sexta-feira, março 22, 2013

30 ANOS E 270 MINUTOS (24 ABRIL 2012)

1- A três jogos do fim do campeonato, tudo parece indicar que les jeux sont faits: o Benfica já não roubará o título ao FC Porto, o SC Braga já não ameaçará o segundo lugar e a entrada directa na Champions do Benfica, e o Sporting não alcançará o terceiro lugar do Braga e o último a poder dar acesso à mais lucrativa prova internacional, no ano que vem. E, bem vistas as coisas, eu penso que esta hierarquia dos quatro primeiros reflecte aquilo que aconteceu ao longo de uma prova que, nunca é de mais lembrá-lo, se disputa em trinta jornadas, e não em quinze, vinte ou vinte e cinco. De nada serve ter sido episodicamente o melhor e o mais credível candidato, ou até, como gostam de proclamar os benfiquistas, de ter jogado o melhor futebol visto no decorrer da Liga, se depois não há pedalada para aguentar a luta até final e não fraquejar na hora da verdade.

No momento em que celebra trinta anos de uma presidência que é já mítica, com um rol de triunfos em todas as modalidades e todos os escalões nunca visto nem imaginado possível, Pinto da Costa prepara-se para, uma vez mais, conquistar o principal título do principal desporto que move os portugueses. Mais um título que nos afasta ainda mais do Benfica em número total de títulos do futebol e que nos aproxima mais na incrível recuperação encetada trinta anos atrás no número de campeonatos nacionais conquistados - até ao dia, que eu espero viver ainda, em que o FC Porto tenha mais campeonatos nacionais de futebol do que o Benfica.

Para celebrar este número redondo e impressionante de anos na presidência do clube, Pinto da Costa teria merecido mais uma época como a do ano passado, em que o clube praticamente ganhou tudo o que havia para ganhar no futebol e ainda juntou ao futebol os títulos de campeão nacional em todas as modalidades profissionais praticadas basquetebol, andebol, hóquei. Esta época, e embora não esteja de modo algum afastada a possibilidade de repetir os triunfos nas quatro modalidades profissionais, o futebol ficará, todavia, muito aquém da época passada em que, nesta altura, estávamos a disputar a final da liga Europa e da Taça de Portugal, que acabaríamos por vencer, e estávamos já consagrados campeões nacionais, depois do histórico triunfo na Luz, seguido de chuveiro em pleno relvado.

Esta época, depois da previsível perca da Supertaça Europeia frente ao Barcelona, e depois das frustrantes eliminações na Liga dos Campeões, Liga Europa, Taça de Portugal e Taça da Liga, os portistas preparam-se para festejar, vá lá, um campeonato nacional que sabe a pouco e sabe a coisa imprevista, pois que durante mais tempo ele pareceu mais perdido do que achado. Por exclusão de partes e erros alheios, vai ser um campeonato ganho com justiça mas sem o brilhantismo nem a autoridade de outros tempos. Nem por isso deixa de ser mais um campeonato conquistado e, só por ser conquistado ao Benfica, dobra de prazer.

No caminho para um título que já não parece poder escapar, lá se venceu o Beira-Mar, com uma exibicão que não foi boa nem má, mas que chegou e sobejou para um triunfo justíssimo. O Beira-Mar, de facto, apenas teve uma oportunidade de golo — se se puder classificar como tal uma jogada em que o avançado aveirense, em lugar de servir um companheiro isolado, preferiu rematar à baliza. O penalty que dava a vantagem de 1-0 ao intervalo, apesar dos esforços dos comentadores da TVI, existiu mesmo e cortou uma jogada de golo iminente. E mesmo o cerrado critério disciplinar do árbitro com os jogadores portistas (três cartões amarelos em quatro faltas cometidas pela equipa até ao minuto 50!), não impediu que se corressem os riscos necessários para assegurar a vitória. Muito bem jogou Hulk, uma vez mais decisivo, mas também Alex Sandro e James; razoavelmente bem jogaram Helton, Sapunaru, Maicon, Fernando e Danilo; assim assim jogaram Otamendi, Lucho, e Moutinho (muitos passes falhados); e mal jogaram Deffour, Janko e Varela, qualquer deles confirmando aquilo que deu para ver ao longo de toda a época: que não têm valor para a equipa campeã nacional. Dentro de um mês e pouco, quando abrir a época das transferências, vai ser absolutamente decisivo saber geri-la com pinças para não se cometerem os mesmos erros de há um ano atrás — o mais gritante dos quais foi ler formado um plantel que é o pior servido de pontas-de-lança entre todas as dezasseis equipas que participam na Liga.

