quinta-feira, fevereiro 11, 2010

VAI-SE FAZENDO LUZ NO TÚNEL (02 FEVEREIRO 2010)

1- Depois do relatório dos dois delegados da Liga ao Benfica-F.C.Porto de 20 de Dezembro, depois do relatório do próprio instrutor do processo, eis que surge o terceiro e decisivo elemento de prova do que realmente aconteceu naquele mal-afamado túnel, naquele final de tarde: o relatório da PSP (de Lisboa, senhores!), referido pelo Expresso de sábado passado. Nele se escreve que os incidentes «ocorreram APÓS provocações verbais dos stewards da Prossegur», ao serviço do Benfica. Assim, e de uma penada:

a) - a Prossegur vai ter de explicar como é que tem ao seu serviço seguranças que vão esperar jogadores à saída de um jogo, enfiando-se no túnel a provocá-los e como é que, ainda por cima, mentiu publicamente sobre esse facto;

b) - o Benfica deveria explicar como é que consente tais comportamentos de um pessoal por si contratado; e

c) - a Comissão Disciplinar da Liga vai ter de explicar como é que tem dois jogadores suspensos preventivamente há dois meses por terem reagido fisicamente a provocações (leia-se, insultos) verbais de quem, afinal de contas, tem por missão evitar problemas e não criá-los. Eu sei que cada um é como é, mas eu, se me chamarem «filho da p****», não retribuo com um sorriso.

«Mão amiga» disponibilizou anteontem, no site de A BOLA, as célebres imagens do túnel — tal como era de prever, a partir do momento em que se descobriu que as imagens não são meio de prova legítimo para procedimentos disciplinares. Aqui, no Rio de Janeiro, onde estou, devido a dificuldades com a net não consegui ver mais do que escassos segundos desse filme de série B. O suficiente para perceber que as imagens não são contínuas, mas sim montadas, e que, convenientemente também, não há som ambiente, para ouvirmos as tais provocaçõezinhas verbais dos senhores da Prossegur. Mas o pouco que consegui ver, também serviu para apurar duas coisas estranhas: uma, que eles não estavam à espera dos jogadores pacificamente encostados à parede ou à conversa entre si, mas sim alinhados a meio do túnel, virados para a sua entrada e em atitude de quem tem alguma coisa ensaiada; e outra, que um misterioso personagem civil, de fato escuro, percorre duas vezes a fila dos seguranças falando discretamente com eles. Adorava saber o que lhes terá dito… Mas uma coisa me basta, nesta altura do campeonato: quando aqui há umas semanas escrevi que isto me começava a cheirar a «emboscada no túnel», ainda só tinha a versão dos jornalistas benfiquistas — com os «factos» já apurados pelo testemunho benfiquista, e a sentença já dada, de acordo com as denunciadas intenções da CD. Pois, agora, já não tenho dúvida alguma: os factos foram deliberadamente deturpados, os réus estão trocados e o túnel da Luz tem de ser investigado a sério.

Rúben Micael e Cléber, ambos então jogadores do Nacional, já tinham dito que se passavam estranhas coisas no túnel da Luz, que mereciam ser investigadas. Na semana passada, eles confirmaram as declarações e o Benfica respondeu com um comunicado não muito elegante, acusando o Rúben de já estar a mostrar serviço ao F.C.Porto. Infelizmente para o Benfica, porém, as televisões repescaram e puseram no ar as declarações de Rúben Micael, feitas na altura, em Outubro passado, quando nem ele nem o F.C.Porto suspeitavam ainda que se iriam encontrar. E também ficámos a saber que já na época anterior, naquele mesmo local, também houve umas provocaçõezinhas aos jogadores ou «agentes desportivos» do F.C.Porto, mas que não acabaram em vias de facto, nem foram registadas pelas câmaras, porque estas, coincidentemente, tinham sido desligadas de véspera… Mais estranho ainda foi saber também que já então a PSP enviara um relatório desses factos à CD da Liga — a qual não viu motivo para agir, de forma alguma. Tanta coisa que afinal acontece naquele túnel e só agora é que os justiceiros se preocupam com ele!

