactamente por onde não devia, embrenhamdo-se, e tornando-se parte, nas guerras fraticídas do futebol português ao decidir – certamente aconselhado por alguém com dor de cotovelo – abrir logo de início uma guerra, totalmente não provocada e incompreensível, com o FC Porto. Arrajem as justificações que quiserem mas é uma vergonha que em ano e meio de trabalho o seleccionador ainda não tenha ido ao Porto assistir pessoalmente a um jogo que fosse daquela que é, desculpem lá, a melhor equipa portuguesa do momento.
Tendo decidido começar assim a sua empreitada, Scolari tornou-se-me logo alguém que, a meu ver, deu provas de fraqueza disfarçada de força, falta de capacidade de isenção e falta de personalidade. Antes de ter qualquer resultado para apresentar, puxou dos galões de campeão do Mundo e tratou logo de comprar uma guerra pelo protagonismo e pelo mando – que, aliás,ninguém lhe disputava. Depois vieram os jogos, os resultados e as exibições. O tempo foi passando, os desastres sucedendo-se e,de jogo para jogo, fui constatando, primeiro, que Scolari já tinha decidido ao fim de 15 dias que irá jogar no Europeu daí a dois anos e, depois, que nada de essencial mudava para melhor no jogo da Selecção. Ao fim de 15 jogos nem sequer existem preparadas à vista aquelas jogadas de bola parada e outras que qualquer treinador de equipa de terceira divisão tem mais que ensaiadas. Na Selecção portuguesa vive-se, como há muito, à espera e dependente de um golpe de génio do Figo, de um rasgo de inspiração de Pauleta ou da ressureição do Rui Costa. É pouco, é nada, é pior que antes. Bem pior que a fase de transição de Agostinho Oliveira.
Julgo que será preciso recuar aos anos 30 ou 40 para encontrar pior registo de resultados de um seleccionador português. A Selecção de Scolari, se disputasse a nossa Superliga, estaria certamente ne segunda metade da tabela: há sete ou oito equipas em Portugal que jogam melhor futebol que aquilo que o Portugal de Scolari mostou até agora. E se, em seis jogos disputados contra selecções que vão estar no Europeu, dos quais quatro intramuros, Scolari não conseguiu vencer um único, tendo empatado três e perdido outros tantos, temos de agradecer ao destino estarmos previamente qualificados como país organizador, de outro modo não constaríamos da lista de finalistas.
O que fazer? Pois, esperar pelo milagre anunciado por Scolari: os 25 dias antes do campeonato, em que ele vai ter a equipa em exclusivo à sua disposição e, por um golpe de magia que só ele sabe, vai transformar aqule grupo de jogadores à deriva em campo num fortíssimo candidato a campeão europeu. Que chegaremos aos quartos-de-final não duvido, porque com os valores comerciais em disputa seguramente, como é tradição, a UEFA se encarregará de pôr a sua mãozinha protectora, em necessidade havendo, ao serviço do país organizador. Daí para a frente é que o cidadão Luiz Felipe Scolari vai ter de mostrar que mereceu os ordenados, que se dizem milionários, que vem recebendo na expectativa desse tal milagre.
Mas se assim é, se tudo se decide nesses tais 25 dias milagrosos,se, ainda por cima, o seleccionador diz e repete que tantoi lhe faz perder como ganhar nos amigáveis, e se nenhumas mudanças, progressos ou esquemas de jogo adquiridos se vêem de um para outro amigável, para quê fazê-los? Para cansar os jogadores, para prejudicar os clubes, para afastar os portugueses da sua Selecção, para nos fazer perder o prestígio? Não seria melhor poupar-nos a estes tristes espectáculos e guardar-se para esse estágio de redenção e renascimento ?

2- Em contrapartida, um frémito de alegria percorreu três quartos da nação futebolística,sábado à noite, quando finalmente o FC Porto caiu, às mãos do Gil Vicente. Luís Campos – que, não tenho dúvida, será um dia, juntamente com outros novos, como Vítor Ponte ou Carlos Brito, um candidato à sucessão de José Mourinho – tem todo o direito de estar feliz mas não parece, sinceramente, que possa exagerar os méritos próprios da sua equipa no triunfo sobre o Porto. Dificilmente o Gil Vicente voltará a ter um jogo em que, tendo sido tão massacrado, acabe por ganhar no espaço de três minutos. É verdade que Baía deveria ter sido expulso aos 15 minutos, quando saiu da baliza e por instinto defendeu com a mão fora da área ( não foi expulso porque o árbitro, ao contrário de nós na televisão, não dispunha da repetição da jogada em slow motion para só então perceber que tinha sido a mão esquerda de Baía a cortar a viagem da bola). Mas até aí já o Porto poderia e merecia estar a ganhar por três ou quatro, não fosse a sorte estar do lado do Gil e no lugar do McCarthy estar o Jankauskas, o mais fraco jogador de todo o plantel do Porto e, juntamente com Silva, do Sporting, o mais inofensivo ponta-de-lança do campeonato. E 15 minutos depois do golpe de Baía, por idênticas razões, também o guarda-redes do Gil deveria ter visto o vermelho. Mas manda a verdade que se diga que José Mourinho, por uma vez, quis igualmente ajudar à festa, cometendo erros que só demonstram que ninguém é perfeito. As três substituições de uma assentada, a saída, já habitual, do Carlos Alberto ( será para refrear o deslumbramento do miúdo, para deixar os adeptos com água na boca? ) e , ironicamente, aquele episódio do bilhetinho, que ele agora inventou e que se tornaria ridiculamente fatal, quando Nuno Valente, acabado de entrar, em vez de ir logo ocupar o seu flanco, por onde o Gil Vicente desencadeava o ataque que resultaria no primeiro golo, ficou preocupado em ir à procura do Deco, qual estafeta da DHL, e entregar-lhe o bilhetinho fatal. A imagem do Deco a ler o bilhetinho ( já desactualizado por força das circunstâncias) , no momento em que a bola vai ao centro depois do golo do Gil e os jogadores do Porto estão de crista caída, é das tais que valem por mil palavras. Enfim, era bom acabar o campeonato sem derrotas mas...fica para o ano!
Entretanto, o que é preciso é que amanhã, em Lyon, o FC Porto não deixe fugir a oportunidade de ouro de o futebol português cometer a impensável proeza de ter uma sua equipa entre as quatro melhores do ano na Europa.

3- Continuam as investigações sobre o sistema. As atenções estão agora viradas para o árbitro que esteve em Braga, no teatro dos sonhos, domingo passado.