2- O Barcelona-Real Madrid foi talvez o jogo mais visto da época à escala planetária. No Brasil, onde me encontrava no sábado, e apesar de ser dia de um Vasco-Flamengo para as meias finais da Taça do Rio, as televisões não faziam mais nada o dia inteiro do que falar do derby espanhol e multiplicar as antevisões ao jogo - uma das quais, felizmente, viriam a falhar: a de que, no final e como habitualmente, Mourinho se queixaria da arbitragem.

De facto, José Mourinho não teve razões para se queixar do árbitro nem de coisa alguma. A sua equipa entrou determinada, motivada e sem medo no jogo, e essa entrada foi decisiva para evitar que o Barça instalasse desde logo o seu habitual carrossel de endoidecer merengues. Mourinho precisava desta vitória mata-fantasmas e sem a qual o título não teria o mesmo sabor. Agora, ele prepara-se para uma proeza única nos anais do futebol europeu que é a de ser campeão em quatro países diferentes e, de facto, só lhe falta a Alemanha para poder dizer que ganhou todos os principais campeonatos europeus. E, se conseguir afastar o Bayern (o que não vai ser nada fácil), chegará à sua terceira final da Liga dos Campeões por três equipas de países diferentes. Este bem pode ser mais um ano de José Mourinho. Se juntar ao título espanhol o título europeu, Mourinho terá conseguido ainda o mais difícil de tudo: abalar, pela primeira vez, a hegemonia do Barcelona de Guardiola, que se diria inabalável nos tempos mais próximos.

Num jogo que, em minha opinião, defraudou largamente as expectativas, foi bom ver mais outros três portugueses em plano de destaque: o meio-português Pepe, seguro e sem manifestações de destrambelhamento que por vezes o comprometem; Fábio Coentrão, agora menos loiro e mais discreto; e, claro, Cristiano Ronaldo, a vencer Messi, a chegar ao inacreditável número de 42 golos apontados na Liga, e autor do golo decisivo - um golo à Ronaldo, tirando partido de uma saída extemporânea de Valdez, para usar as suas duas armas letais, a velocidade e o remate, ultrapassando o guarda-redes e chutando nas costas dele (na mesma situação, muito provavelmente, Messi teria optado por um chapéu ou uma finta para dentro, rematando depois).

Foi uma jornada completamente portuguesa, a de Barcelona. E eu, que sou adepto do Barcelona, grande admirador desse senhor e cavalheiro que é Pep Guardiola e que de há muito aqui escrevo que o pequeno Lionel Messi é o melhor jogador de futebol que os meus olhos já viram, eu que não sou de patrioteirismos idiotas, fiquei contente porque ganhou quem mereceu e orgulhoso porque ali estavam portugueses a lembrar ao mundo que não somos apenas um país falido. Agora, o resto já não subscrevo: por exemplo, a vitória sobre «a arrogância catalã» como escreveu o José Manuel Delgado. Qual arrogância catalã? A de ter dado os parabéns ao Real Madrid por uma vitória e um título merecidos, como fez Guardiola? Ou a de se ter rebelado contra Madrid, em 1640, tal como nós o fizemos?

3- O que concluí da leitura da entrevista de Godinho Lopes ao Record é que ele tem medo de Paulo Pereira Cristóvão. Descobrir porquê é a chave da questão.

quinta-feira, março 21, 2013

MÃO NA BOLA E MÃO NA MASSA (17 ABRIL 2012)

1- Aproveito a interrupção do futebol a sério, para a disputa da final do Torneio Sport Lisboa e Baptista, para falar com mais tempo e espaço de um tema que já tenho aflorado várias vezes: a epidemia dos penalties por bola na mão.