Apurado assim o que, de facto, aconteceu no túnel do Benfica, desmentida por quem de direito a versão entusiasticamente acolhida desde logo pela imprensa ao serviço do Benfica, resta enquadrar juridicamente tais factos para chegar a uma decisão.

Pois bem. Como já se percebeu, é intenção da CD não penalizar nunca os jogadores do F.C.Porto em menos de três meses de suspensão — qualquer coisa como uns doze jogos. É o que se infere da tranquilidade com que logo os pôs em suspensão preventiva até final do processo — o qual nunca demorará menos de três meses. Então, virá sempre aplicar-﷓lhes uma pena que cubra todo o período de suspensão preventiva. E assim dirão que fizeram «justiça» e até foram brandos. Sem vergonha alguma.

Antes de ter visto a «verdade provisória» desmascarada pelos delegados e instrutor da própria Liga e pela PSP, a CD actuou como se estivesse em face do mais grave incidente jamais protagonizado por futebolistas num estádio português. Basta pensar que o Cristiano Ronaldo partiu o nariz com uma cotovelada intencional a um adversário e levou dois jogos de suspensão — reclamados pelo Real Madrid, com o apoio da nossa imprensa desportiva. E o João Vieira Pinto, depois de expulso pelo árbitro, enfiou-lhe um murro no estômago, em jogo dos quartos-de-final de um Mundial de futebol, com meio planeta a ver — e levou seis meses de suspensão, com reclamação da FPF e da nossa imprensa desportiva. Mas, para os jogadores do F.C.Porto, que apenas perante escassas testemunhas responderam a murro e a pontapé a uma provocação organizada de elementos estranhos ao jogo, que estavam onde não deviam estar (e por isso é que o Benfica é multado), a esses, a CD queria aplicar-lhes nada menos do que seis meses a três anos de suspensão!

O mais extraordinário para mim é pensar em como a cegueira e ódio clubísticos chegaram a tal ponto que haja gente, aparentemente razoável e bem formada, que ache isto possível e natural. E, para o fazerem, agarram-se ao argumento de que a lei, de facto, é absurda, mas é assim e há que aplicá-la.

Já foi explicado uma e outra vez, mas volto a explicar: a lei pode ser absurda, mas não é assim. Assim é apenas a interpretação que da lei quer fazer o dr. Ricardo Costa e a CD da Liga. O que a lei diz é que tais penas serão aplicadas a quem agredir «agentes desportivos» — mas não diz quem são ou devam ser considerados «agentes desportivos». E, vai daí e sem hesitar, a CD resolve que, tendo as pretensas agressões sido cometidas por jogadores do F.C.Porto sobre seguranças privados ao serviço de um clube, tais seguranças são automaticamente elevados à categoria de «agentes desportivos». Não é preciso ser jurista nem muito perspicaz para perceber que isto é uma batota descarada. Um agente desportivo, não sendo um jogador (porque, para agressões cometidas sobre esses, conta outra cláusula do regulamento e punições infinitamente mais suaves), só pode ser alguém que intervenha no jogo, acreditado para tal pela própria Liga. E há-de ser alguém cujas funções sejam de tal forma importantes que possam gozar desta protecção extrema: os árbitros, técnicos e dirigentes e delegados da própria Liga. Não, com certeza, os apanha-bolas, os arrumadores e porteiros, os empregados dos bares concessionados ou os seguranças. Nem sequer os policias de serviço. Nenhum destes elementos, seguranças incluídos, está acreditado pela Liga — que, aliás, nem sabe quem eles são. Só mesmo um delírio persecutório e o tradicional assanhamento da CD contra o F.C.Porto permite imaginar que é possível promover os seguranças do Benfica a «agentes desportivos» — com o efeito útil, no caso, de tirar do jogo e do campeonato o mais temível avançado portista.