Durante o recente SC Braga-FC Porto, Álvaro Pereira, querendo evitar um cruzamento para a sua área, estendeu a perna para cortar a passagem da bola, já em desequilibrio. E a bola, cruzada a não mais de três metros de distância, bateu-lhe na perna e dai ressaltou para o braço, sem que ele pudesse, humanamente, evitá-lo: livre e cartão amarelo, decidiu o árbitro (por sorte do FC Porto, a jogada não foi dentro da área ou o jogo podia ter tido outro desfecho). Ora, esta decisão da arbitragem é totalmente absurda, não tem qualquer sustentação na lei nem nas regras da FIFA e resulta apenas de uma doutrina perniciosa que se vem instalando entre nós, com o apoio militante da imprensa e dos comentadores dos jogos. Mas que, de facto, desvirtua as regras do jogo e, não poucas vezes, tem desvirtuado resultados. Antes de prosseguir na minha tese, e para beneficio de discussão, convém recordar o que diz a lei e como a interpreta a FIFA.

O que a lei original diz é simples e vem na regra 12: «Constitui infracção punível com livre directo jogar a bola com a mão.» Porem, e tal como sucedeu com a Constituição dos Estados Unidos, as poucas e simples regras originais (que, aparentemente, o bom senso e a boa fé chegariam para interpretar), tiveram de ser acrescentadas por sucessivas decisões doutrinais, que acabaram a confirmar nada mais do que o espírito original da lei. E foi assim, que eu, por exemplo, cresci com uma interpretação desta regra que foi, durante muito tempo, inteiramente pacifica: «jogar a bola com a mão», implica também o braço; e «jogar a bola» implica uma atitude voluntária (assim como, se um jogador dominar a bola com o peito ou o usar para passar a bola a um companheiro, ele jogou a bola; mas se esta apenas foi chutada contra o seu peito, sem responsabilidade sua, ele não jogou a bola com o peito). Na lei 12 trata-se do mesmo principio: jogar a bola com o braço ou mão, pressupõe uma atitude voluntária, um movimento do braço ou da mão em direcção à bola. Ficar estático e simplesmente levar com a bola no braço ou na mão não é falta.

Diz a versão brasileira da lei 12 [site da CBF]: «...Também será concedido tiro de livre directo se um jogador.., tocar na bola com as mãos intencionalmente...»

E diz a versão portuguesa [site da Liga de Clubes]: «Tocar a bola com as mãos implica um acto de liberado, em que o jogador toma contacto com a bola com as mãos ou os braços.»

«Intencionalmente» ou «deliberadamente»: com ou sem Acordo Ortográfico, toda a gente entende que, tanto portugueses como brasileiros exigem o mesmo: um acto voluntário de um jogador em jogar com a mão ou o braço. Mas, para que dúvidas não restem (a não ser aos que as querem manter), o texto da Liga de Clubes, seguindo as instruções da FIFA, explicita que, para assinalar ou não a falta, o árbitro «deve ter em consideração os seguintes critérios:

- o movimento da mão na direcção da bola (e não a bola na direcção da mão);
- a distancia entre o adversário e a bola (bola inesperada);
- que a posição da mão não pressupõe necessariamente uma infracção.»

A esta luz, é curioso analisar o célebre penalty que o árbitro, segundo todas as opiniões, terá deixado de marcar contra o Chelsea na Luz, por mão do John Tcrry. Recordemos: perante um centro iminente de Gaitan, Terry fez-se ao lance de braços bem abertos, ostensivamente abertos; a bola, cruzada por Gaitan, foi bater num dos braços de John Terry, que, todavia, não os mexeu. Isto, para a totalidade da critica foi penalty evidente, que o árbitro só não mareou porque não quis, como disse Jorge Jesus (e até se comparou com lance idêntico, em que David Luiz enfrentou um outro cruzamento de um jogador benfiquista com os braços deliberadamente atrás das costas).

Pois bem, a verdade é que, face ao que reza a lei, o árbitro não marcou o penalty, não porque não quis, mas porque não era penalty. «A posição das mãos ou dos braços não pressupõe necessariamente uma infracção.»: John Terry podia ter colocado os braços na posição que quisesse, antes de a bola partir; se os tivesse aberto depois da bola partir, ai sim, é que o arbitro tinha que pressupor um gesto, um movimento, uma atitude deliberada de cortar a bola com a mão, John Terry estava certíssimo no que fez e que só mostra que conhece bem as regras do futebol; David Luiz é que estava errado: não precisa de recolher os braços atrás do corpo para, previamente, afastar suspeitas. E os críticos e comentadores, peço desculpa de o dizer, deviam conhecer melhor as leis do futebol, antes de partirem para conclusões inflamadas e ditadas, não por razão, mas por paixão. E estou à vontade para o dizer porque sempre defendi esta interpretação e, nomeadamente, quando, ao arrepio de alguma critica, sustentei que a bola no braço de Cardozo, dentro da área, no último Benfica-FC Porto, não foi penalty.

Esta questão torna-se importante porque cada vez mais se acentua aquilo que já é uma óbvia estratégia planeada de algumas equipas para apostarem deliberadamente nesta espécie inventada de penalties, tentando, por sistema, jogar a bola em direcção às mãos ou braços dos adversários. Foi desta forma, com uma quantidade inimaginável de livres e penalties assim sacados (incluindo o penalty decisivo do último jogo, no Bessa), que o Benfica de Trapattoni se fez campeão. E foi por ter tido a sorte de encontrar no jogo de Alvalade contra o Legia um árbitro que conhecia a lei e que, ao arrepio daquilo que os sportinguistas tantas vezes reclamam, não assinalou um penalty destes (no limite da interpretação...) por mão de Polga, que o Sporting pôde seguir em frente na Liga Europa e estar agora nas meias finais.

2- Por razões de ausência no estrangeiro, escrevo este texto com três dias de antecedência em relação ao habitual e num momento em que, relativamente ao escândalo que atingiu o Sporting, a PJ investiga um eventual envolvimento do presidente Godinho Lopes no inimaginável esquema montado pelo vice Paulo Pereira Cristóvão, destinado a implicar um árbitro numa suposta corrupção montada por ele. Não sei, obviamente, se o presidente do Sporting está envolvido ou não - e espero bem que não. Mas de uma coisa ninguém o livra: da responsabilidade de ter escolhido para a sua equipa alguém cujo curriculum era por demais conhecido e muito pouco recomendável. E, assim como em tempos defendi que Pinto da Costa se deveria demitir, não por ser culpado de qualquer coisa no Apito Dourado (como se provou que não era), mas sim por ser responsável pela escolha da Dª Carolina Salgado para o estatuto de primeira dama do FC Porto, permitindo-lhe causar danos de imagem irreparáveis ao clube, também agora penso que o presidente do Sporting se deveria demitir, assumindo a sua responsabilidade na escolha que fez.

Porque os danos que Cristóvão causou ao Sporting são igualmente irreparáveis. E, se bem que eu não cometa a injustiça de confundir um clube sério com um seu dirigente, a verdade é que o Sporting perdeu aqui toda a sua tão apregoada virgindade na matéria. Daqui em diante, de cada vez que o Sporting investir contra os árbitros, como geneticamente o faz, ficaremos sempre na dúvida de saber de que lado está a seriedade. E o senhor secretário de Estado que cometeu a imprudência de, ainda há umas semanas, ter recebido solenemente Godinho Lopes e Paulo Pereira Cristóvão, para os ouvir debitar as habituais lamúrias e suspeitas acerca dos árbitros, onde será que agora enterra a cabeça de vergonha? Ou não a tem (a vergonha)?

quarta-feira, março 20, 2013

QUEM DE TRÊS TIRA DOIS…(10 ABRIL 2012)