Aliás e como já notou o meu correligionário Rui Moreira, se a Liga agora considera os stewards como «agentes desportivos» estamos perante uma curiosa situação de direitos sem deveres correspondentes. Se os stewards são agredidos, ai Jesus, que agrediram um agente desportivo! Mas se são eles a agredir ou a insultar, é pena, mas nada se pode fazer, porque quem manda neles é o clube que os contrata e não a Liga, que não tem qualquer poder disciplinar sobre eles. Não é preciso ter sequer dois dedos de testa para entender que está aberta a porta para toda a espécie de batota organizada: basta contratar um bando de jagunços, chamar-lhes stewards e mandá-los para o túnel ou para a pista agredir e insultar os adversários. E, quando estes responderem, faz-se justiça: seis meses a três anos de suspensão para os jogadores; nada para os seguranças. Que ovo de Colombo!

E depois, vêm falar em verdade desportiva e moralização do futebol! Tenham vergonha e deixem jogar o Hulk, sem medo! Porque é disso e só disso que se trata.


2- E ainda dizem que o Brasil é que é um país atrasado. Aqui, o futebol joga-se nos estádios, à vista de todos. Como o fantástico Fla-Flu deste domingo, ao final da tarde, no Maracanã, terminado 5-3, com o campeão Flamengo a virar o resultado, só com dez e comandado pela dupla de retornados do seu ataque: Adriano e Vagner Love. Por um dia, até deu para esquecer o futebol de túnel.

ESCUTEIROS (26 JANEIRO 2010)

1- Parece que meio País não faz outra coisa que não escutar, deliciado, conversas alheias. Se conheço as escutas? Bem, eu não conheço outra coisa, fui criado com as escutas telefónicas. Quando eu era pequeno, em casa dos meus pais, todos nós sabíamos e sentíamos que a PIDE escutava todas as conversas. Era o tempo dos telefones fixos e a tecnologia das escutas não estava desenvolvida ao ponto sofisticado a que hoje está: nós ouvíamos distintamente os «cliques» das gravações, quando a fita chegava ao fim, e às vezes até conseguíamos ouvir a respiração do PIDE de escuta. Também a correspondência da casa era aberta e lida e, por vezes, roubada (apareceu depois nos arquivos da PIDE). A sensação de ter a toda a nossa correspondência e conversas privadas devassadas por outrem não é explicável: é preciso ter passado por isso para o entender.

Quis o destino que, anos mais tarde, o meu primeiro emprego fosse justamente na Comissão de Extinção da PIDE/DGS, onde estive poucos meses - até ter percebido que havia forças políticas que tinham tomado o controlo da Comissão e do Forte de Caxias e cujo objectivo não era o de fazer justiça aos abusos da PIDE e levá-los a julgamento, mas, sim, o de guardar o material explosivo que a PIDE tinha reunido sobre diversos cidadãos e aproveitá-lo eventualmente em proveito próprio. O que tornava esse material explosivo era exactamente o conteúdo das escutas a que diversas figuras da oposição tinham sido submetidas anos a fio. Bastou-me ler dois ou três exemplos do conteúdo de escutas (e mais já não consegui ler) para entender esta grande verdade: não há ninguém, absolutamente ninguém, que não tenha conversas privadas que não podem ser expostas em público. As escutas policiais são uma forma de devassa e de violência sobre a privacidade alheia, que só circunstâncias absolutamente excepcionais e sob apertadíssimo controle judicial é que podem justificar. Infelizmente e à revelia do que a Constituição democrática veio estabelecer sobre a inviolabilidade da correspondência e o direito à privacidade, as escutas estão hoje banalizadas na investigação criminal, ao ponto de se terem tornado na prova absoluta, quando não única. Como muito bem escreveu o «Times», a propósito da investigação do «caso Maddie», a investigação criminal em Portugal continua ainda refém da técnica única da auto-incriminação dos suspeitos: ou pelas escutas das suas conversas ou pela confissão dos próprios - espontânea ou «induzida». Mas não apenas as escutas se banalizaram como método de investigação: banalizou-se a divulgação do seu conteúdo para a imprensa, ao arrepio dessa anedota chamada «segredo de justiça», banalizou-se a falta de controlo sobre o destino das gravações e sobre a sua efectiva destruição, em caso de arquivamento ou sentença transitada, como manda a lei. Rio-me sempre que vejo o nosso PGR, o dr. Pinto Monteiro, a anunciar «rigorosos inquéritos» depois de consumadas as violações. Também agora ele anunciou mais um inquérito, que fatalmente acabará em nada, para saber como é que as escutas do Apito Dourado chegaram ao YouTube e à imprensa. Eu acho que o inquérito deveria ter outro objecto: saber por que é que o sr. procurador não se incomodou antes a certificar-se que as gravações tinham já sido destruídas, como manda a lei? Aposto que qualquer dia temos aí publicadas as escutas das conversas entre José Sócrates e Armando Vara, que, todavia, foram mandadas destruir por ausência de indícios incriminatórios. Eu aposto…