1- O Sporting-Benfica começou com um penalty a favor do Benfica que ficou por marcar. Seguiu com um penalty inútil do Luisão, porém real. E continuou com um penalty por marcar a favor do Sporting tudo - até aos 25 minutos. Seguiu-se um jogo essencialmente mal jogado, aos repelões - sobretudo por parte do Benfica, que pouco mais soluções ofensivas mostrou do que os habituais livres a pingar sobre a área (e muitos teve na fase final). Jogando em contra-ataque toda a segunda parte, o Sporting mais do que justificou a vitória e poderia ter desbaratado o Benfica, não fossem Artur, a trave e Van Kleber, perdão, Van Wolfswinkel. Os benfiquistas dirão (Jesus já deu o mote) que, se o penalty sobre Gaitan no primeiro minuto tem sido assinalado, o jogo teria sido completamente diferente e o vencedor também. Para além do facto de o Sporting também se poder queixar de um penalty não assinalado, que teria dado o 2-0, parece um verdadeiro wishfull thlnking afirmar que teria sido diferente e de desfecho diferente um jogo onde o Benfica se mostrou sempre àquem do Sporting e de onde poderia ter saído com um resultado constrangente.

Assim, o Sporting completou uma semana decisiva, garantindo a passagem às meias finais da Liga Furopa e honrando a rivalidade, o prestígio e o profissionalismo contra o seu eterno rival de Lisboa. Já o Benfica, chegou à semana decisiva, em que, dos quatro saldos possíveis, lhe calhou o pior: afastado da Europa, quase afastado do título nacional. É um drama clássico de quem luta nestas duas frentes até muito tarde: para poder ter sucesso, nesta situação, só há um caminho: ter avanço suficiente no final da primeira volta do campeonato para poder gerir o desgaste na segunda volta. Era o que fazia o FC Porto de Mourinho e foi o que fez o de André Villas Boas, na época passada.

E desta forma se desfez o trio da frente, a quatro jornadas do fim. O Sporting de Braga ficou pelo caminho, depois de um meio campeonato brilhante, onde acumulou 13 vitórias consecutivas e surgiu subitamente a intrometer-se na luta do topo, que parecia reservada a Benfica e Porto. Mas, no espaço de oito dias, no momento do tudo ou nada, o Braga ficou... com nada. E, se bem que, quer na Luz, quer em Braga, se tenha batido com toda a determinação e dignidade, justificando o estatuto de candidato, em ambos os jogos creio que ficou também patente que lhe faltou ainda um quid de determinação e confiança, sem o qual os campeões não existem. Na minha infância e adolescência assisti a isto com o FC Porto: era eternamente dado como candidato, mas, de facto, na hora da verdade, faltava-lhe sempre qualquer coisa que confirmasse uma real candidatura.

Ao, invés, no jogo de Braga, sempre confiei e apostei na vitória do FC Porto - e a entrada em jogo dos portistas, se bem que por um curto período de domínio. Confirmou-me essa quase certeza. Durante muito tempo, quase até ao fim, o jogo manteve-se, é verdade, de desfecho incerto e, não fosse a dupla infelicidade de Hugo Viana (equivalente a dois frangos do guarda redes) e, aparentemente, o FC Porto não teria ganho. Mas digo aparentemente, porque julgo que, se não tivesse sido a partir de uma perda de bola e do génio de Hulk, teria sido de outra forma: na hora da verdade, o FC Porto puxaria dos galões. Os galões da experiência e do hábito de conquistar títulos e assimilar uma cultura de vitória de que só o Benfica dos últimos anos se começa a aproximar.

Na verdade, eu até esperava mais facilidades do FC Porto no decisivo jogo de Braga. E isso não aconteceu porque foi uma equipa desiquilibrada, com jogadores muito bem e outros mal ou francamente mal. Bem ou muito bem, estiveram o Helton, o Sapunaru, os dois centrais, o Moutinho, o James e, sobretudo o Hulk. Mal, estiveram o Alvaro Pereira (muito bem subsituído, após um amarelo aliás injusto), o Defour (de onde partiu a melhor oportunidade do Braga, desperdiçada por Hugo Viana), o Lucho, jogando permanentemente em marcha atrás, o Varela, igual a si próprio, e o Kleber, surpreendentemente escolhido por Vítor Pereira e apenas para mostrar, pela enésima vez, que não faz a mais pequena ideia de como foi ali parar. Foi um jogo em que o FC Porto teve, indiscutivelmente, a sorte do jogo. Os portistas jogaram apenas o suficiente para vencerem um Braga que esteve sempre na expectativa, nunca dando a sensação de ir à procura do destino, em lugar de ficar à espera que ele acontecesse. E saber fazer a hora é a marca dos campeões. Mas, embora longe do título, o campeonato ainda não acabou para o Braga: tem a luta pelo segundo lugar, que vale uma entrada directa na Champlons e que, provavelmente, irá disputar até final com o Benfica.

Em Londres, frente a um Chelsea que é hoje uma sombra do que foi, o Benfica experimentou a sensacão de impotência dos clubes que, a este nível, enfrentam o clube quase fechado dos tubarões europeus - uma dúzia de equipas que gozam sempre dos favores do dinheiro, da fortuna e de outras coisas mais. Eu vi assim o FC Porto ser diversas vezes afastado pelo Chelsea ou pelo United, em eliminatórias em que as decisões do árbitro ou má fortuna em momentos cruciais o venceram, longe de o convencer. Concordo inteiramente com Jorge Jesus em como o Benfica actual é melhor equipa que o Chelsea e mostrou-o bem na eliminatória. Todavia, e se bem que o árbitro tenha adoptado sempre um critério desigual (que as equipes portuguesas já conhecem e já devem esperar a este nível), o facto é que, nas duas decisões contestadas pelos benfiquistas, ele não cometeu erro algum: Maxi foi bem expulso (e, ao contrário do que vi dito por um jornalista da RTP, benfiquista convicto, não é ele que tinha de se lembrar que Maxi já tinha um amarelo, mas sim o próprio jogador), e o penalty é tão flagrante que só num momento de desespero e a quente se pode pretender o contrário. Se aquilo não fosse penalty, então o penalty assinalado contra o Braga, na Luz, em jogada idêntica mas muito menos ostensiva, seria o quê?

Para um portista, a eliminatória perdida pelo Benfica teve dois momentos, não sei se de ironia, se de justiça póstuma. Um, foi no jogo da primeira mão, quando a equipa portuguesa do SL Benfica utilizou catorze jogadores e nenhum português, enquanto que, do outro lado, a equipa inglesa do Chelsea alinhava quatro portugueses. E a ironia consistiu em ver o público da Luz assobiar os portugueses do Chelsea só porque ti- nham sido do FC Porto e, em especial, a tomar de ponta Raul Meireles - que depois se vingaria, em Londres. A outra ironia (e, essa deliciosa) foi escutar a claque do Benfica em Stamford Bridge a gritar "Platini, Platini". mandando para cima do presidente da UEFA as culpas daquilo que os benfiquistas acharam ser uma arbitragem encomendada. Estariam eles a referir-se ao mesmo Michel Platini que eu julgo? Aquele em cujas mãos, há uns anos atrás, o Benfica depositou um mundo de esperanças de o ver afastar o FCPorto das competições europeias, por via administrativa, assim abrindo uma vaga na Champims para o Benfica, que a havia perdido no terreno de jogo? Seria o mesmo Platini que (não tivesse sido a justiça da UEFA a travar a maquinação) teria sido o último elo de uma cadeia montada peça a peça, entre Benfica, a imprensa que lhe é afecta, e o Conselho de Disciplina da Liga que controlava, para roubar na secretaria o que o FC Porto ganhara em campo com todo o mérito e a vista de todos, mascarando a golpaça de justiça desportiva? Seria o mesmo palhaço que eu estou a pensar por quem gritavam, indignados, os benfiquistas em Stamford Bridge? Pois se era, a ingratidão humana não tem limites...

PS - Subitamente, um jornalista brasileiro apareceu na conferencia de imprensa, no final do jogo de Alvalade, e lançou a Jorge Jesus uma pedrada no charco. Nada de especial, como pergunta: apenas jornalismo.

terça-feira, março 19, 2013

VI, NÃO VI E ADORMECI (03 ABRIL 2012)

1- Sentei-me a ver o União de Leiria-Sporting e dez minutos depois dormia profundamente. Se o Leiria é o último classificado e outra coisa não seria de esperar do seu soporífero futebol, já o Sporting é aquela equipe que, segundo o seu presidente, não fossem os árbitros e estaria a lutar pelo título. Pois, bem: se assim é, quero declarar que o Dormicum Futebol Clube tem mais hipóteses de lutar por um título que o Sporting. Não é uma andorinha, mesmo vinda de Manchester, que faz a Primavera.