Pois então, parece que meio País anda ocupado a perder horas do seu tempo a escutar as conversas que outros escutaram a Pinto da Costa e Valentim Loureiro. E apesar de, ao que dizem, elas nada conterem de novo em relação àquilo que, a conta-gotas e oportunamente, foi sendo divulgado ao longo do Apito Dourado, o interesse popular não diminuiu, antes pelo contrário. Não me admira nada e por duas razões: primeiro, porque o «povo» quer fazer justiça por suas mãos e não se conforma que a Justiça, ela própria, o não tenha feito (foi comovedor o texto do José Manuel Delgado, anteontem, a pedir ao povo que não condene sumariamente a Justiça por esta não ter condenado Pinto da Costa, pois que os juízes, coitadinhos, andam assoberbados de trabalho e às vezes distraem-se…); em segundo lugar, porque o prazer das escutas está em ouvi-las e não em lê-las: é isso que satisfaz os desejos de voyeurismo e devassa alheia de um verdadeiro escuteiro - é melhor do que espreitar pelo buraco da fechadura. Não, a mim não me admira nada que a PIDE tenha escutado livremente durante cinquenta anos e que a Ditadura se tenha assim imposto ao respeito de um povo que é capaz de transformar a devassa da intimidade alheia em desporto nacional.

2- Como sempre escrevi, o que fez o Apito Dourado nascer torto desde o princípio foi o carácter selectivo dos seus alvos. O Apito Dourado não visou apurar, de cima a baixo, as eternas suspeitas que pairam, e continuam e hão-de continuar sempre a pairar sobre o futebol português. Se esse fosse o objectivo, haveriam de ter sido escutados não apenas dois alvos - Pinto da Costa e Valentim Loureiro - mas, sim, dezenas deles. E houve um episódio sintomático que veio confirmar isto mesmo. A certa altura do entusiasmo jornalístico com o Apito, o «Público» publicou, inesperadamente, o teor de uma escuta entre Valentim Loureiro e Luís Filipe Vieira (apanhado por arrasto no telefone de Valentim). E o seu conteúdo não podia ser mais óbvio: Vieira telefonara a Valentim a pedir-lhe o afastamento de um árbitro escalado para apitar um Belenenses-Benfica e os dois juntos foram desfilando nomes de árbitros, até que, ao quarto nome, Vieira se deu, enfim, por satisfeito. Mas não sem que antes, e no meio da conversa, tivesse deixado escapar esta frase intrigante: «Como sabe, tenho outras maneiras de resolver o assunto». A divulgação desta escuta caiu como uma bomba no terreno de batalha errado. Nesse mesmo dia, Vieira convocou uma conferência de imprensa, onde se limitou a dizer que não respondia a perguntas nem falava dos factos, apenas avisava os benfiquistas que estivessem alerta contra essas «manobras»; porque mais haveriam de aparecer. E sucederam, então, três coisas curiosas: uma, é que não apareceu mais nada, ao contrário do que ele tinha previsto; outra, é que ninguém, no CD da Liga, achou que uma combinação de árbitros entre o presidente de um clube e o presidente da Liga (que lá tinha sido posto por aquele) violasse a «verdade desportiva»; e a terceira, é que nem o CD nem o Ministério Público acharam que houvesse qualquer interesse em chamar o presidente do Benfica para que este explicasse o que queria dizer com aquela frase de que tinha outras maneiras de resolver assuntos daqueles.