Brincadeira à parte, considero inacreditável que o Secretário de Estado do Desporto receba o presidente do Sporting para este lhe ir fazer o habitual relambório das queixinhas da arbitragem. Partindo do princípio que o Secretário de Estado não estará disponível para receber todos os clubes que se querem queixar da arbitragem (e são todos), a audiência concedida ao presidente do Sporting tresanda a vassalagem à moda antiga, a fazer lembrar os tempos em que os dois grandes de Lisboa cultivavam relações promíscuas com o poder politico, assim garantindo um tratamento privilegiado em relação a todos os outros. Eu sei bem que o hábito ainda não desapareceu por completo (basta ter visto o ar de pessoa da casa com que o ministro Miguel Relvas se passeou terça-feira na tribuna de honra da Luz e, no dia seguinte, na de Alvalade), mas, apesar de tudo, há que manter algumas aparências: que eu saiba, não compete ao Secretário do Desporto ocupar-se da arbitragem das modalidades e é simplesmente ridículo imaginar que ele possa ter estado a ver vídeos seleccionados pelo Sporting na companhia do Engº Godinho Lopes.

Já quanto às declarações do presidente sportinguista, no final da audiência, essas nao tem que enganar: são mesmo para gozar com o pagode. Afirmar, sem tremer de vergonha, que só por causa dos árbitros é que o Sporting não disputa o título de campeão, é tomar por parvos todos os que vêem futebol e percebem alguma coisa deste jogo. O Sporting está no quinto lugar da classificação, atrás de Marítimo, Braga, Benfica e Porto. Todos estes clubes só podem sentir-se ofendidos com tamanho desplante. Estaria a lutar pelo título uma equipa que está no 5º lugar, a catorze pontos do primeiro classificado e que esteve cinco meses sem conseguir ganhar um jogo fora de casa e só de livre e a três minutos do fim conseguiu marcar um golo em cinco jogos consecutivos fora? E no ano passado, quando terminou em 4ºlugar, a uns inimagináveis 27 pontos do campeão? Quantos pontos teria o Secretário de Estado do Desporto de acrescentar por decreto ao Sporting para que ele conseguisse disputar o título?

2- Este sábado aconteceu-me uma coisa impensável: tamanha era a cobertura dada pelos jornais desportivos ao Benfica-Braga desse dia (como se não houvesse outros jogos no sábado e, entre eles, o jogo envolvendo o FC Porto e que poderia dar, como deu, a liderança do campeonato), que eu me convenci que o Porto só jogava domingo. E assim levado ao engano, falhei o primeiro jogo do FC Porto esta época e foi só quando liguei a televisão, minutos antes do Braga-Benfica, que, indo parar ao flash-interwiew do Porto-Olhanenese, me dei conta que, afinal, o jogo já tinha acontecido e terminado com a vitória dos portistas por 2-0. Não fazendo ideia como tinha sido o jogo, fiquei a escutar atentamente o Sérgio Conceição. Disse ele, em substância, que o Olha- nense tinha jogado mal, que o Porto jogou mais, mas que era muito difícil jogar contra os grandes, por causa da arbitragem: teria ficado por mostrar um segundo amarelo a um jogador portista por mão na bola e quando um avançado do Olhanense se ia isolar, a jogada foi interrompida sem razão. Não fosse a arbitragem, e o Olhanense... Fiquei a pensar que já não tenho pachorra para isto: haverá algum treinador que perca e não diga que a culpa é do árbitro? No dia seguinte, li A Bola e lá vinha a fotografia da tal jogada com o atacante de Olhão, onde se via ele a agarrar um jogador portista para não o deixar correr. O relato do jogo, quanto à arbitragem, dizia apenas que tinha sido quase perfeita, não fosse o árbitro ter perdoado um penalty ao Olhanense por falta sobre o Hulk (mais um não assinalado...). E, quanto ao resto, escrevia-se que, em todo o jogo, o Olhanense não criara uma só oportunidade de golo, apenas fizera um remate e inofensivo e só graças ao seu guarda-redes não tinha saído do Dragão esmagado a uma cabazada. Ora, o Sérgio Conceição é treinador apenas há um par de meses e dá-se o caso de ter sido jogador do FC Porto, clube que o potenciou para uma bem sucedida carreira internacional. São duas boas razões para ter um bocado mais de respeito, se não pela verdade, ao menos pelo seu presente e pelo seu passado.

3- Com um penalty caído do céu e de um critério generoso do árbitro, e um golo aos 92 minutos, o Benfica venceu um jogo cujo resultado justo só podia ser o empate. Na segunda parte, por assim dizer, o Braga resgatou os seus méritos como candidato ao título. A meus olhos. E digo isto, porque os últimos dois jogos que vi do Braga (em casa contra o Leiria e contra a Académica), em ambos o vi vencer imerecidamente por 2-1, tendo beneficiado de muita, muita sorte, e decisões erradas da arbitragem que lhe garantiram a vitória. É evidente que eu comungo da onda de elogios a uma equipa que se bale como o Braga se tem batido, uma equipa formada pelas sobras dos grandes (seis jogadores ex-FC Porto!) e com um orçamento que não é nada ao pé do deles. E claro que, não sendo o FC Porto campeão, muito gostaria que fosse o Braga. Mas, constato que esta simpatia geral pelos Davids face aos Golias, leva a que uma equipa como o Braga goze de uma generosidade da crítica, que outros não têm. Tivesse sido o FC Porto a assinar aquela exibição contra a Académica e a beneficiar das decisões do árbitro, aqui mesmo assinaladas na crónica do jogo, e toda a semana só se teria falado da injustiça da liderança. Ser grande também não é sempre fácil!

4- Como toda a gente sabe, esta época tem-se assistido a um inusitado silêncio de Pinto da Costa. Não que ele tenha o hábito de falar demais: fala sempre menos, muito menos, dos que pedem audiências ao governo, dão entrevistas de fundo a cada dois meses e redigem comunicados semanais, no mínimo, com medo que se es- queçam da sua existência. Mas este ano, o presidente do FC Porto tem falado tão pouco que aos olhos de muitos portistas tem sido até de menos. Por responsabilidade sua, ninguém pode dizer que ele ajudou a crispar o ambiente ou acirrar ânimos em vésperas dos jogos importantes. Mas, mesmo assim, há quem ache que se o presidente do FC Porto soltar meia dúzia de frases em toda a época, já será de mais. Há quem ache, convictamente, que existe uma lei não escrita que não confere ao presidente portista o mesmo direito à palavra que os seus homólogos de outros clubes.

Fernando Guerra, aqui na página ao lado, é um desses. Na semana passada, ele construiu toda uma teoria conspirativa à roda do suspeitíssimo facto de Pinto da Costa ter dito umas palavras circunstanciais, algures por aí. Segundo ele, essa «súbita reentrada em cena» do presidente do FC Porto, motivada pelo medo que o Benfica lhe infunde, visou «accionar alarmes, mover influências, activar alianças e declarar medidas de emergência», face ao «perigo medonho» de ter visto o Benfica no topo da classificação, há umas semanas atrás. Já as palavras que, «por coincidência», o presidente do Benfica disse na mesma altura, merecem a Fernando Guerra um tamanho rol de elogios que chega a ser comovente. Luís Filipe Vieira, escreve ele, «é um homem sobreavisado, conhece os truques, mas há caminhos que, por princípio, se recusa a pisar». E o elogio segue: « É notável o seu espírito de sacrifício e a sua inabalável coragem para continuar o combate solitário em frentes agrestes contra inimigos empenhados em atrasarem, por qualquer meio, e explosão futebolística do Benfica» - Eis o crime dos «inimigos»: atrasarem a explosão benfiquista do Benfica, ousarem disputar o título (este ou qualquer outro) com a intocável Instituição. Quando Pinto da Costa abre a boca, por pouco que seja, trata-se de uma conspiração, de «esquemas obscuros». Quando Filipe Vieira abre a boca, trata-se de coragem solitária, de quem não quer pisar os mesmos terrenos.

O mais irónico disto é pensar que, conhecendo Luís Filipe Viera, aposto que ele dispensa bem este tipo de advocacias.