Pois é: há escutas e escutas. Ora, divirtam-se com estas!

3- Também parece que o célebre túnel da Luz tem incidentes gravíssimos e incidentes banais. Os do passado dia 20 de Dezembro foram gravíssimos, embora ainda não julgados. Já os do Benfica-Porto da época passada, parece que estão prescritos ou que não há prova ou que na altura não foram tidos como nada de mais - tal como outros que consta por lá terem acontecido. Sempre, sempre, nesse misterioso túnel da Luz, transformado em território decisivo para o desfecho do campeonato.

4- Na última página da edição de domingo de «A Bola» li um curiosíssimo artigo, que me deixou a meditar. Embora o mesmo seja anónimo (o que não é prática da casa), o seu teor aponta para alguém dentro do próprio CD da Liga (a menos que o autor seja um desses «fretistas» de que falava o texto de Rogério Azevedo na mesma edição). De facto, só alguém dentro do CD pode revelar um tão íntimo conhecimento do processo de averiguações aberto a Hulk e Sapunaru, ao ponto de falar na «abundante prova testemunhal» recolhida contra eles e acrescentar que, embora a lei não permita a incriminação com base nas célebres imagens nunca vistas mas já sobejamente conhecidas, o CD encontrará o expediente para se aproveitar delas. Mais curioso ainda é quando, para tentar justificar o injustificável escândalo de uma suspensão prévia que vai já em cinco jogos, se escreve que essa demora está «plenamente dentro de uma média que tem oscilado entre as quatro e as oito semanas, o que esmaga por completo a tese da extraordinária morosidade deste processo». Eu li e confesso que quem ficou esmagado fui eu. Primeiro, porque não é normal este jornal tomar uma posição de princípio, e tão veemente, sobre processos disciplinares em que nem sequer a acusação é ainda conhecida. Depois, porque bem gostaria que me dissessem quais foram os outros casos de suspensão prévia de jogadores por um período de quatro a oito semanas. E, enfim, porque em abono da tão invocada verdade desportiva e da verdade do futebol jogado em campo, eu acharia que «A Bola» mais depressa se bateria para que um jogador como Hulk não ficasse de fora do jogo dois meses, apenas à espera da sentença. E se, em vez do Hulk, fosse o Saviola?

NEM TUDO É NEGRO (19 JANEIRO 2010)

1- As minhas preces foram ouvidas: Ruben Micael está a caminho do F.C.Porto, para reforçar o seu depauperado meio-﷓campo. O preço é caro, mas se compararmos a relação qualidade/preço do madeirense com a do lote de argentinos do meio campo portista, acaba por ser quase barato. Caro é ter de sustentar o Guárin, o Tomás Costa, o Belluschi, o Valeri e o Prediguer. E Bolatti, depois de tantas promessas, encontrou finalmente comprador.

Diz-se que Rolando pode ir para o Man. United e que, nesse caso e à cautela, já está pronto a avançar o peruano Rodriguéz, do Sporting de Braga. Uma e outra coisa seriam boas notícias: uma boa venda e uma boa compra. Mas a segunda só encontra justificação no caso de a primeira ocorrer. Até porque, saindo Rolando, Jesualdo tem de dar uma oportunidade real a um rapaz que, ou muito me engano, ou está fadado para vir a ser um grande central: Nuno André Coelho.

De qualquer maneira, saúde-se a aparente inversão da política de compras da SAD do FCP, que eu não me tenho cansado de preconizar. Aparentemente, repito, acabaram-se as compras por atacado e por catálogo de sul-americanos que ninguém viu jogar senão no vídeo, e vai dar-se preferência a jogadores que actuam aqui e cujo valor é sobejamente conhecido. Está é a primeira boa notícia para os portistas, desde há uns tempos para cá.

Infelizmente, vai ser preciso muito mais para recompor a equipe desfigurada pelas saídas constantes de jogadores decisivos e entradas de jogadores que não vieram acrescentar utilidade alguma - sobretudo, no meio-campo, como tantas vezes tenho dito e salta aos olhos de qualquer um. Se pensarmos apenas a partir do ano de 2004 e da equipe que então foi campeã europeia, é fácil constatar que o F.C.Porto teve sempre grandes médios, à excepção desta época. O rol dos que foram saindo, apenas do meio-campo, é eloquente do quanto a equipe foi sendo desfalcada no sector decisivo do jogo: Deco, Maniche, Pedro Mendes, Costinha, Alenitchev, Carlos Alberto, Diogo, Anderson, Paulo Assunção, para não falar em várias promessas que, mal pareciam despontar, logo foram emprestados. No ano passado, e não esquecendo a grande época de Raul Meireles, restava apenas um médio de valor excepcional: Lucho González. Para entender a razão porque no ano passado o Porto foi tranquilamente campeão e este ano está tranquilamente a deixar-se afastar do título, basta pensar em dois nomes: saiu Lucho, entrou para o seu lugar Belluschi. Está tudo dito e quem tenha visto Belluschi contra o Paços de Ferreira, percebeu, uma vez mais, a esmagadora diferença.

Se eu pudesse ser treinador do F.C.Porto por 24 horas apenas, e à vista da situação actual, exigiria plenos poderes para uma verdadeira revolução no plantel. Para começar, forçava a compra do Ruben Micael - que já está feito; depois, pedia que se fosse recuperar o Ricardo Quaresma, nem que fosse por empréstimo e até ao final da época - proporcionando-lhe, aliás, uma hipótese de ainda se poder bater por uma lugar no avião para a África do Sul; depois reclamava o regresso imediato de alguns dos jovens emprestados e a «rodar» por aí: Candeias, Rabiola, Ukra, Helder Barbosa; e, enfim, promovia imediatamente o Sérgio Oliveira ao grupo dos convocados habituais. Em contrapartida, entregava também à direcção uma longa lista de jogadores a dispensar, vender, emprestar ou deixar para a Taça da Liga: Helton, Maicon, Tomás Costa, Belluschi, Guárin, Valeri, Prediguer, Mariano, Farías e, sim, Cristian Rodriguéz. Saíam dez sul-﷓americanos e entravam sete jovens portugueses. A língua oficial do balneário mudava logo de espanhol para português e de certeza que sairíamos a ganhar na qualidade das opções. Depois, entregava outra vez a equipe a Jesualdo Ferreira.

2- Não sei se o empate contra o Paços significou ou não o enterrar definitivo das esperanças no título prometido a Pedroto por Pinto da Costa. Seria bom que não, por várias razões, das quais a menor não é a de a despedida ficar a dever-se a um indesculpável erro de arbitragem.

Notável que, depois do que todos viram, A BOLA ainda se tenha lembrado de promover uma sondagem «on line» onde se perguntava se o F.C.Porto teria sido prejudicado por erros de arbitragem. Notável, mas eloquente que tenha havido 73% de respostas a dizer que não. E notável e eloquente que se tenha passado a tentar inventar à lupa uma falta no golo do empate do Porto, pretendendo que Falcão terá feito golo com a mão e não com a cabeça (bastava perguntar a quem tenha jogado futebol um dia se aquela potência e direcção do remate poderiam ser alcançadas com mão…). E tudo isto apenas para não ter de se reconhecer uma coisa evidente: que o F.C.Porto perdeu dois pontos devido à arbitragem, depois de ter perdido Hulk devido a um filme que continua em exibição confidencial há um mês.

Notável que os colunistas benfiquistas e sportinguistas tenham passado a semana a gritar que o F.C.Porto tinha sido beneficiado pela arbitragem contra o Leiria, porque o seu guarda-redes foi mal expulso, «esquecendo» de mencionar: a) que só se percebe pela repetição em slow-motion que a bola lhe vai, de facto, à cara e não às mãos; b) que a expulsão ocorreu a dez minutos do fim, quando o resultado final já estava fixado; c) que antes haviam sido anulados dois golos ao F.C.Porto, um dos quais duvidoso e o outro claramente mal anulado; d) que havia sido validado o primeiro golo do Leiria, também em posição duvidosa, mas com diferente critério de apreciação; e) e que, já nos descontos, o árbitro não hesitou em marcar penalty contra o Porto e expulsar o Fernando, por mão na bola, que foi real mas também não era evidente (e se o penalty tem entrado, aí sim, adeus campeonato). Dizem que o penalty deveria ter sido repetido, porque Helton se mexeu antes, mas não há quem não saiba que essa é uma regra que em todo o lado só se aplica em casos flagrantes, sob pena de ter de se repetir 90% dos penalties.

3- O erro imperdoável do fiscal-de-linha, anulando um golo limpo e, para mais, lindíssimo, foi a razão determinante dos dois pontos perdidos contra o Paços, mas não a única. Bastas vezes tenho escrito, e mantenho, que as grandes equipes têm de jogar o suficiente para se colocarem ao abrigo dos erros dos árbitros. O F.C.Porto também teve, claro, culpas próprias: vários jogadores, em posições determinantes, falharam em momentos-chave ou durante todo o jogo - Rolando e Falcão falharam o que não podiam falhar; Belluschi e Cristian Rodriguéz passaram pelo jogo estragando todas as jogadas em que intervinham.

Mas houve ainda outros factores a acrescentar às razões do fiasco: a falta de sorte e a incrível exibição do guarda-redes pacense, negando quatro golos certos apenas nos cinco minutos finais. E mais: a continuada ausência de Hulk, que já vai em cinco jogos de suspensão «prévia» (e ainda há benfiquistas que têm o supremo desplante de escrever que o F.C.Porto é que está tirar proveito da demora do inquérito disciplinar e que até é muita suspeita a demora! Ah, isso é, só que as suspeitas são outras…).

E, enfim, houve um último factor absolutamente decisivo no desfecho do jogo, e eu peço muita desculpa ao Paços de Ferreira, aos seus jogadores e treinador por ter de o referir, mas eu gosto muito de futebol e há coisas que não se podem calar. Disse Ulisses Morais, no final e antes que alguém falasse nisso, que «dignificámos o espectáculo, não fazendo anti-﷓jogo». Rigorosamente falso: o Paços foi a equipe que mais anti-jogo fez no Dragão esta época, jogou sempre em 4x5x1 e às vezes em 5x5x0, fez um golo caído do céu sem que Helton tenha feito uma única defesa em todo o jogo e os seus jogadores simularam falsas lesões nada menos do que doze vezes. Em Inglaterra, o árbitro não lhes teria consentido esse tipo de jogo, o público tê-los-ia vaiado até os envergonhar e a imprensa tê-los-ia desancado sem dó nem piedade. Mas por isso mesmo é que em Inglaterra os estádios estão sempre cheios, jogue quem jogar. Lamento dizê-lo, mas não gosto de hipocrisias: a exibição do Paços de Ferreira no Dragão foi anti-futebol e infelizmente ajudada de forma decisiva por um fiscal-de-linha que anulou um golo obtido quase da única maneira possível, face àquele anti-jogo - através de um passe de ruptura vertical e uma desmarcação fulgurante do ponta-de-lança.